A coisa julgada

Resumo:


  • A coisa julgada traz segurança jurídica e estabilidade às relações jurídicas, imunizando a sentença de mérito de revisões futuras.

  • Os efeitos da coisa julgada são negativos (impedindo novo julgamento), positivos (vinculando a nova decisão com base em demandas fundamentadas) e preclusivos (considerando repelidos todos os argumentos que poderiam ter sido utilizados).

  • A coisa julgada pode ser formal (após todos os recursos) ou material (imutável e indiscutível), sendo que a material projeta-se para fora do processo, não podendo ser alterada por outro juiz.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A importância da coisa julgada para o sistema jurídico é trazer segurança jurídica e estabilidade às relações jurídicas. Com a coisa julgada coloca-se um ponto final na discussão e, se ela for de mérito, imuniza-se a sentença de forma que ela não pode ser discutida em qualquer outro momento pelo mesmo juiz ou por outro Juízo.

Então, a coisa julgada tem um grande valor para o sistema jurídico com assento constitucional prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, bem como na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro no artigo 6º, § 3º e no Código de Processo Civil no artigo 502, concretizando, assim, o direito fundamental à segurança jurídica.

A coisa julgada é instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos da sentença ou da decisão interlocutória de mérito, indefinidamente para o futuro. Com isso, pretende-se zelar pela segurança extrínseca das relações jurídicas, de certo modo em complementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é garantir a segurança intrínseca do processo, pois assegura a irreversibilidade das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente. Esta segurança extrínseca das relações jurídicas gerada pela coisa julgada material traduz-se na impossibilidade de que haja outra decisão sobre a mesma pretensão1.

A coisa julgada é o manto que recai sobre as sentenças de mérito. Trata-se de uma situação jurídica, uma autoridade e qualidade que imuniza determinadas decisões para que elas não possam mais ser revistas.

(...) no momento em que já não couber recurso algum institui-se entre as partes e em relação ao litígio que foi julgado, uma situação de absoluta firmeza quanto aos direitos e obrigações que os envolvem, ou que não os envolvem. Esse status, que transcende a vida do processo e das pessoas, consiste na rigorosa intangibilidade das situações jurídicas criadas ou declaradas, de modo que nada poderá ser feito por elas próprias, nem por outro juiz, nem pelo próprio legislador, que venha a contrariar o que foi decidido (Liebman): a garantia constitucional da coisa julgada consiste na imunização geral dos efeitos da sentença2.

OS EFEITOS DA COISA JULGADA

A coisa julgada projeta três efeitos da sentença ou da decisão interlocutória: negativo, positivo e preclusivo.

O efeito negativo significa que a coisa julgada impede que o mesmo juiz ou outro se pronuncie sobre a mesma questão em outra ação identifica (em um mesmo processo que possui as mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir). Há uma proibição do juiz decidir novamente em razão do efeito negativo e ele deve, exercendo seu poder-dever de abstenção, se omitir de julgar o mérito e extinguir a fase cognitiva proferindo sentença com base no artigo 485, inciso V do Código de Processo Civil.

Já o efeito positivo vincula em uma segunda ação fundamentada em uma coisa julgada o reconhecimento e o valor da coisa julgada. Aqui cabe um exemplo: a coisa julgada trazida por uma ação de reconhecimento de paternidade (primeira ação) está vinculada e é o fundamento de uma ação de alimentos (segunda ação) – então, o juiz, na ação de alimentos, está obrigado a reconhecer a coisa julgada trazida pela ação de reconhecimento de paternidade.

O efeito negativo da coisa julgada opera como exceptio rei iudicatae, ou seja, como defesa, para impedir o novo julgamento daquilo que já fora decidido na demanda anterior. O efeito positivo, ao contrário, corresponde à utilização da coisa julgada propriamente em seu conteúdo, tornando-o imperativo para o segundo julgamento. Enquanto a exceptio rei iudicatae é forma de defesa, a ser empregada pelo demandado, o efeito positivo da coisa julgada pode ser fundamento de uma segunda demanda3.

Verifica-se que no efeito negativo o juiz deve se abster de julgar ou se manifestar enquanto que no efeito positivo ele é obrigado a se manifestar em conformidade e reconhecimento com a coisa julgada material.

A coisa julgada projeta os efeitos da sentença ou da decisão interlocutória de mérito para o futuro, de maneira estável – esta é a sua função positiva – e impede o próprio Judiciário de se manifestar acerca daquilo que já foi decidido – esta é a função negativa da coisa julgada4.

Por fim, o efeito preclusivo está previsto no artigo 508 do Código de Processo Civil que prevê que transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido, isto é, tem-se como deduzidos todos os argumentos que foram trazidos ao processo e os que não foram, mas poderiam ter sido. Ou seja, acontece a eficácia preclusiva da sentença: mesmo que a parte não tenha argumentado determinada tese, considera-se repelidos todos os argumentos que a parte poderia ter usado, tanto em favor da sua tese quanto repelindo a tese da outra parte.

Com isso, quer-se dizer o seguinte: o princípio do “dedutível e do deduzido” significa que tudo o que as partes poderiam ter alegado (tudo o que seria dedutível), com objetivo de chegar ao que almejam (a procedência do pedido, para o autor; a improcedência do pedido, para o réu), se presume como tendo sido efetivamente alegado (deduzido), ainda que não o tenha sido5.

Conclui-se então que a coisa julgada projeta três efeitos: negativo (impedir novo julgado); positivo (vincular o novo juízo com base em demandas fundamentadas em coisa material); e o efeito preclusivo (consideram-se repelidos todos os argumentos que deveriam ter sido utilizados, mas não foram tanto pelo autor quanto pelo réu).

COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL

A doutrina civil classifica a coisa julgada sob duas espécies, sendo certo que a classificação acontece de acordo com a produção ou não de efeitos para além do processo judicial.

A coisa julgada formal acontece quando a sentença foi alvo de todos os recursos cabíveis ou porque foram usados os recursos previstos no ordenamento jurídico ou porque a parte perdeu o prazo, ou por optou por não impugnar a decisão e esta transitou em julgado. Trata-se de um fenômeno endoprocessual que acontece no âmbito do processo e que toda decisão a ela está sujeita.

Por outro lado, a coisa julgada material é a sentença de mérito sobre a qual recairá o manto da coisa julgada e, portanto, ficará imutável e indiscutível, conforme previsto no artigo 502 do CPC.

Entende-se, assim, que a coisa julgada material acontece somente quando há trânsito em julgado de uma decisão de mérito que possui projeção para fora do processo, de modo que a decisão fique imutável e indiscutível além do processo em que foi proferida, não podendo ser desconsiderada ou alterada por outro juiz em outro processo.

O Código de Processo Civil no artigo 502, ao conceituar a coisa julgada material diz que se trata de uma a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso. Portanto, verifica-se que a coisa julgada material é a qualidade de indiscutibilidade e imutabilidade que recai sobre um pedido. Observe-se que o artigo supracitado menciona “decisão de mérito”, o que significa que a coisa julgada não acontece somente sobre uma sentença podendo recair sobre qualquer ato do juiz que enfrente mérito da ação.

O fato de não ser mais sujeita a recurso significa dizer que a parte usou todos os remédios ou deixou de usá-los e, por isso, transitou em julgado; o trânsito em julgado é a coisa julgada formal e a coisa julgada material é o manto de proteção que recai sobre as tutelas de mérito previstas no artigo 487 do CPC.

A coisa julgada formal acontece em sentenças terminativas, extintivas e sentenças de mérito (artigos 485 e 487 do CPC). Já as sentenças do artigo 487 são as únicas que formam coisa julgada material.

A coisa julgada formal e a coisa julgada material são degraus do mesmo fenômeno. Proferida a sentença e preclusos os prazos para recursos, a sentença se torna imutável (primeiro degrau - coisa julgada formal); e, em consequência, se tornam imutáveis os seus efeitos (segundo degrau - coisa julgada material)6.

Assim, toda coisa julgada material formou coisa julgada formal – mas nem toda coisa julgada formal formou coisa julgada material.

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PRESSUPOSTOS DA COISA JULGADA

São três os pressupostos da coisa julgada: (1) a existência de decisão judicial, ou seja, a coisa julgada precisa sempre de uma decisão judicial, seja procedente ou improcedente; (2) o trânsito em julgado que significa que aquela decisão foi alvo de recursos até que se esgotasse o último ou decorreu o prazo para interposição do recurso sem que nada a parte recorresse; (3) profundidade da cognição do juiz, ou seja, para existir a formação da coisa julgada a cognição deve ser exauriente.

LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

O artigo 503 do Código de Processo civil trata dos limites objetivos da coisa julgada. Ele determina que a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito (ou seja, somente decisões com base no artigo 485) tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

Aqui, importante entender a diferença entre questão principal e questão incidental. A questão principal é aquela que vai para o comando da sentença, ou seja, o mérito em si, o pedido, o que foi pedido pelo autor na ação ou pelo réu na reconvenção. Já a questão incidental é aquela que não é objeto do pedido, mas sim um dos argumentos que o juiz vai ter que enfrentar para analisar o mérito, ou seja, são questões colocadas no processo, mas sobre a qual não há pedido.

Portanto, a regra é que faz coisa julgada somente a questão principal do processo.

Porém, o § 1º do artigo 503 prevê que faz também coisa julgada material a questão incidental se (I) dessa resolução depender o julgamento do mérito; (II) a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; (III) o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

Aqui cabível um exemplo: ação de alimentos com base na filiação em que há pedido de condenação para o réu pagar alimentos para o autor. Aqui, a paternidade é uma questão incidental sobre a qual não há pedido (só há pedido para condenação ao pagamento de alimentos), mas que é, ao mesmo tempo, uma questão incidental e prejudicial. Essa questão posta terá que ser decidida na fundamentação como pressuposto para que o Juiz possa conceder os alimentos, pois saber se o réu é pai é fundamental para a resolução da lide. A questão incidental (paternidade) é prejudicial ao julgamento do mérito e em relação a ela o Juiz tem competência em razão da matéria e da pessoa e aconteceu contraditório efetivo. Nesse caso, sobre a questão incidental pode recair o manto da coisa julgada material.

É certo que as regras previstas no artigo 503 evitam que uma questão trazida aos autos discutida pelas partes e analisada pelo juiz possa ser rediscutida e decidida de forma diferente em outra ação futura.

Ainda, o artigo 504 do Código de Processo Civil prevê as hipóteses em que não acontece a coisa julgada.

De acordo com o artigo, não faz coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença e a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. Mesmo que o juiz se manifeste expressamente sobre eles, reconhecendo os fatos como verdadeiros e os motivos como determinantes para o acolhimento ou rejeição da questão principal expressamente decidida não há coisa julgada.

Assim, não ficam acobertadas pela autoridade da coisa julgada, podendo ser objeto de discussão em outros processos, ainda que seja instaurado entre as mesmas partes, os motivos, considerados relevantes pelo juiz para a decisão, bem como a verdade dos fatos7.

LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

O limite subjetivo significa que a coisa julgada atinge somente às partes. O CPC no artigo 506 expõe que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Também, é certo que nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença (artigo 505) – por exemplo, na ação de alimentos com coisa julgada que pode ser modificada por ação revisional quando há mudança de fato ou de direito para a parte.

Isto se dá naquelas situações de julgamento rebus sic stantibus, como é típico do caso de alimentos. A sentença – nesse caso denominada determinativa -, baseando-se numa situação atual, tem sua eficácia projetada sobre o futuro. Como os fatos que motivaram o comando duradouro da sentença podem se alterar ou mesmo desaparecer, é claro que a eficácia do julgado não deverá perdurar imutável e intangível. Desaparecida a situação jurídica abrangida pela sentença, a própria sentença tem que desaparecer também. Não se trata, como se vê, de alterar a sentença anterior, mas de obter uma nova sentença para uma situação também nova8.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed., vol. III, São Paulo: Malheiros, 2004.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Didier Junior, Fredie; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeito da tutela. 10 ed. v. 2, Salvador: Ju Povim, 2015.

LIEBMAN. Sentença e Coisa Julgada, “in” Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. XL.

Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 819.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume 1, pg. 609-610.


  1. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 819.

  2. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed., vol. III, São Paulo: Malheiros, 2004. P. 301

  3. Didier Junior, Fredie; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeito da tutela. 10 ed. v. 2, Salvador: Ju Povim, 2015, pg 435.

  4. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 819.

  5. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 835.

  6. LIEBMAN. Sentença e Coisa Julgada, “in” Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. XL, págs. 107 e segs.

  7. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 826.

  8. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume 1, pg. 609-610.

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