A Retroatividade na Nova Lei de Improbidade Administrativa

13/06/2023 às 11:37

Resumo:


  • A nova Lei nº 14.230, de 2021, revogou alguns tipos de atos de improbidade e suprimiu a modalidade culposa, levantando discussões sobre a retroatividade dos novos dispositivos.

  • A pesquisa busca analisar a possibilidade de aplicação da retroatividade das normas mais benéficas da Lei 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa.

  • A retroatividade da lei mais benéfica deve ser observada para os dispositivos da nova lei de improbidade que forem favoráveis aos acusados, devendo retroagir.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

A promulgação da nova Lei nº 14.230, de 2021, revogou alguns tipos de atos de improbidade, também suprimiu a modalidade culposa de improbidade, iniciando uma discussão da possibilidade ou não de retroatividade dos novos dispositivos. Conforme os princípios constitucionais do direito sancionador, com fulcro no direito comparado, na jurisprudência consolidada do STF e do STJ e nos debates acirrados no percurso da tramitação parlamentar, busca-se o entendimento de como a nova Lei irá atingir acusações ou condenações por atos de improbidade anteriores à sua entrada em vigor.

Esta pesquisa busca analisar a possibilidade ou não de aplicação da retroatividade das normas mais benéficas elencadas pela Lei 14.230 /2021 na Lei de Improbidade Administrativa.

Palavras-Chave: Improbidade. Reforma; Retroatividade; Direito Administrativo Sancionador.

ABSTRACT

The enactment of the new Law nº 14.230, of 2021, revoked some types of acts of impropriety, also suppressed the culpable modality of improbity, initiating a discussion of the possibility or not of retroactivity of the new provisions. According to the constitutional principles of sanctioning law, based on comparative law, on the consolidated jurisprudence of the STF and the STJ and on the heated debates in the course of parliamentary proceedings, an understanding is sought of how the new Law will reach accusations or convictions for acts of misconduct prior to its entry into force.

This research seeks to analyze the possibility or not of applying the retroactivity of the most beneficial rules listed by Law 14,230 / 2021 in the Administrative Improbity Law.

Keywords: Misconduct. Remodeling; Retroactivity; Sanctioning Administrative Law.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..

2 BREVE SINTESE SOBRE A PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA..

3 A RETROATIVIDADE ABSOLUTA ....

4 PRINCÍPIO DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR ..

5 NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: O QUE RETROAGE .

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....

REFERÊNCIAS ....

  1. INTRODUÇÃO

A nova lei n° 14.230/2021 promove alterações substânciais na sistemática de improbidade administrativa. A reforma buscou suprir omissões e excessos na lei. A administração pública é importante para o bem estar da população; atualmente o que se vê é o descuido daqueles que são agentes públicos, pois muitos não estão preocupados com a sociedade e sim, com seus interesses.

O presente trabalho aponta os atos de improbidade administrativa com ponto especificamente nos agentes públicos, evidenciando sua aplicabilidade no ordenamento jurídico e apresentando apenas aqueles que utilizam de forma ilícita a máquina pública para atentar contra administração pública. A retroatividade da lei que não mais considera o fato criminoso é uma das causas de extinção da punibilidade, prevista no art. 107 do decreto 2.848, de 07/12/40.

De fato, o art. 107 do Decreto-lei 2.848 de 07/12/40 dispõe em seu inciso III que o Código Penal passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Extingue-se a punibilidade:

(...)

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

(...)”

Entende-se que se torna extinta a punibilidade pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso, pois a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Se a lei abolir do ordenamento penal lei incriminadora, o fato não é mais punível ainda que praticado quando existia condenação transitada em julgado.

Diante disso, as principais alterações promovidas pela lei 14.230/21 foram:

Art. 1º o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta lei.

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.      (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021);

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021);

Art. 2º Para os efeitos desta Lei consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei.

Diante disso, o art. 1º, § 4º, da nova lei deixa em evidência que "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador". Um destes princípios é o da retroatividade da lei mais benéfica, previsto no art. 5º, da Constituição Federal: "XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

Portanto, entende-se que os dispositivos da nova lei de improbidade que forem favoráveis aos acusados devem retroagir.

  1. BREVE SINTESE SOBRE A PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA

De acordo com o texto da nova Lei de Improbidade Administrativa em seu artigo 1°, § 4°, consignou-se que se aplicam ao sistema da improbidade disciplinado os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

Essa norma veio positivar o pensamento da doutrina majoritária e jurisprudencial quanto às garantias que devem ser afiançadas ao investigado ou processado na seara cível da improbidade administrativa.

Portanto, junto as alterações realizadas na Lei n° 8.429/92 surgem vários debates quanto aos diversos efeitos práticos desse dispositivo normativo, tendo como cerne a hipotética aplicabilidade incondicional do aludido no artigo 5°, LX, da Constituição Federal de 1.988 aos processos e inquéritos em curso, quiçá às condenações existentes.

Nesse diapasão, é possível apontar 3 questões principais intrinsicamente ligadas às alterações realizadas:

  • Viabilidade do trancamento imediato das investigações e ações judiciais em curso, concernentes aos atos de improbidade administrativa que foram derrogados, ou que tiveram sua redação alterada por elementos normativos acrescentados pela Lei n°14.230/2021, tornando “atípicos” os comportamentos até então vigentes na Lei n°8.429/92;

  • Possibilidade de revisão/rescisão das condenações judiciais ou anulação das decisões administrativas que tiveram como base tipificações revogadas, ou que tiveram sua redação alterada com elementos normativos acrescentados pela Lei n°14.230/2021, tornando “atípicos” os comportamentos até então vigentes na Lei n°8.429/92;

  • Incidência imediata dos novos prazos prescricionais, em especial da prescrição intercorrente.

  1. A RETROATIVIDADE ABSOLUTA

É comum o entendimento da aplicação retroativa absoluta das disposições mais benéficas aos acusados e condenados por prática de atos de improbidade administrativa, com o intuito de legitimar-se o trancamento das investigações e ações em andamento, expandindo até a revisão das decisões judiciais transitadas em julgado ou anulação das decisões administrativas, e a incidência imediata dos prazos prescricionais.

Esse entendimento conta com hipotética incidência irrestrita contida no art. 5°, LX, da Constituição Federal de 1988, contando ainda com amparo jurisprudencial do STJ quando se trata de incidência sobre os processos administrativos disciplinares.

Nesse sentido podemos citar:

“A norma administrativa mais benéfica, no que deixa de sancionar determinado comportamento, é dotada de eficácia retroativa. Precedente: REsp 1.153.083/MT, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 19/11/2014).” (STJ, REsp 1402893/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019).

– “Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais. Precedentes.” (STJ, RMS 37.031/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 20/02/2018).

Portanto, ao fazer-se uso de pensamento na esfera penal, entende-se que, não é possível a incidência da retroatividade de um trecho da lei nova e outro da lei antiga, sendo uma desfavorável e a outra mais favorável, assim procedendo, nascerá uma terceira lei a ser aplicada conforme as conveniências, o que é plenamente vedado pela doutrina e jurisprudência consolidadas. Se assim se procedesse, ao buscar na retroatividade um trecho de uma lei e um trecho de outra para beneficiar o acusado, estaria realizando uma confusão tremenda, sem saber qual lei seria a mais correta. A retroatividade da lei mais benéfica deve ser observada apenas no limite da lei anterior à que se encontra em vigor.

Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal (STF), fixou em regime de repercussão geral:

“II – Não é possível a conjugação de partes mais benéficas das referidas normas, para criar-se uma terceira lei, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da separação de Poderes.  III – O juiz, contudo, deverá, no caso concreto, avaliar qual das mencionadas leis é mais favorável ao réu e aplicá-la em sua integralidade.” (RE 600817, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014 RTJ VOL-00236-01 PP-00204).

Não obstante, levando-se em conta as normas constitucionais brasileiras e as alterações realizadas, necessário se faz uma interpretação pautada na vedação ao retrocesso no combate à corrupção, com fulcro na Convenção de Mérida, da qual o Brasil é signatário e que a ratificou pelo Decreto Federal n°5.687/20006.

  1. PRINCÍPIO DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR

O Direito Administrativo Sancionador tem adotado alguns princípios do Direito Penal, buscando nesse contexto, mais garantia ao cidadão, evitando de certa forma que o poder punitivo da Administração Pública possa conter abuso. De acordo com a teoria que protege a unidade do conceito de ilícito, partindo de uma visão interligada do Direito Público Sancionador, essa unidade dogmática entre Direito Penal e Direito Administrativo Sancionador se torna cada vez mais íntima, tendo como base de os dois serem oriundos de um só pilar comum de garantias.

O ministro Ricardo Lewandowski defende que as normas na seara do direito administrativo sancionador são equiparadas às normas penais, devido essa qualidade, que a lei mais benéfica deve retroagir para alcançar atos ocorridos antes de sua vigência, mesmo quando houver trânsito em julgado.

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Contribuindo com esse pensamento o ministro Gilmar Mendes diz que a semelhança entre os sistemas de persecução de ilícitos administrativos e criminais permite a retroatividade da lei. Segundo ele, a retroação da lei mais benéfica é direito do réu e não pode ser interpretado restritivamente.

Corroborando com a aplicação dos princípios do Direito Sancionador ao mecanismo da Lei de Improbidade, o STJ possui vários julgados consolidados, como é exemplo:

O objeto próprio da ação de improbidade é a aplicação de penalidades ao infrator, penalidades essas substancialmente semelhantes às das infrações penais. Ora, todos os sistemas punitivos estão sujeitos a princípios constitucionais semelhantes, e isso tem reflexos diretos no regime processual. É evidente, assim – a exemplo do que ocorre, no plano material, entre a Lei de Improbidade e o direito penal –, a atração, pela ação de improbidade, de princípios típicos do processo penal. (STJ, Primeira Turma, REsp nº 885.836/MG, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, j. 26.06.2007 – original sem grifos).

Quando se pondera a respeito principalmente da retroatividade da lei sancionadora benéfica, sendo uma legítima consequência da legalidade, percebe-se que há predominância na doutrina e na jurisprudência quanto ao seu reconhecimento como preceito intrínseco ao nexo de normas do Direito Sancionador.

Fábio Medina Osório disciplina que:

Não há dúvidas de que, na órbita penal, vige, em sua plenitude, o princípio da retroatividade da norma benéfica ou descriminalizante, em homenagem a garantias constitucionais expressas e a uma razoável e racional política jurídica de proteger valores socialmente relevantes, como a estabilidade institucional e a segurança jurídica das relações punitivas. Se esta é a política do Direito Penal, não haverá de ser outra a orientação do Direito Punitivo em geral, notadamente do Direito Administrativo Sancionador, dentro do devido processo legal. Se há uma mudança nos padrões valorativos da sociedade, nada mais razoável do que estender essa mudança ao passado, reconhecendo uma evolução do padrão axiológico, preservando-se, assim, o princípio constitucional da igualdade e os valores relacionados à justiça e à atualização das normas jurídicas que resguardam direitos fundamentais. O engessamento das normas defasadas e injustas não traria nenhuma vantagem social. A retroatividade decorre de um imperativo ético de atualização do Direito Punitivo, em face dos efeitos da isonomia. (OSÓRIO, Fábio Medina. 2020, p. 300).

O STJ defende que se deve reconhecer a retroatividade da lex mellius, de acordo com o exposto no seguinte julgado:

O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa40. “A norma administrativa mais benéfica, no que deixa de sancionar determinado comportamento, é dotada de eficácia retroativa” (STJ, Primeira Turma, REsp nº 1402893/MG, Relator Ministro Sérgio Kukina, j. 11.04.2019).

As sanções realizadas nas esferas penais e administrativas, tendo em vista suas semelhanças, submetem-se a regime jurídico análogo, com a incidência de princípios comuns que corroboram o Direito Público Sancionador, principalmente os direitos, garantias e princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988.

Destaca-se no texto constitucional o princípio da irretroatividade com previsão no art. 5º, XL, que dispõe: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. A despeito da esplanada referência à “lei penal”.

O princípio citado deve ser aplicado, igualmente, ao Direito Administrativo Sancionador, até no campo da improbidade administrativa. Desse modo, a norma sancionadora mais benéfica deve retroagir para beneficiar o réu na interpretação e aplicação dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa.

A retroatividade da norma mais benéfica no campo da improbidade administrativa é sustentada pelo art. 1º, § 4º, da Lei de Improbidade Administrativa, incluído pela Lei 14.230/2021, que normatiza a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador ao sistema da improbidade.

  1. NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: O QUE RETROAGE

A Lei nº 14.230, de 2021, na visão da doutrina majoritária, se for mais benéfica deve ser aplicada de forma retroativa, todavia, deve-se entender quais dispositivos teriam essa aplicação a fatos pretéritos.

Para que a nova norma atinja a retroatividade, é necessário que ela seja de direito material, uma vez que as normas processuais têm sua aplicação imediata, atingindo até mesmo os processos em andamento, mas geralmente não significam a desconstituição de atos processuais passados. Dessa forma, o término da etapa de defesa preliminar não se aplica a retroatividade, desconstituindo tal natureza de defesa já apresentada, se tratando de modificação simplesmente processual; não obstante, aplica-se, imediatamente, mesmo aos processos instaurados antes da promulgação da Lei nº 14.230, de 2021.

Entretanto, a nova norma não deve tratar apenas de direito material, mas também de sanção. Terão plena eficácia retroativa normas que definem os tipos de improbidade de forma restrita, que diminuem sanções, não abrangendo quaisquer regras sobre ressarcimento ao Erário, pois essa medida não possui natureza sancionadora, mas meramente de recomposição patrimonial do Estado; não sendo sanção, as regras novas, mesmo que para flexibilização do ressarcimento, não significam devolução de valores devolvidos aos cofres públicos. Ressalta-se que na seara penal, eventual abolitio criminis não desconstitui os efeitos extrapenais, tais como indenização, restituição...

Para que haja a aplicação da retroatividade, é necessário que a sanção não esteja terminada, isto é, executada por completo. Quando são exauridas, a retroatividade perde seu efeito, de forma que a condenação e execução da sanção completadas antes da entrada em vigor da Lei nº 14.230, de 2021, não podem gerar direito a nenhuma pretensão de indenização contra o Estado. Observe, entretanto, que o fato relevante não é o trânsito em julgado, onde, na punibilidade penal, não é nem nunca foi óbice à aplicação da novatio legis in mellius (cf. art. 2º, parágrafo único, do Código Penal), mas certamente o exaurimento da aplicabilidade da própria sanção. Contudo, se a sanção ainda está em vias de execução, há uma possibilidade da aplicação retroativa, sem pretensão de indenização contra o Erário.

Por fim, é necessário que a nova norma seja benéfica ao acusado. Dessa forma, as regras que criam tipos de improbidade não devem ser aplicadas a fatos pretéritos.

Diante disso, resta citar duas situações que devem promover uma legitima abolitio, gerando a absolvição.

A primeira está ligada à improbidade culposa, prevista no art. 10 (danos ao Erário), ora abolida. Aquele que eventualmente estava sendo processado com base nesse fundamento deve ser absolvido, caso haja trânsito em julgado, deverá ser desconstituída a coisa julgada.

A segunda situação diz respeito a quem foi condenado com fundamento na aplicação autônoma do caput do art. 11 da Lei passada, que agora deve ser absolvido (mediante decisão extintiva do processo com resolução de mérito, em qualquer grau no qual o processo se encontre), fora se o fato estiver previsto em um dos novos incisos do art. 11. A mesma situação alcança aquele que foi acusado ou condenado com fundamento nos incisos I e II do art. 11, revogados pela Lei nº 14.230, de 2021.

Nesse contexto, Fábio Medina Osório defende que:

(...) na nova redação dada ao artigo 11, as condutas possíveis de enquadramento típico agora são numerus clausus, não mais se tratando os incisos de meras exemplificações de condutas ímprobas definidas no caput, pois suprimida a conjunção aditiva “e” e substituído o termo “notadamente”, da anterior redação, por “caracterizada por uma das seguintes condutas”, o que significa não haver mais um somatório da definição do caput com os exemplos dos incisos. (...) Logo, não mais resta caracterizado como ato de improbidade administrativa a conduta de retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, anteriormente prevista no inciso II do artigo 11 da Lei 8.429/1992, além de limitarem-se às hipóteses expressas contidas nos incisos remanescentes, não subsistindo a incidência isolada do caput” (OSÓRIO, Fábio Medina. 01.11.2021).

Com o uso da abolitio nas formas culposas de improbidade do art. 10, de alguns dos incisos do art. 11 e da possibilidade de condenação com base exclusiva no caput do art. 11, todas essas situações devem ser aplicadas retroativamente, gerando a absolvição de eventuais acusados, exceto se já exaurida por completo a sanção, em virtude de seu cumprimento total.

Em caso de a ação de improbidade ainda estar em andamento, entende-se que deve ser realizada uma petição inominada visando requerer a extinção do processo com resolução do mérito e absolvição do acusado, em qualquer grau e perante qualquer juízo em que se encontre o feito. Caso já tenha havido o trânsito em julgado, deverá ser o pedido direcionado diretamente ao juízo de execução, aplicando por analogia a Súmula nº 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”. Como alternativa, poderá ser ajuizada ação rescisória, como fulcro violação a norma jurídica, nos moldes do art. 966, V, do CPC. Por fim, se já estiver esgotado o prazo da rescisória, entende-se ser o caso de ajuizamento de querela nullitatis.

Dessa forma:

A orientação poderá alcançar os casos já julgados, inclusive com a possibilidade de reversão das sanções aplicadas, a exemplo da perda de cargos ou da suspensão dos direitos políticos. A questão poderá ser ventilada por meio de embargos à execução ou de impugnação ao cumprimento de sentença, a depender da fase processual que o feito se encontre, por inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação (artigos 525, §1º, III, 535, III, e 917, I, todos do CPC), ou mediante ajuizamento de ação rescisória por violação da norma jurídica (artigo 966, V, do CPC), dentro do prazo decadencial de dois anos após o trânsito em julgado da decisão de mérito, em uma interpretação mais conservadora e estritamente processual.

Contudo, temos de ir além. Entendemos ser o caso de haver dispensa do ajuizamento da ação rescisória, bastando manifestação, com o contraditório do Ministério Público, com futura decisão. A regra mais benéfica deve ser aplicada e aqui prevalece até sobre a coisa julgado. Há realidade normativa mais benéfica que deve ser obrigatoriamente considerada, sob pena de violação aos postulados da proporcionalidade, razoabilidade e o da igualdade. (GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; LIMA, Diogo de Araújo; FAVRETO, Rogério. 18.10.2021).

Portanto, por ser uma questão de ordem pública, a abolitio deverá ser reconhecida de ofício pelo juízo, mesmo que não provocado, e se provocado por meio processual inadequado. Trata-se de uma questão de primazia do direito material sobre o direito processual.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob o entendimento da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal concernente ao tema e da posição remansosa da doutrina majoritária, constata-se que, em meio aos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, a que se refere o art. 1º, § 4º, da LIA (Lei de Improbidade administrativa), destaca-se o preceito da retroatividade da lei sancionadora benéfica ao réu (normatizado, na lei penal, no art. 5º, XL, da CF/88).

Os dispositivos da Lei nº 14.230, de 2021, devem ser aplicadas de forma retroativa, mesmo estando os processos em andamento e até mesmo os transitados em julgado, desde que: a) sejam relacionados aos aspectos materiais sancionadores; b) a alteração seja plenamente benéfica ao acusado; c) não esteja a sanção completamente exaurida.

Essa retroatividade pode ser feita em qualquer etapa do processo e em qualquer grau de jurisdição, devendo mesmo ser declarada de ofício pelo juízo, por se tratar de norma de ordem pública.

Entende-se, ainda, que os atos de improbidade administrativa dolosos praticados anteriormente à Lei n°14.230/2021 devem continuar sendo submetidos à norma vigente à época dos fatos, devendo as ações e investigações tramitarem regularmente, mesmo que diante da revogação e especialmente quando os ilícitos tiverem a respectiva correspondência penal, pois estar-se-á diante de um retrocesso na tutela da probidade administrativa, o que é vedado pela ordem jurídica nacional após a incorporação da Convenção de Mérida em 2006.

A falta de previsão expressa de retroatividade da Lei nº 14.230/2021; a permanência da valoração negativa e a necessidade cada vez mais premente de prevenção e punição da conduta ímproba; e a exigência de proteção integral e eficiente desse bem jurídico, decorrente da consagração de um regime jurídico-constitucional da probidade e honestidade administrativa impõe a aplicação da regra geral de direito intertemporal à prescrição intercorrente, no sentido de que a Lei é, em princípio irretroatividade, já que se aplica a partir dos fatos ocorridos no âmbito de sua vigência.

Mais que uma simples modificação da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, institui uma real reforma do sistema legal de repressão à improbidade do administrador público, com alteração de escopos e objeto, o que deve ser devidamente considerado em sua adequada interpretação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Senado Federal, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Parecer SF nº 14, de 2021, 29 de setembro de 2021, Relator Senador Weverton, p. 44. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9022430&ts=1635251854642&disposition=inline>. Acesso em: 09 maio. 2023.

DA OAB, I. SOBRE O. PAPEL. RETROATIVIDADE DA NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

DE OLIVEIRA COSTA, Rafael; BARBOSA44, Renato Kim. Nova Lei de Improbidade Administrativa: De Acordo com a Lei n. 14.230/2021. Digitaliza Conteudo, 2022.

GERHARD, Daniel Cardoso; CARDOSO, José Emmanuel Evangelista. A Retroatividade Benéfica da Lei 14.230/2021 no Direito Administrativo Sancionador The Benefical Retroactivity of Law 14.230/2021 in Sanctioning.

MENDONÇA, Stefanie. A nova lei de improbidade administrativa e sua retroatividade. 2022.

GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel; LIMA, Diogo de Araújo; FAVRETO, Rogério. O Direito Intertemporal e a Nova Lei de Improbidade Administrativa. In: Conjur, 18.10.2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-out-18/opiniao-direito-intertemporal-lei-improbidade>. Acesso em: 13 maio. 2023.

MENDONÇA, Stefanie. A nova lei de improbidade administrativa e sua retroatividade. 2022. Artigo cientifíco, FADERGS Centro universitário.

MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt; NÓBREGA, Guilherme Pupe da. Reforma da Lei de Improbidade Administrativa e Retroatividade. In: Conjur, 22.10.2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-out-22/improbidade-debate-reforma-lei-improbidade-administrativaretroatividade>. Acesso em: 10 maio. 2023.

OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 300.

OSÓRIO, Fábio Medina. Retroatividade da Nova Lei de Improbidade Administrativa. In: Migalhas, 01.11.2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/354112/retroatividade-da-nova-leide-improbidade-administrativa>. Acesso em: 13 maio. 2023.

PUCCETTI, Renata Fiori. A Perspectiva da Culpabilidade na Improbidade Administrativa. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta (org.). Lei Anticorrupção comentada. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum 2018, pp. 514-516. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm. acesso em: 07 de novembro de 2022.

STJ, Primeira Turma, REsp nº 1402893/MG, Relator Ministro Sérgio Kukina, j. 11.04.2019.

STJ, Primeira Turma, Agravo Interno (AgInt) no REsp nº 1602122/RS, Relatora Ministra Regina Helena Costa, j. 07.08.2018.

Sobre a autora
Ivanete Batista Dos Santos

Acadêmica de direito pelo Centro Universitário UNA – Aimorés.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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