Sabe-se que o direito brasileiro admite duas formas de jurisdição aptas a regular solução de conflitos, a estatal e arbitral. (1)
Tem-se, portanto, que pessoas capazes de contratar, poderão aderir a arbitragem para solução de impasses relativos a direitos patrimoniais disponíveis (2), materializada pela cláusula compromissória e o compromisso arbitral, retirando do Poder Judiciário tal missão.
Louvável a permissão ofertada pela Lei Processual Civil, da possibilidade de os jurisdicionados optarem pela seara privada, que automaticamente substitui a estatal.
Apenas é dado ao Poder Judiciário intervir nas sentenças arbitrais em hipóteses específicas, como as nulidades previstas nos incisos do artigo 32, da Lei 9.307/1996.
Do mesmo modo que a modalidade jurisdicional faz as vezes da estatal, na solução de determinado litígio, caso a existência de convenção de arbitragem não seja alegada em sede de contestação, sob pena de preclusão temporal, tem-se por aceita e prorrogada a jurisdição do estado.
Pois bem. Esse singelo ensaio tem a missão de discorrer acerca de três pontos de interseção entre as aludidas espécies de jurisdição, quais sejam: a possibilidade de conflito de competência entre o juiz de direito e o árbitro, o dever de revelação do árbitro comparado a suspeição do juiz e a necessidade da observância pelo juízo arbitral dos precedentes judiciais.
No que diz respeito ao primeiro assunto, tem-se por claro que a jurisdição arbitral é independente da estatal, ao passo que, caso haja convenção de arbitragem, materializada por cláusula compromissória ou compromisso arbitral, deverá essa ser respeitada.
Não por outra razão, dispõe o Código de Processo Civil que a preliminar de convenção de arbitragem deve ser alegada em contestação, sob pena de preclusão e prorrogação da jurisdição estatal, além de consignar que o juiz não poderá conhecer tal matéria de ofício.
Nota-se que o legislador privilegiou e preservou a competência da jurisdição arbitral, condicionando a sua alegação ao momento concentrado da defesa, a contestação, tendo como sanção à parte a prorrogação da competência estatal, em caso de omissão.
Entende-se, por serem ambas aceitas no ordenamento jurídico pátrio, haver a possibilidade de conflito de competência entre o juiz de direito e o árbitro.
O Superior Tribunal de Justiça, definindo a arbitragem como atividade reconhecidamente jurisdicional, afirma a sua própria competência, para eventual conflito de competência entre as jurisdições.
É o que restou decidido por aquela Corte Superior (3), consignando-se que as jurisdições estatal e arbitral não se excluem mutuamente, posto ostentarem autonomia absoluta, sendo totalmente plausível a sua coexistência harmônica.
No caso mencionado, tratava-se de conflito de competência entre juízo falimentar e juízo arbitral, em questões atinentes ao plano de soerguimento da empresa recuperanda.
Portanto, segundo a decisão alhures mencionada, e pela patente autonomia e independência entre o juiz e o árbitro, é plenamente possível que ocorra o conflito, positivo ou negativo, de competência ante as jurisdições estatal e arbitral, a ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça.
No que diz respeito ao segundo assunto, vislumbramos outro ponto de interseção entre a arbitragem e o judiciário, qual seja o dever de revelação e o impedimento.
Sabe-se que o impedimento do juiz consubstancia objeção de ordem pública, sendo franqueada a sua análise a qualquer tempo e grau de jurisdição, não sujeita a preclusão, a não ser que já tenha sido examinada nos autos.
Tamanha a seriedade do assunto, que decisão de mérito, proferida por juízo impedido é passível de rescisão por meio de ação rescisória. (4)
O Estado, ao retirar do cidadão a oportunidade de exercer a justiça privada, com o desforço pessoal, confiou-lhe a missão a um juiz, totalmente imparcial, como meio de materializar a justiça prestacional, afinal a imparcialidade surge como uma das mínimas garantias do devido processo legal. (5)
Ressalta-se, a mesma confiança que o jurisdicionado deve ter no juiz de direito, também deve ter no árbitro, razão pela qual há de ser estritamente observada, respectivamente, o impedimento e o dever de revelação.
Importante mencionar, o fato de que o impedimento se difere da suspeição, ao tempo que esta se dá por motivo de foro íntimo e pessoal, transitando por questões subjetivas.
Enquanto o impedimento não convalesce, a suspeição pode restar sanada e a decisão válida, caso não alegada pelas partes ou suscitada de ofício pelo magistrado.
Pois bem. Paralelamente, existe na arbitragem instituto deveras semelhante, o dever de revelação do árbitro.
A própria Lei de Arbitragem positiva que os árbitros deverão se submeter as mesmas exigências estabelecidas aos juízes de direito, ou seja, as hipóteses de suspeição e impedimento, pela sua natureza jurisdicional.
Esse fato aproxima e afirma certa semelhança entre os procedimentos, não podendo o procedimento arbitral atuar de maneira muito desconexa do jurisdicional, principalmente no que diz respeito ao julgador.
Vale ressaltar, o fato de que o procedimento arbitral possui natureza processual.
Existe interessante entendimento, no sentido de que a falha ou omissão do dever de revelação, o defeito dessa prerrogativa, atenta contra a soberania nacional, sendo matéria de ordem pública, em se tratando de procedimento de homologação de sentença estrangeira será possível a análise do mérito. (6)
O precedente acima referido, traduz interessante caso, no qual o Superior Tribunal de Justiça, adentrou no mérito de procedimento voltado a homologação de sentença arbitral estrangeira.
É cediço que tal procedimento jurisdicional não permite a análise do mérito das decisões homologadas, a não ser que trate-se de ofensa a questão ou matéria de ordem pública ou atinente a soberania nacional.
Destarte, pode-se concluir que o dever de revelação do árbitro constitui matéria de ordem pública, sendo possível a justiça brasileira adentrar ao mérito da questão para melhor deslinde da demanda.
Em síntese, como a garantia de imparcialidade do juiz ou árbitro resulta do princípio do devido processo legal, o seu descumprimento atenta contra a ordem pública nacional.
Assim, tanto o impedimento estatal como o arbitral, constituem matéria de ordem pública e materializam deveres do juiz e do árbitro, em idêntica medida, a fim de que se respeite a garantia da imparcialidade em ambas esferas jurisdicionais.
Já o terceiro e último assunto desse pequeno ensaio, diz respeito a vinculação do árbitro aos precedentes judiciais, ditos vinculantes, traduzindo-se na questão mais tormentosa do texto.
Primeiramente, importante esclarecer que os árbitros não encontram-se vinculados àqueles precedentes ditos persuasivos, ainda que proferidos pelas cortes superiores. Explico.
Sequer os juízes de direito possuem o dever de observância de precedentes persuasivos. Esses servem, muitas vezes, como uma orientação a ser seguida, mas isso traduz-se em uma faculdade do magistrado, levando em consideração a qualidade do precedente.
Em outros termos, o juiz utiliza o precedente persuasivo quando admira a fundamentação nele posta, como forma de reafirmar e fortificar a sua própria decisão.
Há, no Brasil, até mesmo controvérsia acerca da observância pelas instâncias ordinárias acerca dos precedentes obrigatórios. (7)
Diversas considerações foram sustentadas no acórdão acima referido (citação número 7), o qual aplicou entendimento diverso ao fixado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no que diz respeito à aplicação literal do Código de Processo Civil quando os honorários advocatícios revelarem valor muito elevado, dentre elas a própria dinâmica acerca da formação do precedente na sessão de julgamento, atentando-se para o placar apertado na sessão da Corte Especial.
Questão essa que traduz apenas um obter dictum do presente texto, já abordada em escrito precedente, chamando atenção para o sistema de precedentes adotado no Brasil, que, em minha opinião, jamais logrará o êxito esperado. (8)
Deve-se atentar para o verbo utilizado no caput do artigo 927, do Código de Processo Civil, no qual consta que os juízes observarão.
Mas ai surge a indagação, qual é a profundidade dessa observação? Observar significa necessariamente aplicar ou apenas observar como suporte e orientação?
Para responder a essas perguntas, seriam necessárias incontáveis linhas. Respeita-se a opinião defendida por aqueles que acreditam que os árbitros devam estrita obediência aos precedentes vinculantes e qualificados.
O árbitro, ao solver um conflito de interesses, jamais deve se descurar da realidade jurídica em que está inserido, e isso inclui a ciência do que o Poder Judiciário vem decidindo acerca de determinada matéria.
Porém, há de se deferir certa liberdade à jurisdição arbitral, posto que paralela e independente da estatal.
Importante dizer, ao Poder Judiciário só é dado intervir em casos pontuais, de nulidade da sentença arbitral, dentre os quais não encontra-se previsto a hipótese de desrespeito a precedente judicial vinculante.
O árbitro deve estrita observância a convenção de arbitragem, e, caso assim não o fosse, aquela espécie jurisdicional autônoma estaria diretamente subordinada ao que decide a jurisdição estatal.
Não se está aqui a debater acerca da possibilidade do árbitro observar e utilizar precedentes judicias em suas decisões, principalmente quando na modalidade arbitragem de direito, onde o árbitro pautará a sua atuação sob as regras do direito, mas jamais a sua observância compulsória a decisões judiciais, o que esvaziaria, sobremaneira, a escolha pelo procedimento.
Importante destacar, não se defende a existência de dois direitos convivendo em um mesmo espaço, posto que o árbitro jamais pode decidir contra o direito positivado, o que é um fato, mas não pode ser compelido a aplicação de decisões judiciais qualificadas nas suas decisões.
Desse modo, razoável concluir que o Poder Judiciário e a esfera arbitral privada detêm inúmeras semelhanças e pontos de contato, posto que concebidas e designadas para a pronta solução de conflitos no seio da sociedade, devendo servir o jurisdicionado, amparando-se sobre os mesmos princípios de direito, ao passo que a arbitragem não é dada a total ruptura e dissociação com os princípios gerais do direito, tampouco com a legislação ambiente em determinado meio jurídico.
Art. 3°, parágrafo 1°, do CPC
Art. 1° da Lei 9.307 de 1996
Conflito de competência nº 157.099 – RJ (STJ)
Art. 966, inciso II, do CPC
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RUI PORTANOVA, Princípios do Processo Civil, 7ª ed., Livraria do Advogado, p. 79
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo: Sentença estrangeira contestada n° 9412 - US
Apelação cível1.0000.22.035971-5/001 – TJMG
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