NEM TODAS AS MODALIDADES de Usucapião exigem que o pretendente não seja proprietário de outro imóvel, rural ou urbano. Isso é importante já que em muitos casos o interessado pode já ser titular de imóvel ou mesmo parte dele, ou ainda já ter sido e durante o tempo do exercício da posse já não sê-lo. Podem ser várias as hipóteses quando recebemos o caso real. Compreender bem a complexidade desse tipo de ação/procedimento, assim como doutrina e jurisprudência será sempre importante.
Como sempre falamos aqui, existem várias espécies de Usucapião contempladas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Através da Usucapião o interessado comprovando cabalmente que possui COISA hábil, suscetível de usucapião, exercendo sobre ela POSSE capaz de permitir a prescrição aquisitiva pelo TEMPO exigido em Lei poderá converter seu exercício fático em propriedade, desaguando com o REGISTRO do imóvel em seu nome junto ao RGI, por mais que ele esteja em nome de outrem anteriormente - ou mesmo nem exista nos Livros do Cartório de Registro Imobiliário.
Também como já destacamos várias vezes, pode ser observado que quanto MAIOR o tempo de posse exigido, menores serão os requisitos - e o contrário também é verdadeiro: quanto MENOR o tempo de posse exercido sobre o bem, maiores serão os requisitos.
A espécie USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA por exemplo (art. 1.240 do CC/2002 também encontrada no art. 183 da CRFB/88 e inclusive no Estatuto das Cidades) tem uma grande vantagem que é o seu curto tempo de posse exigido (CINCO ANOS) porém outro requisito é justamente o de não ser proprietário de outro imóvel:
"Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".
Como se observa, muitos são os requisitos para tal modalidade, especialmente o fato de não ser o requerente PROPRIETÁRIO de outro imóvel urbano ou rural. A pergunta que trazemos hoje é: se o interessado não for proprietário mas sim possuidor de outro imóvel, poderia ainda assim se valer dessa espécie de usucapião (interessante já que exige APENAS CINCO ANOS de posse) para obter a propriedade de outro imóvel?
A resposta nos parece ser positiva, na medida em que POSSE e PROPRIEDADE não se confundem (e a Usucapião é, a rigor, verdadeira exemplificação disso já que consubstancia instrumento que converte a posse em propriedade, como sabemos).
A doutrina do ilustre Registrador Imobiliário, Dr. MARCELO COUTO (Usucapião Extrajudicial. 2021) esclarece com a precisão de sempre:
"Outra exigência constitucional é que o usucapiente NÃO SEJA PROPRIETÁRIO DE OUTRO IMÓVEL URBANO OU RURAL. Como se pode constatar, o verbo utilizado está no PRESENTE, o que significa que o fato de já ter sido proprietário NÃO IMPEDE a usucapião constitucional urbana. (...) Importante atentar, ainda, que a norma fala apenas em 'PROPRIEDADE', de modo que o usucapiente pode ser titular de outros direitos reais, tais como usufruto, concessão de direito real de uso, dentre outros".
De fato estamos com a melhor doutrina que aponta ainda que a prova será feita pela simples declaração do interessado de que não possui imóvel em sua propriedade durante o prazo usucapional, sendo certo que tal modalidade também pode ser exercidade plenamente pela VIA EXTRAJUDICIAL, sem processo judicial, com assistência obrigatória de Advogado, nos moldes do art. 216-A da Lei de Registros Publicos, bem como Provimento CNJ 65/2017.
É claro que outras modalidades podem ser cogitadas para a pretensão do interessado quando ele for proprietário de outro imóvel, porém, como se viu, a grande vantagem da modalidade ora revisitada é seu curto prazo de posse exigido. POR FIM, decisão do TJSP que por uninamidade reformou decisão do juiz de piso que negava o direito à Usucapião por supostamente não terem sido preenchidos os requisitos para a Usucapião Urbana por serem os requerentes "proprietários" de outro imóvel - quando na verdade eram meros "posseiros":
"TJSP. 0009614-83.2008.8.26.0152. J. em: 24/10/2017. APELAÇÃO – Ação de Usucapião Urbana – Alegação de posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre imóvel por mais de cinco anos – Sentença de improcedência – Inconformismo – Alegação de que não são proprietários de outro imóvel – Autores que admitem a POSSE de outro imóvel, o que não obsta o pedido de usucapião urbana – Presentes, ainda, os requisitos autorizadores para o reconhecimento da usucapião extraordinária, ao tempo do ajuizamento da ação – Recurso provido".