A Polícia Civil do Estado de Minas Gerais está em “frangalhos”.

22/06/2023 às 17:14
Leia nesta página:

O título desse artigo de opinião é, na verdade, uma fala dita pelo deputado estadual Sargento Rodrigues quando da reunião do Assembleia fiscaliza1 do 1º semestre de 2023 ocorrida no último dia 20/06/23, ocasião na qual fazia-se a “prestação de contas” da Polícia Civil de Minas Gerais por intermédio da Excelentíssima chefe da Polícia Civil a Dra. Letícia Baptista Gamboge Reis.

A fala chama bastante a atenção e causa impacto e nos obriga a questionar, ou no mínimo refletir: será mesmo que a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais está em “frangalhos”?

Antes de aprofundarmos nessa questão e tentar responder à indagação posta, precisamos partir do início e identificar o que é “estar em frangalhos”.

Pois bem, de acordo com o dicionário online dicio2 temos que “frangalhos” seria um “pedaço de pano velho”, ou um “farrapo” ou ainda um “trapo” e a expressão “está em frangalhos” teria o significado de “devastado emocionalmente; diz-se de quem está arrasado; completamente usado, deteriorado”. (sic).

Assim, aplicando esses significados à fala dita pelo deputado estadual Sargento Rodrigues podemos entender, salvo melhor juízo, que a sua intenção, portanto, era dizer que a Polícia Civil de Minas Gerais está completamente devastada, arrasada, usada, assim como um pedaço de pano velho que de tanto usarmos não serve nem mais para limparmos o chão da nossa casa.

Essa constatação do Excelentíssimo deputado estadual, acreditamos, decorre dos seus 7 (sete) mandatos no Parlamento mineiro e atuação por mais de 20 (vinte) anos à frente da Comissão de Segurança Pública da ALMG, tempo no qual certamente acompanhou como o Governo do Estado de Minas Gerais de 1998 a 2023 tem tratado a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.

Na reunião do Assembleia fiscaliza ficou esclarecido, por exemplo, que a Polícia Civil de MG conta com um efetivo de x, sendo 10617 (dez mil seiscentos e dezessete) das carreiras policiais e 1405 (um mil quatrocentos e cinco) das carreiras administrativas, contudo, o déficit da instituição, apenas no que se refere às carreiras policiais seria algo próximo a 6000 (seis mil) cargos vagos, o que foi ressaltado pelo deputado estadual Caporezzo na mesma reunião, ou seja, o déficit das carreiras policiais na Polícia Civil de MG é mais do que a metade dos cargos providos, circunstância que traz a inegável sobrecarga de trabalho aos servidores e causa efeitos deletérios para toda sociedade.

Numa conta “burra”, considerando que Minas Gerais possuí 853 (oitocentos e cinquenta e três) Municípios, o número de servidores da Polícia Civil integrantes das carreiras policiais seria o equivalente a lotar aproximadamente 12 (doze) servidores em cada um dos Municípios de Minas.

Outro tema apresentado na reunião do Assembleia fiscaliza foi o investimento de R$ 4 .000.000,00 (quatro milhões de reais) realizado pelo Governo de Minas Gerais, por meio de recursos direitos, na Polícia Civil, isso no 1º semestre deste ano de 2023.

Mas será que esse valor de investimento é muito ou pouco? Bom, apenas a título de comparação pesquisamos no portal de transparência os valores investidos pelo Governo do Estado nas instituições de Segurança Pública de Minas Gerais no ano de 2022 e o resultado é o seguinte:3

I – Polícia Civil – R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões);

II – Polícia Militar – R$ R$ 91.000.000,00 (noventa e um milhões);

III – Corpo de Bombeiros – R$ 137.000.000,00 (cento e trinta e sete milhões);

IV – Polícia Penal e Sistema Socioeducativo – R$ 7.000.000,00 (sete milhões).

Outro tema bastante importante tratado na reunião do Assembleia fiscaliza foi com relação as viaturas policiais existentes na Polícia Civil. São 4338 (quatro mil trezentos e trinta e oito) viaturas policiais, desse quantitativo cerca de 50% (cinquenta por cento), ou seja 2200 (duas mil e duzentas) aproximadamente, possuem mais de 10 (dez) anos de uso.

Por fim, e não menos importante, apresentou-se ações de reformas/manutenção de unidades policiais e atendimento psicológico de policiais, bastando uma rápida pesquisa na internet para entender a importância do tema, pois logo encontramos diversos casos de delegacias de polícia sem a mínima estrutura para funcionamento e outras tantas notícias de suicídio de policiais civis em decorrência de “transtornos trabalhistas”.

Olhando friamente para esses números não podemos dizer que o deputado Sargento Rodrigues tem razão na sua fala nem dizer que não tem, afinal, são números que não vão a fundo naquilo que realmente importa que é: como é o dia a dia do servidor da Polícia Civil de MG?

Para responder a essa indagação trago aqui a fala da deputada estadual Andréia de Jesus, realizada na mesma reunião do Assembleia fiscaliza, quando disse, em outras palavras, que tem um trabalho muito próximo às DEAM’s (delegacias especializadas de atendimento à mulher) e com relação à DEAM de Ribeirão das Neves disse que a delegada de polícia que lá se encontra lotada tem mais de 5000 (cinco) mil inquéritos sob sua responsabilidade e sequer possuí máquina de “xerox” para exercer as suas funções.

Tá ai, essa fala encontra ressonância com a fala do deputado estadual Sargento Rodrigues de que a Polícia Civil de MG “está em frangalhos”!

Infelizmente, é uma verdade de “sabença comezinha”, bastando pesquisar no google termos como “Polícia Civil abandonada”, “descaso com a Polícia Civil”, “Falta de efetivo da Polícia Civil”, “baixo salário de policiais civis” (etc), para constatarmos a assertividade na fala dita pelo deputado estadual Sargento Rodrigues na reunião do Assembleia fiscaliza no dia 20/06/23, e o pior, não é uma realidade exclusiva da Polícia Civil de Minas Gerais, mas, sim, uma triste realidade de vivenciada em diversos outros Estados deste País do faz de conta!

Porém, com os olhos voltados para Minas Gerais, realmente temos que concordar com o deputado estadual Sargento Rodrigues, a Polícia Civil está devastada, arrasada e deteriorada. Muito tem sido feito, porém, o abandono é histórico e muito ainda há que ser feito, e constantemente feito, repetidamente! São inúmeras delegacias de polícia e demais unidades sem condições mínimas de trabalhar, viaturas velhas, equipamentos sucateados, falta expressiva de efetivo policial, uma desumana sobrecarga de trabalho, que é potencializada pela falha na atividade de prevenção criminal e, também, por um uso abusivo do art. 16 do CPP e uma atuação deturpada baseada no inciso VII, do art. 129 da CF/88, e tudo isso acarreta na falta de estímulo e adoecimento dos servidores, levando ao incremento do número de afastamentos médicos e mortes.

Além dessas questões, temos que falar numa outra tão importante quanto, qual seja, o necessário reconhecimento, por parte do Estado, por meio de uma Política séria e constante de valorização profissional, pois, mesmo diante de todo esse caos institucional, a Polícia Civil de Minas Gerais continua entregando excelentes resultados por meio das suas atividades, ponto esse ressaltado na reunião do Assembleia fiscaliza pela chefe da Polícia Civil Dra. Letícia.

Um dos principais mecanismos de valorização profissional é o salário e nesse aspecto, mais uma vez, o Estado de Minas Gerais deixa a desejar, afinal, os servidores da Polícia Civil amargam uma defasagem salarial aproximada de 35% (trinta e cinco por cento) em seus salários, sem falar, claro, na nefasta política de “equiparação” salarial que vigora em Minas Gerais, por meio da qual os Policiais Civis se encontram equiparados, em termos salarias, a outras carreiras da Segurança Pública, embora as atribuições e complexidade dos serviços sejam completamente distintas, sem falar, claro, na grande possibilidade de retorno financeiro ao Estado decorrentes das apreensões de produtos e proveitos ilícitos do crime.

Com efeito, para ilustrar esse panorama, tomemos como exemplo as carreiras de soldados, cabos e sargentos do Corpo de Bombeiro Militar de Minas Gerais com as carreiras de investigador e escrivão da Polícia Civil de Minas Gerais as quais, embora possuem requisito de ingresso distinto, para as primeiras bastando ensino médio e as duas últimas com exigência de nível superior de ensino, possuem a mesma rubrica salarial, senão vejamos4:

Não bastasse essa desproporcionalidade “interna” a falta de valorização profissional para com os servidores da Polícia Civil de MG também se verifica quando comparamos os salários desses com os de Policiais e/ou “Seguranças” institucionais de outros órgãos do Estado de Minas Gerais, senão vejamos o que ocorre com o cargo de policial legislativo da ALMG (denominado técnico de apoio legislativo) cujo requisito de ingresso é o ensino médio5:

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Para ficar claro para o leitor: um policial civil em Minas Gerias, cargo de nível superior, tem o salário inicial de carreira de R$ 5.097,13 e final de carreira R$ 9.719,70; por sua vez, um praça do corpo de bombeiro militar de minas gerais, cargo de nível médio, tem como salário inicial R$ 5.097,11 e final R$ 9.914,39; por fim, um policial legislativo da ALMG, cujo cargo também é de nível médio, tem um salário inicial de R$ 5.514,87 e final de carreira de R$ 19.609,43, se permanecer com nível médio, ou de R$ 25.027,14 caso se gradue em nível superior ao longo da carreira.

Ora, se o Governo do Estado de MG pretende, em algum momento, rever a forma como tem tratado a Polícia Civil ao longo da história, e também seus servidores, além das demais de ordem estrutural, logística, equipamento e de pessoal, urge rever o tratamento salarial despendido com os policiais civis. Com efeito, a Constituição Federal veda a equiparação ou a vinculação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público (inciso XIII, do art. 37 da CF/88), sobretudo neste caso em que os requisitos de ingresso são distintos e, para piorar, uma delas, mesmo sendo destinada a pessoas que possuam apenas nível médio de ensino acabam recebendo um reconhecimento salarial maior e melhor em relação à carreira do policial civil.

Diante dos dados apresentados, é inegável a gravidade da situação da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. A expressão "estar em frangalhos" utilizada pelo deputado estadual Sargento Rodrigues reflete de maneira contundente o estado de devastação, exaustão e deterioração dessa instituição tão fundamental para a segurança pública. O abandono histórico da Polícia Civil de Minas Gerais é evidente, e os números apresentados durante a reunião do Assembleia fiscaliza corroboram essa realidade.

É imprescindível que o Estado reconheça a urgência de uma política séria e constante de valorização profissional, que englobe não apenas melhorias estruturais, mas também uma remuneração condizente com as atribuições e complexidade das funções desempenhadas pelos policiais civis. O atual quadro de defasagem salarial e a equiparação salarial equivocada em relação a outras carreiras da segurança pública são injustas e desmotivadoras para os profissionais que dedicam suas vidas à proteção da sociedade.

Portanto, é necessário um esforço conjunto para reverter essa situação. A sociedade precisa exigir investimentos adequados, valorização profissional e condições dignas de trabalho para a Polícia Civil. Somente assim será possível resgatar a credibilidade, a eficiência e a integridade dessa instituição tão vital para a Segurança no Estado de Minas Gerais.


  1. O vídeo da reunião pode ser acessado no endereço eletrônico https://www.almg.gov.br/atividade-parlamentar/comissoes/reuniao/?idCom=508&idTipo=5&dia=20&mes=06&ano=2023&hr=11:00 .

  2. Pesquisa disponível no endereço eletrônico https://www.dicio.com.br/frangalhos/ .

  3. Dados disponíveis no endereço eletrônico https://www.transparencia.mg.gov.br/despesa-estado/despesa . Os valores foram aproximados na tabela.

  4. Tabela salarial extraída do endereço eletrônico https://www.mg.gov.br/planejamento/pagina/gestao-de-pessoas/carreiras-e-remuneracao/tabelas-de-vencimento-basico .

  5. Tabela salarial extraída do endereço eletrônico https://mediaserver.almg.gov.br/acervo/662/213/1662213.pdf .

Sobre o autor
Gabriel Ciríaco Fonseca

Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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