A maculação do princípio da razoabilidade pelo "jeitinho brasileiro" na administração pública.

João Gabriel Alves Barros
João Gabriel Alves Barros
Anna Lívia Alves Ferreira
Cibely Maria Medeiros Lima
14/06/2023 às 11:54

Resumo:

RESUMO



  • O artigo aborda a influência cultural do "jeitinho brasileiro" na aplicação do princípio da razoabilidade no Direito Administrativo.

  • São expostos exemplos teóricos e práticos que demonstram como o "jeitinho brasileiro" contraria princípios da Administração Pública.

  • O princípio da razoabilidade é essencial para limitar a discricionariedade da Administração Pública e não deve ser usado para justificar atos de corrupção.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

O presente artigo aborda aspectos culturais da sociedade brasileira que influem diretamente na aplicação de princípios do Direito Administrativo, dando ênfase ao princípio da razoabilidade que por diversas vezes acaba por ter sua definição e praticabilidade subvertidas pelo “jeitinho brasileiro”, presente de forma contumaz nos valores e princípios do povo brasileiro de forma geral. Ao longo deste artigo, serão expostos exemplos práticos e teóricos advindos de observações e leituras de doutrinas, artigos e livros acerca do tema.

Palavras-chave: Princípio da razoabilidade; Princípios administrativos; Jeitinho brasileiro; Administração Pública.

  1. INTRODUÇÃO

O “jeitinho brasileiro” está enraizado na nossa cultura e seu respaldo moral é discutido há décadas. “Malandro é aquele que sabe o que quer / Malandro é o cara que tá com dinheiro / E não se compara com um Zé Mané” (DA SILVA, J. B. Malandro é Malandro e Mané é Mané. , 1999.) e “Eu só peço a Deus / Um pouco de malandragem / Pois sou criança / E não conheço a verdade” (ELLER, C. Malandragem. , 1994.) são trechos de canções conhecidas por grande parte da população brasileira, que retratam conceitos de “malandragem” e do “jeitinho brasileiro”, mostrando como isso se encontra arraigado na cultura do país.

Apesar da retratação lúdica nas músicas, muitas vezes esse termo se encontra associado a um ato de corrupção de menor grau, tratando-se de um aspecto consuetudinário que por diversas vezes contraria a própria lei. Nos primeiros semestres do curso de Direito é ensinado a classificação dos costumes, que podem ser: secundum legem (em conformidade com a lei), praeter legem (preenche as lacunas deixadas pela lei) e contra legem (contrariam a lei). Esses vícios de costume podem ser observados com mais ênfase quando observamos a aplicação do direito público, especificamente dentro das repartições públicas onde é muito comum a tentativa de obtenção de vantagens através da “camaradagem” e normalmente utilizando a justificativa de que o “sistema é muito burocrático” que, em tese, justificaria esses atalhos que contrariam totalmente diversos princípios que regem a administração pública.

Dentre vários princípios feridos com esse costume, é possível observar a quebra dos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e diversos outros que podem surgir a depender do caso concreto. Mas existe um princípio em específico que é utilizado, de forma equivocada para relativizar os demais (especialmente o da legalidade) e justificar atos que, não só contrariam a própria lei, mas acabam colocando o interesse público em segundo plano, indo de encontro totalmente com o conceito de “supremacia do interesse público”: o princípio da razoabilidade.

É preciso, antes de tudo, ponderar, conceituar e demonstrar a extrema importância desse princípio na administração pública, mas também é necessário diferenciar a sua aplicação da forma correta e sua utilização como argumento para justificar atos de corrupção dentro do sistema público. “Esses princípios [razoabilidade e proporcionalidade] não retratam privilégios da Administração, mas, ao contrário, servem para limitar seu campo de atuação, restringindo-lhe a discricionariedade.” (KNOPLOCK, G. M. Manual de Direito Administrativo 8° Edição. [s.l.] Elsevier Editora LTDA., 2014.), atendo-se ao princípio da razoabilidade, sua importância está em justamente diminuir o escopo de atuação da Administração Pública para que esta não acabe agindo de forma autocrática, bem como para evitar que a própria Administração Pública haja de forma aquém do necessário. Portanto, em nada se aplica o princípio da razoabilidade para que decisões ou procedimentos administrativos sejam afrouxados em prol de um particular, pelo contrário, sua utilização é para que se estabeleça um limiar de atuação e que este seja o mais justo possível, admitindo um enfoque mais zetético e menos dogmático que a aplicação pura da lei traria.

  1. METODOLOGIA

A metodologia usada para a produção desse artigo científico é o Método Dedutivo, que se utiliza de raciocínio lógico para chegar à conclusão sobre o tema proposto. A leitura para a formação do texto deu-se pela fonte primária, artigos e pelas fontes secundária, como doutrinas. A pesquisa tem finalidade exploratória, pois os pesquisadores têm interesse em saber como funciona o tema dentro da Administração Pública.

  1. DESENVOLVIMENTO

A primórdio, o conceito acerca do princípio da razoabilidade deve ficar claro para que compreendamos sua aplicação. “É um eficaz instrumento e apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso a reflexões prós e contras, a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso” (Jurista Paulo Benevides). Ou seja, trata-se de um meio de ponderação, para que os excessos não emaranhem o sistema. As normas que regem a Administração Pública são todas fundamentadas na Constituição Federativa, um comportamento tangente a Lei Maior torna-se inconstitucional.

A utilização desses princípios, como já mencionados, devem servir de parâmetro do campo de atuação dos agentes, para que a atuação seja justa e de acordo com o princípio da legalidade. Porém, as normas são muitas das vezes relaxadas em favor de terceiros, sem motivação legal. Existe nesse espaço de comportamento, uma autonomia ocasional em benefício de seus desejos. A partir desse imbróglio, surge o tão conhecido popularmente, o “jeitinho brasileiro”. Trata-se de uma expressão cultural que descreve uma pratica comum no Brasil. “Pode ser entendido como uma ação visando obter benefício próprio ou a resolução de um conflito prático” (Ferreira MC, Fischer R, Porto JB, Pilati R, & Milfont TL (2012). Unraveling the mystery of Brazilian jeitinho: A cultural exploration of social norms. Personality & Social Psychology Bulletin, 38) Esse comportamento, muita das vezes contorna regras protegidas.

Na Administração Pública o “jeitinho brasileiro” pode se manifestar de maneiras diversas. Por exemplo, pode envolver o uso de influências pessoais próximas que compõe o corpo administrativo, para agilizar processos, obter favores ou burlar procedimentos burocráticos, por meio e troca de favores e de outros comportamentos... Pode-se deduzir que, uma das razões para a existência do “jeitinho brasileiro” é a excessiva burocracia e a morosidade processual. Sabe-se que nosso sistema é lento devido as grandes demandas dos cidadãos, “dados referentes ao ano de 2015, o Poder Judiciário terminou o ano com quase 74 milhões de processos em tramitação, a serem analisados por 17.338 magistrados e outros 434.159 profissionais, divididos entre servidores e auxiliares.” (Relatório Justiça em Número, Conselho Nacional de Justiça, CNJ). A complexidade das normas e regulamentações muitas vezes torna difícil para os cidadãos lidarem com os trâmites legais de forma rápida e eficiente. Nesse contexto, o “jeitinho” muitas das vezes, pode parecer uma alternativa fácil e acessível.

No entanto é importante ressaltar que o jeitinho brasileiro na administração pública é uma prática bastante problemática. Ela favorece a desigualdade e a corrupção, uma vez que aqueles com mais influência ou com mais recursos têm mais facilidade em obter benefícios. As portas da corrupção ficam “escancaradas”. Se não cessada tal prática, esse ato contra legem, irá se perpetuar na sociedade. Além disso, o “jeitinho brasileiro” contribui para a perpetuação de uma cultura de improvisação, em que as regras podem ser contornadas em detrimento da ética e da transparência. Os cidadãos que possuem consciência de tal problemática devem esforçar-se para conservar a integridade da Administração Pública, a busca por um serviço integro e honesto deve requerer esforços de todos. É necessário fortalecer a efetivação e a fiscalização nos casos de corrupção.

  1. CONCLUSÃO

À face do que fora exibido ao longo do presente artigo, torna-se evidente a presença do jeitinho brasileiro na administração pública deste país, influenciando fortemente na maneira de agir como também na tomada de decisões. Demonstrando, portanto, a sua vertente negativa, em que muitas vezes se utiliza do favorecimento do interesse individual em detrimento do interesse coletivo.

            Em suma, é um tema bastante corriqueiro e aceito pela sociedade, visto por uma grande parcela, como uma vantagem atrelada aos brasileiros. Essa característica cultural dispõe de diversos mecanismos que fornecem brechas legais, viabilizando atalhos para benefícios pessoais, mesmo que implique em descumprimento das normas ou regras estabelecidas no ordenamento jurídico. Contribuindo para a perpetuação das desigualdades e a desconsideração às leis, utilizado por intermédio da influência para obter proveitos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

            Por sua vez, é crucial frisar que o princípio da razoabilidade é fruto do princípio da legalidade. Ele estabelece que a administração necessita levar em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, analisando os princípios constitucionais e também seus valores. Controlando, assim, a atividade para que ela não tome rumos demasiados. Sob esse viés, mesmo que os agentes detenham de discricionariedade, quando atos de natureza desproporcional são tomados, é preciso serem observados através do controle de legalidade, o que possibilita que tais decisões possam ser anuladas tanto pela administração quanto pelo Poder judiciário. Afirmando, a segurança jurídica e a transparência no que concerne ao Estado.

            Sendo assim, o jeitinho brasileiro não deve ser visto como uma solução para os problemas existentes na administração, sob a justificativa que muitos dos processos são extremamente burocráticos e demorados. Quando, na verdade, correspondem a “tentar tampar o sol com a peneira”; não resolvendo o problema efetivamente como deveria. Ademais, como já fora exposto no início do artigo, tal cultura entra em choque com os princípios basilares da administração pública. Tais quais: impessoalidade, legalidade, eficiência, e dentre outros.

            Ante o exibido, é inegável que o jeitinho brasileiro se apresenta sempre unido há lacunas ou quando são de difícil acesso às normas. Posto isto, para sanar a questão problema, deve ser explorado soluções que potencialize e harmonize a otimização dos processos; tornando descabido e inútil a utilização do chamado jeitinho brasileiro, tendo em vista que deve ser prezada a coletividade. Como medidas para a solução da problemática, podem ser através das seguintes questões: transparência no corpo da administração pública, forte fiscalização como forma de combate a corrupção (assegurando a efetividade e também a impessoalidade).

            Nota-se, portanto, que o jeitinho brasileiro não deve ser justificado com o princípio da razoabilidade, denotando a ele pouca importância na infração da regra estabelecida, caracterizando-se como uma vantagem em algo que não deveria deter. Destarte, a corrupção e tal cultura do jeitinho estão estritamente relacionadas, uma vez que em sua conjuntura apresentam alguns elementos em comum, portanto, não seguindo a linha das normas dispostas no ordenamento para a obtenção de vantagem. Logo, é inegável a influência que o jeitinho demanda sobre a sociedade, até mesmo diante dos nossos representantes, crescidos e enraizados sob a perspectiva da temática.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:
  1. REFERÊNCIAS

DA SILVA, J. B. Malandro é Malandro e Mané é Mané. , 1999.

ELLER, C. Malandragem. , 1994.

KNOPLOCK, G. M. Manual de Direito Administrativo 8° Edição. [s.l.] Elsevier Editora LTDA., 2014.

FERREIRA MC, FISCHER R, PORTO JB, PILATI R, & MILFONT TL (2012). Unraveling the mystery of Brazilian jeitinho: A cultural exploration of social norms. Personality & Social Psychology Bulletin, 38.

PISKE, O. Proporcionalidade e Razoabilidade: Critérios de Intelecção e Aplicação do DireitoTJDFT: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, [s.d.]. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2011/proporcionalidade-e-razoabilidade-criterios-de-inteleccao-e-aplicacao-do-direito-juiza-oriana-piske#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20razoabilidade%20imp%C3%B5e,e%20em%20uma%20determinada%20%C3%A9poca

AMBAR, J. Princípio da RazoabilidadeJusbrasil, [s.d.]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/principio-da-razoabilidade/515400908/amp

OLIVEIRA, V. S.; JI-PARANÁ, L. A Influência Do Jeitinho Brasileiro Na Corrupção Política Do Brasil. Âmbito Jurídico, 1 jul. 2020.

DE SOUZA, M. C. F.; FERREIRA, G. N. Análise do conceito de “jeitinho brasileiro” como mecanismo de proveito e suas desvantagens sociais. Revista Saberes Universitários, 6 set. 2016.

Sobre os autores
João Gabriel Alves Barros

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande.

Anna Lívia Alves Ferreira

Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande.

Cibely Maria Medeiros Lima

Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos