RESUMO
Trata-se da responsabilidade dos filhos prestar assistência aos pais idosos. De acordo com a lei brasileira que trata de abandono afetivo, os filhos têm a obrigação de auxiliar os pais idosos em suas necessidades materiais, quando estes não possuírem os recursos necessários para a subsistência. Entretanto, a obrigação dos filhos de prestarem assistência aos pais idosos ainda tem gerado muita discussão e controvérsia. Assim sendo, torna-se necessário uma análise mais intensa sobre os filhos que sofreram abandono material e afetivo por seus pais e são inquiridos a prestar assistência aos pais na velhice. Portanto, o tema em síntese se refere ao abandono afetivo inverso, sendo até então uma temática pouco considerada, embora seja muito recorrente. Pode-se dizer que, o abandono afetivo inverso é a carência de cuidado ou acolhimento, tal como a falta de afetividade dos filhos em relação aos seus genitores idosos.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil; Pais Idosos; Abandono Material, Assistência; Abandono Afetivo.
ABSTRACT
It is the children's responsibility to assist their aging parents. According to the Brazilian law that deals with affective abandonment, children have the obligation to help elderly parents with their material needs, when they do not have the necessary resources for subsistence. However, the obligation of children to provide assistance to elderly parents has still generated much discussion and controversy. Therefore, a more intense analysis of children who have suffered material and affective abandonment by their parents and are asked to provide assistance to their parents in old age becomes necessary. Therefore, the theme in summary refers to the reverse affective abandonment, which until then was a theme little considered, although it is very recurrent. It can be said that the reverse affective abandonment is the lack of care or acceptance, such as the lack of affectivity of children towards their elderly parents.
KEYWORDS: Civil Liability; Elderly Parents; Material Abandonment, Assistance; Affective Abandonment.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .
CONCEITO E CONSEQUÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO E AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA, PATRIMONIAL E EMOCIONAL
AFETO COMO DIREITO FUNDAMENTAL .
DIFERENÇA ENTRE ABANDONO AFETIVO E MATERIAL .
PODE HAVER A INEXISTÊNCIA DO DEVER DE CUIDADO PARENTAL EM CASO DE ABANDONO AFETIVO..
CONSIDERAÇÕES FINAIS .
REFERÊNCIAS ....
INTRODUÇÃO
A Carta Magna brasileira, promulgada em 1988 garante a obrigação de cuidado entre os familiares, e seu artigo 229 rege que "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade"
Todavia, embora a legislação vigente defenda o direito dos idosos de serem amparados por seus filhos quando não possuírem recursos suficientes para sua subsistência, a realidade não é esta. Filhos estão abandonando cada vez mais seus idosos, tendo por escopo sentimento de desobrigação de prestar assistência por terem sofrido abandono material e afetivo quando criança.
Mesmo não existindo legislação pertinente ao tema em comento, alguns filhos têm conseguido amparo judicial para se desobrigarem do dever de cuidado parental em caso de abandono afetivo.
Dessa forma, trataremos nesse estudo dessa tão importante e relevante controvérsia, poderá ou não, o filho deixar de assistir o genitor em sua velhice devido ao fato de ter sofrido abandono material e afetivo em sua infância?
CONCEITO E CONSEQUÊNCIA DO ABANDONO AFETIVO E AFETIVIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA, PATRIMONIAL E EMOCIONAL
Podemos conceituar o abandono afetivo quando pais abandonam e negligenciam a relação com seus filhos, deixando de dar afeto, carinho e atenção, sendo estes tutelados pelo art. 227 da Constituição Federal / 88.
Nesses termos, a Constituição Federal, prevê como dever do Estado, da Família e da Sociedade:
Art. 227 - assegurar à criança ou adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).
Compactuando com o artigo citado, o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da Lei nº 8.069/90, assegura que:
Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (ECA, 1990).
O Direito de Família possui alguns princípios que propiciam garantia jurídica de uma qualidade de vida mais digna à família e melhor desenvolvimento da criança e adolescente.
Iniciaremos pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que se encontra fortemente defendido e norteado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, que vem garantir em seu texto a participação garantidora do Estado na defesa de que todo ser humano deve ser respeitado e ter seu valor reconhecido, não permitindo que sua personalidade seja denegrida ou depreciada diante da sociedade.
Devendo assim, garantir todos os direitos fundamentais da personalidade em relação a família, protegendo os valores éticos, morais e sociais nesse ambiente.
Portanto, a relevância da dignidade da pessoa humana no âmbito familiar ultrapassa o dever do Estado atingindo os pais em seus deveres de amparo, criação e educação de seus filhos quando menores, garantindo sua integridade e dignidade.
Com status constitucional o Princípio Da Paternidade E Maternidade Responsáveis, com fulcro no art. 226, § 7º da Constituição Federal, expressa que:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).
A Constituição em seu texto supracitado, garante ao individuo o planejamento e criação de sua família, todavia, a partir daí nasce a responsabilidade pessoal do criador da família, que ao gerar seus filhos, será obrigado a respeitar, educar e assisti-los, protegendo e garantindo seus direitos fundamentais, tutelando seu bem-estar físico e moral.
No tocante as relações entre pais e filhos podemos citar vários exemplos como o respeito, o amor, o cuidado, a dedicação, entre outros, visando o melhor desenvolvimento da criança e do adolescente, como podemos ver nos ensinamentos de Lôbo (2007, p. 7):
A afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estas suas causas originária e final, haverá família. A afetividade é necessariamente presumida nas relações entre pais e filhos [...]. (LÔBO, 2007).
Contribuindo com esse pensamento, Madaleno (2018, p. 145) aduz que:
O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. (MADALENO, 2018).
Portanto, o afeto tem extrema relevância na construção das relações familiares, tendo como base fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana, e devido ao afeto os indivíduos se relacionam, constroem lares e famílias em suas mais diversas espécies ou gêneros com reconhecimento e proteção do Estado na forma do ordenamento jurídico.
A convivência entre pais e filhos é fundamental para a formação da personalidade da criança.
Ressalta-se que, quando os pais abandonam seus filhos tanto na esfera material quanto afetiva, isso pode gerar consequências psicológicas graves e, muitas vezes, irreversíveis.
As consequências geradas pelo abandono afetivo não param apenas na esfera psíquica ou emocional, essas consequências podem adentrar também na esfera jurídica, como, por exemplo, direito à indenização por danos morais.
E não para por aí, é possível a exclusão do sobrenome do pai ou da mãe que abandonou o filho/filha.
Nesse sentido, existe jurisprudência consolidada como podemos ver:
Apelação cível. Ação indenizatória. Abandono afetivo.
A sentença julgou procedente pedido para condenar o apelante, genitor, a indenizar dano moral à filha, por abandono afetivo. Embora a demonstração de que a apelada necessite tratamento por depressão, chegando a atentar contra a própria vida, os elementos dos autos são insuficientes para comprovar, com segurança e robustez, nexo de causalidade entre a conduta omissiva do genitor, quanto às visitações determinadas judicialmente, e os danos emocionais/psíquicos ou sofrimento indenizável, nos termos dos arts. 186 e 927 do CCB. Apenas em situações excepcionais e com efetiva prova é que, na seara das relações familiares, se deve conceder reparação por dano extrapatrimonial, sob pena de excessiva patrimonialização das relações familiares. Deram provimento. Unânime.” (AC 0289356-51.2019.8.21.7000 RS).
Sobre a retirada do nome do genitor que o abandonou:
Recurso especial. Direito civil. Registro civil. Nome. Alteração. Suspensão do patronímico paterno. Abandono pelo pai na infância.
Justo motivo. Retificação do assento de nascimento. Interpretação dos artigos 56 e 57 da lei nº 6.015/73. Precedentes. 1. O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. 2. O nome civil, conforme as regras dos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. 3. Caso concreto no qual se identifica justo motivo no pleito do recorrente de supressão do patronímico paterno do seu nome, pois, abandonado pelo pai desde tenra idade, foi criado exclusivamente pela mãe e pela avó materna. 4. Precedentes específicos do STJ, inclusive da Corte Especial. 5. Recurso especial provido.” (Resp 1304718/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2014, DJe 05/02/2015).
De acordo com o exposto, caso alguém se sente prejudicado pelo fato de ter sido abandonado na infância, poderá buscar no judiciário a retirada do nome dos pais em sua certidão de nascimento ou até mesmo pleitear reparação por danos morais.
AFETO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
No direito moderno a família é considerada o pilar da sociedade sendo especialmente protegida pelo Estado nos termos da Constituição Federal de 1988 como vemos no art. 226:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6ºO casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.(Revogado)
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL. Constituição Federal de 1988).
É inquestionável que a afetividade é primordial à constituição da personalidade da criança e do adolescente, como quesito e mecanismo principal a criança somente desenvolverá completamente sua sociabilidade se estiverem presentes as condições favoráveis de crescimento no convívio familiar. Dessa forma, tratamos a suma importância da família para a sociedade.
O fim da sociedade conjugal, seja ele pelo divórcio, separação ou dissolução de união estável é sempre difícil para os filhos, e desencadeia muito sofrimento, especialmente em filhos menores, que ainda não possuem total compreensão de toda situação.
Nesse momento, na maioria das vezes o mais prejudicado é a criança, que em pleno desenvolvimento tem que conviver com pais separados, sem saber qual deles tem mais razão. De acordo com psicólogos e profissionais relacionados com a criança e juventude, crianças que convivem com abandono afetivo podem se tornar agressivas, tristes e até mesmo sofrer com depressão. Os danos causados pela ausência de um dos pais podem se tornar altamente prejudiciais e irreparáveis.
A afetividade parental está intrinsicamente ligada ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e garante á criança o afeto de sua família, separada ou não.
Assim, as crianças possuem amparo legal na garantia de seus direitos em relação à omissão de seus ascendentes, de acordo com alguns dispositivos legal asseguradores de sua dignidade:
Vejamos o estabelecido pela Declaração dos Direitos da Criança, de 1959 em seu princípio 2º:
PRINCÍPIO 2º
A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade.
Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA).
Portanto, a criança tem como direito fundamental o afeto de seus pais, sendo esse garantido legalmente e tutelado pelo Estado. Considera-se ainda que, os pais são obrigados por lei garantir a afetividade a seus filhos, sendo a omissão e o abandono um ilícito com previsão no ordenamento jurídico.
Em julgamento atual do STJ, ficou entendido a possibilidade da compensação por danos morais no caso de abandono afetivo, considerando ser obrigação dos pais a promoção da educação dos filhos, compreendendo-se nela a criação, compreensão, companhia e cuidado.
A Ministra Nancy Adrighi, defendeu que os pais são obrigados a cuidar dos filhos. Em suas palavras:
Recurso Especial n.º 1.159.242 - SP (2009/0193701-9)
“Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 1.159.242 – SP (2009/0193701-9): Abandono afetivo).
No entendimento da Ministra, o genitor que se afastar de seu filho (a), comete um ilícito civil (omissão). A omissão acontece porque o genitor é obrigado por lei cuidar de seus filhos tanto na forma material quanto afetiva.
Por fim, não resta dúvidas que o afeto parental se constitui como direito fundamental para a criança, tendo em vista sua importância para o desenvolvimento moral e psicológico da criança.
DIFERENÇA ENTRE ABANDONO AFETIVO E MATERIAL
Em poucas palavras podemos diferenciar o abando material do afetivo quando o responsável deixa de prover, sem motivo, a subsistência do filho menor, acontece o abandono material, mas se há a indiferença afetiva, ou desprezo, de um genitor em relação a seus filhos, caracteriza-se o abandono afetivo.
A falta de pagamento de pensão alimentícia é considerada como abandono material, quem não realiza os pagamentos da pensão alimentícia comete crime tipificado pelo artigo 240 do CP.
Quanto ao abandono afetivo, o genitor que for omisso poderá sofrer como penalidade a obrigação de pagar indenização, por privarem seus filhos de terem uma convivência familiar, ou seja, não estar presente afetivamente, em datas comemorativas e importantes, não participar de momentos inesquecíveis da criança, nem contribuir com o seu crescimento no seio familiar.
Portanto, mesmo que o filho receba do pai a pensão alimentícia, ele também deve ser receber a atenção do referido pai.
PODE HAVER A INEXISTÊNCIA DO DEVER DE CUIDADO PARENTAL EM CASO DE ABANDONO AFETIVO
A função principal da família é proporcionar aos seus membros proteção, afeto, intimidade e identidade social. A solidariedade entre as gerações familiares é uma das principais funções da família.
Todavia, a família sofreu ao longo dos anos muitas variações em sua estrutura, a modernidade trouxe a igualdade de gêneros, que apesar de todos os benefícios, gerou também divergências, impossibilitando, parcial ou totalmente, os familiares de exercerem o papel de cuidadores uns dos outros.
Até este momento, tratamos principalmente do abandono afetivo dos pais aos filhos e suas consequências, contudo, abordaremos agora a falta de cuidado dos filhos aos pais como resultado do abandono afetivo quando criança, onde usaremos a nomenclatura de abandono afetivo inverso.
Podemos conceituar o abandono afetivo inverso como a falta de cuidado ou amparo, bem como a negligência afetiva dos filhos em relação aos seus genitores, resultante numa omissão do dever de cuidado.
A Carta Magna brasileira defende o dever de cuidado entre os familiares, em seu art. 229, dispõe que "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade" (BRASIL. Constituição Federal de 1988).
Entretanto, como visto anteriormente, devido ao grande número de dissolução da entidade familiar, muitos pais não têm cumprido com sua obrigação de cuidar de seus filhos de forma material e ou afetiva, gerando assim, grande transtorno aos filhos e quase sempre revolta quando se tornam adultos, vindo dessa forma, a praticarem o abandono afetivo com relação aos pais que os abandonaram como forma de reciprocidade.
Da mesma forma que a criança possui amparo legal que assegura seus direitos, que nesse caso envolve a afetividade e cuidado dos pais, esses, na velhice são amparados por dispositivos legais, tais como o Estatuto do Idoso que em seu artigo 3º, aumentou o dever de cuidado dos filhos:
"É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. (Estatuto do idoso, 2003).
As famílias deveriam ser baseadas na reciprocidade. Todavia, boa parte das famílias não desfrutam dessa base, e acabam incorrendo no abandono afetivo, no qual o genitor abandona seus filhos que, consequentemente quando adultos se deparam com a “obrigação” de cuidar de um pai ou uma mãe que só trouxe coisas lembranças negativas durante toda a sua vida.
Acontece que, após abandonarem seus filhos, grande parte dos pais ao envelhecerem aparecem reivindicando o direito de auxílio e cuidado por parte de seus filhos, amparados na legislação vigente.
Mesmo com todo o aparato legal, surgiu na esfera judicial um caso em que a filha se recusou a ser cuidadora do pai idoso e doente porque ele a maltratava quando criança e, posteriormente, a abandonou.
Embora, seu pai estando interditado e necessitando de auxílio permanente, pleiteou judicialmente a desobrigação de cuidar de seu pai, alegando intenção de viajar para o exterior e tendo sido abandonada quando criança.
Mesmo não havendo legislação que permita a não assistência aos idosos, o juiz Caio Cesar Melluso após analisar o laudo social comprovou a falta de relação entre o curatelado e a filha, e o laudo psicológico apontou o sofrimento emocional da mulher, traumatizada pelo comportamento negligente e violento do pai, deferindo o pedido da filha e transferindo essa responsabilidade a sua irmã.
Essas foram as palavras do juiz na decisão:
“Assim, ainda que seja filha do curatelado, tal como não se pode obrigar o pai a ser pai, não se pode obrigar o pai a dar carinho, amor e proteção aos filhos quando estes são menores, não se pode, com a velhice daqueles que não foram pais, obrigar os filhos, agora adultos, a darem aos agora incapacitados amor, carinho e proteção, quando muito, em uma ou em outra situação, o que se pode é obrigar a pagar pensão alimentícia”. (https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/juiz-decide-filha-agredida-recusar-cuidar-pai).
A nossa legislação diz que o abandono afetivo deve ser considerado ilícito, sendo passível de indenização por parte de quem o pratica. Atualmente, muito tem-se falado sobre abandono afetivo dos pais para com os filhos e o inverso, no caso do inverso, mesmo não havendo uma legislação que defenda o não amparo aos pais que um dia abandonaram seus filhos, permitindo os filhos a não responsabilidade desse cuidado, pode-se dizer que essa visão está mudando, tendo como ponto de partida o julgado citado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Infelizmente, ainda é considerável a quantidade de casos relativos ao abandono afetivo, tanto do lado dos pais quanto dos filhos, embora o Estado tenha se empenhado na criação de leis e dispositivos visando o amparo a criança e ao idoso.
Nesse sentido, cabe ressaltar que a família ainda é considerada o sustentáculo da sociedade, sendo protegida pela Constituição Federal de 1988 e vários dispositivos legais. Para que essa família continue com esse status, necessário se faz que todos os seus membros se tratem com reciprocidade, com afeto e respeito uns para com os outros, mesmo que separados.
Observa-se que precisamos defender e fazer valer o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, dignidade essa que é violada a partir do momento que as crianças e os idosos são vitimados dentro do seio familiar pela ausência afetiva. A falta de afetividade danifica a saúde, o psicológico e emocional. Não existe um meio de tarifar o afeto, ou melhor, a falta dele. Não se pode exigir o amor, carinho e atenção a quem tem o dever de cuidar. Porém, a possível quantificação de uma penalidade em forma de indenização imposta aos familiares pelo abandono afetivo servirá como punição e quem sabe uma forma de amenizar a situação de descaso.
Por fim, há muito que se pensar em punir um filho por não prestar assistência a seu genitor idoso, tendo em vista todo o sofrimento que este lhe causou devido ao abandono afetivo que lhe fora acometido.
REFERÊNCIAS
ABANDONO, afetivo inverso: quando os filhos não cuidam dos pais. EBC. 2015. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/2015/04/abandono-afetivo-inverso-quando-os-filhos-nao-cuidam-dos-pais>. Acesso em: 01 maio 2023
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Acesso em: 19 abril. 2023.
BRASIL. Estatuto do idoso: lei Federal 10.741, de 01 de outubro de 2003. Disponível aqui. Acesso em: 19 abril. 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n.º 1.159.242 – SP (2009/0193701-9): Abandono afetivo. Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/jurisprudencias/201205021525150.votonancy_abandonoafetivo.pdf. Acesso em 01 maio de 2023.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA (ONU). Proclamada em 20 de novembro de 1959. Disponível em:http://198.106.103.111/cmdca/downloads/Declaracao_dos_Direitos_da_Crianca.pdf. Acesso em 01 maio de 2023.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2015, p. 648.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. 2007. Disponível em < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9408-9407-1- PB.pdf> Acesso em 23 abril. 2023.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 8. ed. rev., atual.e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018
https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/juiz-decide-filha-agredida-recusar-cuidar-pai