Usucapião ou Inventário? Qual melhor solução para resolver o imóvel de herança da minha família, onde moro há tantos anos?

15/06/2023 às 11:58
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UM CASO RECORRENTE, muito comum inclusive, envolvendo patrimônio de família se dá com aquele imóvel de herança que acaba ficando na posse exclusiva de um dos herdeiros enquanto ninguém quer tratar do "caro" e "complexo" Inventário... a bem da verdade, não podemos tratar a "doença" da irregularidade de imóveis oriundos de herança não partilhada/regularizada com um "genérico" da Usucapião se na verdade o "remédio" para tal condição é o Inventário.

O INVENTÁRIO se destina a dar aos sucessores do "de cujus" - depois de abatidas eventuais dívidas deixadas pelo finado, nos termos do art. 1.997 do CCB - todos os bens e ativos restantes, observadas as disposições legais e principalmente a ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA aplicável à espécie (art. 2.041 do CCB). A USUCAPIÃO por sua vez é um fenômeno que uma vez configurada permitirá que a POSSE se converta em propriedade, inclusive com o condão de permitir que no Registro de Imóveis passe a constar como DONO quem outrora era mero posseiro/possuidor (para isso, no entanto, deverá ser reconhecida judicial ou extrajudicialmente). Haverá casos em que esses dois "remédios" poderão ser prescritos para a mesma hipótese mas para o sucesso desse "tratamento" se mostra importantíssimo conhecer algumas peculiaridades e principalmente precedentes dos Tribunais.

O fenômeno da SAISINE informa que com o falecimento do titular dos bens a POSSE se transmitirá automaticamente (mesmo quando se desconheça o falecimento ou a existência de bens) em favor dos herdeiros. A regra do art. 1.784 é clara:

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".

O mestre, Promotor aposentado e hoje Advogado, Dr. DIMAS MESSIAS DE CARVALHO (Direito das Sucessões - Inventário e Partilha. 2023) ensina com precisão cirúrgica:

"SAISINE, no direito sucessório, significa a posse imediata pelos herdeiros dos bens da herança no momento da morte de seu autor. Morto o titular, a posse é transmitida de imediato aos sucessores, de forma plena e ampla, ainda que ficta, conforme determina o art. 1.784 do Código Civil. (...) O herdeiro, mesmo não tendo a posse direta, assume a qualidade de possuidor, cuja consequência maior é a prerrogativa de recorrer aos interditos possessórios para defesa dos bens herdados, posto que a herança se defere como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros (art. 1.791, caput, do CC), remanescendo a posse direta com quem possui a coisa com legitimidade".

Em que pese o inegável estabelecimento da POSSE em favor dos herdeiros como dita o revisitado princípio da Saisine, situações ocorrerão onde a POSSE será exercida com EXCLUSIVIDADE e SEM QUALQUER OPOSIÇÃO por algum dos herdeiros. Nesse caso inclusive o Inventário pode não ter sido resolvido e sobre a situação poderá acabar repousando o véu da PRESCRIÇÃO AQUISITIVA permitindo, desde que preenchidos os requisitos legais, a conversão da POSSE em PROPRIEDADE em favor do herdeiro que estiver na posse do bem, em evidente detrimento dos demais - que perdem seu direito à herança. SIM - nessa hipótese - que não é tão rara, inclusive - poderá o herdeiro obter para si a propriedade do imóvel objeto de herança com exclusividade, tornando desnecessária a realização do Inventário para a regularização do bem em seu nome, como adverte com a mesma precisão lapidar o precedente do TJRJ da lavra da insígne Des. Renata Machado Cotta, amparado em precedente do STJ:

"TJRJ. 02428324720098190001. J. em: 13/09/2021. APELAÇÃO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM EXAME DE MÉRITO. BEM DE ACERVO HEREDITÁRIO. CONDOMÍNIO ENTRE OS HERDEIROS. POSSIBILIDADE DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS DA USUCAPIÃO. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE AGIR CONFIGURADOS. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. Sentença de extinção da ação de usucapião por se tratar de pedido de herdeiro sobre bem objeto da herança, devendo o pleito seguir pela regularização e prosseguimento do inventário judicial. Consoante o princípio de saisine, consagrado no art. 1.784 do Código Civil,"Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Outrossim, na forma do art. 1.791 do Código Civil, a herança é transmitida como um todo unitário aos herdeiros, regulando-se pelas regras de condomínio. Dessa forma, desde o falecimento, o acervo hereditário é transferido em condomínio para os herdeiros até sua divisão pela partilha dos bens em ação de inventário. O inventário, assim, é o procedimento principal de individualização dos bens da herança. NO ENTANTO, não há óbice legal para USUCAPIÃO DE BEM DO ESPÓLIO por herdeiro individual, desde que preenchidos os requisitos legais, de posse ininterrupta exclusiva (em detrimento de mera detenção por concordância dos demais herdeiros condôminos), mansa e pacífica, com intuito de animus domini, pelo prazo da prescrição aquisitiva. O herdeiro, como condômino, possui legitimidade e interesse de agir na ação de usucapião de bem objeto do acervo hereditário, a fim de extinguir o condomínio entre os herdeiros sobre a coisa e a possuir integralmente. Precedentes do STJ e deste TJERJ. Dessa forma, a ação de extinção por inadequação da via deve ser cassada. Todavia, ao contrário do que pretende o apelante, não há que se falar em aplicação do art. 1.013, § 3º, III, do NCPC, que prevê o julgamento do feito diretamente na instância recursal, sanando a omissão existente, porquanto a causa não se encontra madura. Com efeito, há de se averiguar requisito fático de posse mansa e pacífica sobre os bens pelo lapso temporal da prescrição aquisitiva. Provimento parcial do recurso".

Cabe por fim destacar que tanto a USUCAPIÃO quanto o INVENTÁRIO podem ser resolvidos sem processo judicial diretamente nos Cartórios Extrajudiciais com assistência obrigatória de Advogado. Essas duas ferramentas, desde que bem aplicadas ao caso concreto, podem fornecer solução rápida para a regularização de imóveis, inclusive oriundos de herança não resolvida. Consulte sempre um Advogado Especialista.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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