STF: legislação municipal de interesse e serviços locais x regras gerais de licitações e contratos

23/06/2023 às 11:13

Resumo:


  • A licitação é um processo obrigatório para contratações públicas, conforme a Constituição Federal, para garantir igualdade de condições aos concorrentes.

  • A União tem competência exclusiva para estabelecer normas gerais sobre licitação e contratação, mas os municípios podem legislar sobre assuntos de interesse local.

  • O STF reconheceu a constitucionalidade de uma lei municipal de São Paulo sobre diretrizes para contratos de parceria, enfatizando a competência municipal em regulamentar aspectos de licitação de interesse local.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A obrigatoriedade de licitação é regra prevista no inciso XXI, art. 37, da Constituição Federal de 1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. 

As normas gerais de licitações e contratos são matérias privativas da União, isso conforme o inciso XXVII, art. 22, da Constituição:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

Atualmente, estão vigentes dois regimes gerais de licitações e contratos: a Lei Federal nº 8.666/93 e a Lei Federal nº 14.133/2021.

A Constituição também estabelece as competências municipais para: legislar sobre assuntos de interesse local [art. 30, inciso I], organizar pessoal [art. 39, caput] e coordenar a prestação de serviços públicos de sua competência e interesse [art. 39, inciso V]:

Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;      (Vide ADPF 672)
[...]
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. 
[...]
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Diante desse cenário, das distribuições de competências oriundas da Constituição, existem debates e estudos que buscam delimitar qual seria o limite de atuação legislativa/regulamentar dos municípios quando envolvendo as licitações, especialmente quando se trata do regime mais recente de licitações e contratos, a Lei Federal nº 14.133/2021, que permite, e em alguns momentos até exige, que os entes/poderes/órgãos regulamentem aspectos de aplicação da norma geral de licitações à sua respectiva realidade/ rotina.

Recente posição do STF

E recente posição do STF analisando a Lei nº 17.731/2022[1] do Município de São Paulo, que: “Estabelece as diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria entre o Município de São Paulo e a iniciativa privada, e dá providências correlatas”, a Suprema Corte reforçou a competência municipal para regulamentar aspectos de licitação de interesse local, desde que não sejam contrários ou ultrapassem as previsões gerais.

No caso em questão, por se tratar de norma voltada ao gerenciamento de contratos de concessão e parcerias público-privadas, há uma conexão muito específica do interesse local e da organização administrativa do município em prestar determinados serviços, com as regras gerais de licitação e concessão.

Por isso, nos termos do que foi decidido nas Arguições por Descumprimento de Preceito Constitucional – ADPC: 971, 987 e 992[2], prevalecendo o voto do relator[3], Min. Gilmar Mendes, destacam-se:

A Lei Municipal nº 17.731/2022 “Estabelece as diretrizes gerais para a prorrogação e licitação dos contratos de parceria entre o Município de São Paulo e a iniciativa privada, e dá providências correlatas ” e ao estabelecê-las cuidou de regular os serviços públicos de competência apenas do município, regulamentando um interesse local, não invadindo, assim, a competência privativa da União de legislar sobre normas gerais de licitação e contratos prevista no art. 22, do texto constitucional.
A referida lei define os institutos de prorrogação contratual, prorrogação antecipada e relicitação, em seu art. 3º; as condições e as formas para a prorrogação dos contratos de parceria, nos arts. 4º, 5º, 6º e 7º, bem como dispõe sobre os conceitos e os requisitos para a relicitação do objeto nos contratos de parceria, nos seus artigos 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14 e 15.
Do texto constitucional depreende-se que é de competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratos. Entretanto, a Constituição, em seu artigo 30, incisos I e II, outorga aos municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual, desde que respeitados os princípios e preceitos das Constituições Federal e Estadual.
[...]
Nesse sentido, da leitura completa da Lei Municipal 17.731/2022, observa-se que não foram estabelecidas normas gerais sobre licitação e contratação, o que se verifica é apenas a disposição de mecanismos de gestão contratual relacionados à discricionariedade do administrador, ou seja, não há criação de novas figuras ou institutos de licitação ou contratação, de modo que a legislação municipal em momento algum adentra em temas de caráter geral.   
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Conceituando expressões específicas da decisão     

  Conceitua-se:

  • Relicitação é rescisão amigável e vantajosa de contrato administrativo, para que seja realizada nova licitação envolvendo o mesmo objeto, é expressão que tem ganho espaço e envolve especialmente contratos de concessão, há, inclusive, no âmbito da União, Lei Federal regulamento a ocorrência de relicitações em algumas espécies de concessão [Lei Federal nº 13.448/2017[4]].

  • Prorrogação Antecipada, como o nome sugere, é a antecipação da hipótese de alongar a vigência de contrato administrativo.

Valor geral de referida decisão aliada ao contexto de regulamentações da Nova Lei

Depreende-se da decisão destacada que, o lado operacional dos entes/poderes/órgãos deve ser levado em conta quando este regulamenta aspectos práticos e próprios. Embora se concentre em concessões, é possível emprestar, em analogia, parte do norte analisado para a realidade geral das licitações públicas.

No caso em questão, invocando a competência local para gerenciar contratos e compreender seus serviços, a lei foi reconhecida como constitucional, também por não conflitar ou inovar na ordem jurídica de licitações já fixada pela União.

Isso permite compreender que, desde que não haja conflito das regulamentações locais com as normas gerais, ou, ainda, desde que as normas locais não inovem de modo extravagante à regra geral, é competente o município para estabelecer o seu padrão de gestão contratual e a operacionalização de seus serviços, sempre se atentando aos limites gerais.

Atualmente, como já relatado, há enorme necessidade de os entes/órgãos/poderes se adequarem à Nova Lei de Licitações, regime detalhista, e que impõe, até mesmo de maneira silente, que sejam elaboradas regulamentações detalhando ainda mais, em âmbito local, as ações do processo licitatório e da fiscalização. Nessa atividade de regulamentação, é sempre importante ter em mente os limites e as competências que foram relatadas na decisão do STF, identificando quais são os aspectos operacionais necessários e possíveis, não avançando, de maneira geral, em pontos que já estão fixados pela Regra Geral de Licitações, se atendo a normatizar aspectos que viabilizem a aplicabilidade da regra geral.

Existem discussões envolvendo trechos da Lei Federal nº 14.133/2021, debates entorno do caráter geral ou específico da norma, todavia, os esclarecimentos para esses pontos se darão no curso da aplicação prática da lei, no enfrentamento interpretativo e prático de cada ponto controvertido.

Conclusão

Ante o exposto, conclui-se que a atividade legislativa ou de regulamentação dos municípios envolvendo licitações e contratos, pode envolver aspectos de interesse local, a competência municipal de organização administrativa ou de organização de serviços, e nem sempre o exercício dessas competências significará afronta ou colisão com as regras gerais de matérias privativas da União, como são as licitações e contratos. Existem matérias operacionais envolvendo determinadas regras gerais, que podem ser regulamentadas pelos municípios.

O recente posicionamento do STF, destacado, por envolver contrato de concessão e aspectos de licitação, gera reflexão sobre limites dos entes/poderes/órgãos na atividade de regulamentação envolvendo a Nova Lei de Licitações, e especialmente os limites de regulamentação/legislação de matéria que envolva prestação de serviço lo


[1] Disponível em: https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17731-de-6-de-janeiro-de-2022. Acesso no dia 9 de junho de 2023

[2] Disponíveis em:  https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=508312&ori=1. Acessado no dia 9 de junho de 2023.

[3] Disponível em: https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2023/06/5770986-1.pdf; Acessado no dia 9 de junho de 2023.

[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13448.htm . Acessado no dia 9 de junho de 2023.

vide:

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:

I - prorrogação contratual: alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, expressamente admitida no respectivo edital ou no instrumento contratual original, realizada a critério do órgão ou da entidade competente e de comum acordo com o contratado, em razão do término da vigência do ajuste;

II - prorrogação antecipada: alteração do prazo de vigência do contrato de parceria, quando expressamente admitida a prorrogação contratual no respectivo edital ou no instrumento contratual original, realizada a critério do órgão ou da entidade competente e de comum acordo com o contratado, produzindo efeitos antes do término da vigência do ajuste;

III - relicitação: procedimento que compreende a extinção amigável do contrato de parceria e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim.

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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