RESUMO (NBR 6028)
O objetivo geral da pesquisa é analisar, numa perspectiva psicossocial e jurídica, as consequências do assédio sexual em instituições de ensino para a vida da vítima. Os objetivos específicos são: examinar a importância do debate sobre o assédio sexual em âmbito estudantil; analisar os casos que contribuíram para a discussão do tema; observar os efeitos desencadeados nas instituições escolares pelos casos de assédio sexual e as providências adequadas a serem tomadas.
Além disso, serão examinadas as consequências da punição do acusado desse crime conforme a legislação brasileira e de outros países, bem como a efetividade de tal sanção.
O problema que orienta a pesquisa é: como os assediadores agem para constranger as vítimas e quais as consequências para a vida delas? O método de abordagem consiste na revisão bibliográfica e na análise de estudos anteriores sobre o assédio sexual. Assim, verifica-se que o assédio sexual tem um impacto muito maior do que o previsto pela norma penal, afetando tanto a vida pessoal quanto familiar das vítimas, gerando prejuízos incalculáveis.
Palavras-chave: Assédio sexual estudantil. Assédio em universidades. Combate.
ABSTRACT
The overall objective of the research is to analyze, from a psychosocial and legal perspective, what the consequences are for the victim's life due to sexual harassment in educational institutions. To this end, the research uses some specific objectives, such as: examining the importance of debate about sexual harassment in a student setting; analyzing cases that have contributed to the discussion of the subject which this research focuses on; observing what effects are triggered in educational institutions when instances of sexual harassment occur and what appropriate measures should be taken. The problem that guides the research is: what is the modus operandi of the harassers to consummate the embarrassment and what are the effects on the victim's life? The method of approach deals with a literature review combined with the analysis of past studies on sexual harassment. It is thus found that sexual
harassment goes far beyond the primary precept that the criminal norm brings, generating an effect that radiates both in the victim's life and in the family, causing incalculable damage
Keywords: Student sexual harassment. Harassment in universities. Combat.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com dados disponibilizados, constatou-se que 46,7% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de assédio sexual no ano de 2022. Aplicando-se a percentagem, estima-se que aproximadamente 30 milhões sofreram com a conduta supracitada (AGÊNCIA BRASIL, 2023).
O objetivo deste estudo é analisar a ocorrência desse fenômeno nas instituições de ensino, tendo como principais alvos as mulheres. Como o assédio é cometido por agentes com ascendência funcional, ou seja, que possuem uma relação hierárquica com as vítimas, estas muitas vezes temem denunciar os agressores, seja em órgãos de proteção ou na própria instituição de ensino. Esse medo se intensifica quando a vítima é beneficiária de algum programa social do governo, como bolsas estudantis, pois uma reprovação poderia comprometer toda a sua vida acadêmica.
Um dos principais motivos para que as mulheres assediadas deixem de procurar os meios legais e adequados para punir os agressores é a sensação de impunidade presente na sociedade, ainda mais nos crimes contra a dignidade sexual, com penas muito baixas para o devastador estrago que causam na vida delas. Segundo dados coletados em pesquisa feita pela consultoria de inovação social Think Eva, 78,4% das mulheres não denunciam os casos de assédio sofridos, principalmente por esse fator (BÚSSOLA, 2021).
Esta pesquisa busca, ainda, analisar as consequências do assédio sexual para as mulheres assediadas e como isso influencia em sua vida acadêmica, familiar e social. Segundo psicólogos e psiquiatras, elas podem desencadear “[…] sentimentos de tristeza, angústia, crises de choro de forma recorrente.” Porém, muitas vezes elas ficam em silêncio por medo ou vergonha do ocorrido (TINOCO, 2021).
Diante do aumento de casos existentes sobre o assunto, o Instituto Data Folha realizou um questionário com algumas mulheres, resultando, na análise dos dados, que 42% das brasileiras com 16 anos ou mais já declararam ter sido vítimas de assédio sexual, sendo mais comum o relato entre as que têm maior escolaridade (57%) do que as que estudaram até o ensino fundamental (26%). Entre as participantes da pesquisa, foram questionados os principais locais em que sofreram a conduta delituosa, constatando-se que 10% dos casos de assédio ocorreram dentro de unidades estudantis (INSTITUTO DATA FOLHA, 2018).
Os dados presentes no decorrer desta pesquisa são alarmantes e mostram a necessidade de o Estado combater tanto repressiva quanto preventivamente a ocorrência de assédio sexual no âmbito escolar, principalmente com a utilização de ferramentas ativas, como palestras educativas, entre outras.
Conclui-se que, além de exibir um conjunto de dados, a presente pesquisa visa, de maneira sistêmica, apresentar à sociedade as formas como o assédio sexual pode ocorrer, quais são os métodos e meios utilizados pelos assediadores, tornando-se, assim, mais fácil a identificação e prevenção de posteriores casos.
2 ASSÉDIO SEXUAL: QUESTÕES CONCEITUAIS
O assédio sexual é conceituado como todo aquele constrangimento, visando obter algum favorecimento sexual, em que o sujeito ativo (assediador) se vale de sua condição hierárquica para tal ato. Na maioria dos casos que surgem nos noticiários, ele é do sexo masculino, praticando o tipo penal incriminador contra mulheres (PAMPLONA, 2002).
Acrescenta-se, porém, que em termos de direito positivado, o âmbito de aplicação do delito de assédio sexual abrange tão somente as condutas praticadas no âmbito das relações trabalhistas, de acordo com uma parcela da doutrina, a exemplo de NUCCI (2023), haja vista que o diploma legal especificou em seu preceito primário a utilização da superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao emprego, cargo ou função.
Nas palavras do ilustre mestre NUCCI (2023, p. 801):
Não configura o delito, em nosso entendimento. O tipo penal foi bem claro ao estabelecer que o constrangimento necessita envolver superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Ora, o aluno não exerce emprego, cargo ou função na escola que frequenta, de modo que a relação entre professor e aluno, embora possa ser considerada de ascendência do primeiro no tocante ao segundo, não se trata de vínculo de trabalho.
Entretanto, o sentido de sua utilização será expandido neste trabalho, aplicando-se a jurisprudência e doutrina mais recente sobre o tema.
Quanto aos elementos caracterizadores do assédio sexual, há na doutrina uma confusão quanto à sua conceituação, visto que não há uma unanimidade tanto no direito interno quanto no direito comparado. No entanto, seguindo as anotações de Pamplona (2016, p. 06), podemos perceber certos elementos, quais sejam:
Um agente ativo, o qual é o assediador e um agente passivo, o assediado;
A conduta deverá ter uma natureza sexual;
O sujeito passivo deve rejeitar à conduta do agente assediador;
Deve a conduta de assediar ser feita de forma reiterada, persistente.
2.1 FORMAS DE ASSÉDIO SEXUAL
São diversas as formas como o assédio sexual pode ocorrer, não se limitando apenas às cantadas nos corredores das escolas ou faculdades, ou os xavecos na reunião da empresa. As classificações mais citadas atualmente e as adotadas pelo eminente doutrinador Pamplona (2016, p. 13) são:
Por chantagem (quid pro quo):
O termo quid pro quo em sua literalidade significa “isto por aquilo”, ou seja, essa é a forma mais comum dessa prática, inclusive estando prevista em nossa legislação no art. 216-A do Código Penal.
Nessa classificação, o assediador utiliza de sua condição hierárquica para chantagear a vítima a praticar algum comportamento de natureza sexual como forma de isentar a vítima de determinada punição, como a demissão ou suspensão quando considerado o âmbito laboral ou a reprovação ou uma nota baixa quando considerada a esfera de universidades ou escolas.
Por intimidação (ambiental):
Nesse caso, estariam inclusas as condutas que criam um ambiente educacional ou laboral hostil, ou humilhante. Nesta espécie a característica da hierarquia ou superioridade seria irrelevante, sendo possível a prática por dois companheiros de mesma hierarquia (PAMPLONA, 2016, p. 14).
Essas condutas abrangem as diversas formas de comentários sexistas, piadas com conotação sexual ou então desmerecedoras de alguma característica física da vítima como pernas, seios, etc.
Nos últimos anos, o presente tema tem se intensificado, principalmente nas redes sociais, com a divulgação em massa de hashtags denunciando os casos de assédio em ambientes estudantis. De acordo com um levantamento divulgado, no ano de 2017, entre os assuntos mais comentados em toda a internet – a qual conecta cerca de 4,1 bilhões de pessoas, segundo a União Internacional de Telecomunicações (UIT) – estava o assédio sexual ocupando a 26° posição. Além disso, analisando as postagens dos últimos três anos, esse estudo chegou à conclusão de que houve um aumento de 324% de menções sobre o assunto (VARELLA, 2018).
Ademais, o tema mostra-se ainda mais preocupante quando notamos que a cada ano a quantidade de mulheres aumenta em instituições de ensino e consequentemente o número de casos de assédio sexual segue esse crescimento.
Segundo o INEP (2017), as mulheres representaram cerca de 55% dos ingressantes nos espaços acadêmicos – escolas e universidades – em 2017, superando a quantidade de homens, que foi de 45%. Esses dados mostram a massiva presença feminina nesses espaços sociais.
Figura 1 - Estatística de mulheres em unidades de ensino

Fonte: INEP (2018)
O assédio sexual nas instituições de ensino é um problema grave que afeta principalmente as mulheres, que têm aumentado sua presença no espaço estudantil. Segundo o Código Penal, assédio sexual é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (BRASIL, 1940).
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Avon em 2015 revelou que cerca de 56% das alunas dos cursos de graduação e pós-graduação afirmam já ter sofrido assédio de professores e estudantes (INSTITUTO AVON, 2015). Esse dado mostra a urgência de se discutir e combater essa violência no âmbito acadêmico.
Assim sendo, os dados apresentados na supracitada pesquisa não são apenas meros elementos estatísticos, mas revelam algo, além disso, ou seja, que ainda vivemos em uma sociedade na qual a mulher é enxergada como um objeto sexual, criado para satisfazer os desejos do homem, remontando aos pensamentos do patriarcado, o qual pregava o poder pátrio sobre a estrutura familiar, tendo atualmente ocorrido uma expansão deste conceito não apenas no ambiente familiar, mas em todas as relações em que o homem tenta, de alguma forma, elevar-se à posição de superior por consequência de seu sexo, colocando a mulher em condição de um simples corpo para a satisfação da lascívia, pensamento este que deve ser combatido pela população e organizações em conjunto com o Estado.
A dignidade da pessoa humana é um valor essencial e com alta carga valorativa em nosso ordenamento, principalmente na Constituição Federal, o principal diploma normativo de nosso país. Uma das facetas dessa dignidade é a dignidade sexual, que protege a liberdade e a integridade sexual das pessoas. Portanto, os delitos que atentam contra a dignidade sexual violam também a dignidade da pessoa humana.
3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O conceito de dignidade humana é histórico, pois se transformou com o passar dos anos, passando por diversas fases e contextos. Um dos marcos dessa transformação foi a Segunda Guerra Mundial, que gerou uma reação global em defesa dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, ratificada em 1948, foi um dos primeiros instrumentos para confirmar os direitos do homem, notadamente quando se trata de dignidade, presente em seu artigo 1° que todas as pessoas nascem livres e iguais.
No entanto, as origens do conceito de dignidade humana remontam à antiguidade clássica, quando a mentalidade dos cidadãos foi influenciada pelo pensamento cristão. Nesse sentido, Ingo Sarlet, um jurista e professor brasileiro, afirma que o pensamento cristão foi um dos grandes responsáveis pelo reconhecimento da dignidade (SARLET, 2003). Outro aspecto dos pensamentos políticos e filosóficos da antiguidade era a valorização da dignidade humana de acordo com o cargo ocupado pela pessoa. Assim, quem exercia funções mais elevadas nas organizações da época tinha mais dignidade do que quem desempenhava atividades mais desvalorizadas.
A dignidade da pessoa humana é violada quando o Estado reduz o indivíduo a uma condição inferior, como ocorreu nos campos de concentração na Alemanha Nazista. Lá, judeus, negros, homossexuais, mulheres e crianças foram exterminados e submetidos às mais diversas torturas e tratamentos degradantes. Essa violação não acontece somente por ação do Estado, mas também por outros agentes que atentam contra a liberdade e a integridade sexual das pessoas.
A dignidade sexual é um aspecto da dignidade da pessoa humana, que se desdobra em vários aspectos, como a liberdade sexual. Essa dignidade protege a liberdade sexual das pessoas, o seu direito de se autodeterminar e de rejeitar qualquer agressão ou restrição injusta à sua sexualidade. O nosso ordenamento jurídico tem como princípio supremo a dignidade da pessoa humana e tutela a dignidade sexual por meio de normas penais e sanções adequadas à nova realidade.
4 ASSÉDIO SEXUAL NO CONTEXTO ESCOLAR E A SUPERIORIDADE HIERÁRQUICA ENTRE PROFESSOR E ALUNO
O ambiente educacional é um dos mais importantes locais de convivência e interação entre as pessoas. É neste que passamos uma grande parte de nossa vida e nos relacionamos entre pessoas, mantendo relações de afeto, amizade e, também, aprendizado.
É nesse ambiente escolar que aprendemos a distinguir entre o que é certo e o que é errado, entre o que é moral e o imoral, entre o justo e o injusto etc. Dessa forma, quando há a prática de condutas que degradem a dignidade sexual dos estudantes, muito mais do que um dano momentâneo está sendo causado. Esse estrago acompanhará o discente, provavelmente, por toda a sua vida.
Dessa forma, o local que deveria servir para acolher, algumas vezes serve para afastar indivíduos, notadamente quando tratamos sobre assédio sexual, prática abusiva, conduta que degrada indivíduos, causando prejuízos incalculáveis para a saúde física e mental.
Essa prática pode manifestar-se em diversas situações: no trabalho, diante de uma cantada com sentido apelativo do seu chefe, através de uma piada maliciosa de um professor – aqui tomado no sentido mais amplo – em desfavor ao aluno ou até mesmo da ameaça de reprovação em caso de recusa.
No âmbito escolar, o assédio sexual mostra-se ainda mais velado, visto que nem sempre o assediador, sujeito ativo da relação, deixa visível a sua intenção de utilizar-se de sua superioridade hierárquica para favorecer-se ou obter alguma vantagem sexual.
Piadas, propostas veladas, brincadeiras aparentemente inocentes aos olhos de terceiros, todos esses aspectos mostram-se como faíscas para que o assediador chegue ao seu intento, o constrangimento da vítima.
No entanto, mesmo após os dados divulgados pelo Instituto Avon, os quais foram apresentados no início deste trabalho, a discussão sobre o assunto ainda se mostra escassa em salas de aulas, o que acaba por reduzir as denúncias de assédio, pois nem todos sabem o que o caracteriza. Dessa forma, não é de se estranhar que os casos de assédio sexual ainda continuem sendo tratados como fofocas de corredores e jardins de escolas e universidades.
Além disso, a doutrina, há tempos, discute se há, na relação aluno-professor, uma condição intrínseca de superioridade, haja vista que o próprio Código Penal, em seu artigo 216-A, dispõe de maneira expressa tal condição para que possa caracterizar tal delito.
De acordo com renomados autores, a relação entre ambos – professor a aluno – possui um sentido vertical, sendo aquele uma autoridade dentro do âmbito estudantil, tendo poder decisório, de organização, entre outros (MIZUKAMI, p. 99, 1986)
Entretanto, alguns doutrinadores são relutantes quanto à existência da hipótese de superioridade hierárquica na relação aluno-professor, à exemplo de NUCCI (2023), o qual afirma que as características de superioridade hierárquica e ascendência estão presentes tão somente no exercício de cargo, emprego e função.
No entanto, o mesmo autor acrescenta que, quanto à superioridade hierárquica, esta estaria presente nas relações laborais públicas, enquanto a ascendência seria característica das relações laborais privadas. Sendo assim, não poderia ser aplicado o art. 216-A do Código Penal nos casos de assédio entre aluno e professor, por ausência de vínculo trabalhista (NUCCI, p. 702, 2017)
No mesmo sentido do exposto acima, o Tribunal de Justiça de Goiânia, por meio do Desembargador Leandro Crispim, entendeu que não há configuração de assédio sexual na relação aluno-professor, haja vista a ausência de condição especial descrita no tipo penal, ou seja, relação hierárquica ou ascendência, restando excluída a aplicação do crime de assédio sexual, podendo recair, de acordo com o jurista, em outra tipificação penal, como importunação ofensiva ao pudor3.
Divergindo do que foi exposto pelo relator Leandro Crispim no parágrafo acima, o Ministro Rogério Schietti Cruz aponta novos argumentos para que haja a configuração do crime de assédio sexual na relação professor-aluno, decisão esta que citamos na íntegra, devido a sua grande importância para o entendimento do porquê tal relação deve ser acatada em nosso Tribunais brasileiros:
[...] Entendo que nenhuma outra profissão suscita tamanha reverência e vulnerabilidade quanto a que envolve a relação aluno-mestre, que alcança, por vezes, autoridade paternal. [...] O vínculo de confiança e admiração criado entre professor e aluno implica inegável superioridade, capaz de alterar o ânimo da pessoa perseguida. Releva-se patente a aludida “ascendência”, em virtude da “função” – outro elemento normativo do tipo –, dada a atribuição que tem o cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação.
Reforçando ainda mais a tese que de há essa relação de superioridade entre aluno e professor, a 6° Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu, por maioria, que há a possibilidade de aplicação do art. 216-A do Código Penal aos casos de assédio que envolvam aluno e professor.
Sendo assim, o STJ, confirmou o entendimento exposto acima, caracterizando-se assédio sexual caso professor utilize-se da função para obter vantagem ou favorecimento sexual. De acordo com as palavras do relator Ministro Sebastião Reis Júnior (2019):
O professor está presente na vida de crianças, jovens e também adultos durante considerável quantidade de tempo, torna-se exemplo de conduta e os guia para a formação cidadã e profissional, motivo pelo qual a "ascendência" constante do tipo penal do art. 216-A do Código Penal não pode se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Assim, releva-se patente a aludida "ascendência", em virtude da "função" – outro elemento normativo do tipo –, dada a atribuição que tem o cátedra de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação que gera no estudante o receio da reprovação4.
4.1 DIREITO, PSICOLOGIA E AS CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO SEXUAL
É certo que os crimes afetam as pessoas de diversas formas. Quando você tem seu celular furtado, apesar do dano e redução em seu patrimônio, há uma certa facilidade em haver a respectiva recuperação, através da compra de um novo aparelho ou a recuperação do antigo.
No entanto, quando falamos a respeito de determinados crimes, a forma de recuperação pode se tornar difícil, ainda mais quando se trata de crimes contra a dignidade sexual.
O assédio sexual, crime inserido entre aqueles contra a dignidade sexual, além da violência em sua intimidade, sofrida pela vítima, as consequências vão muito além, cominando em situações de abalo emocional, depressão, ataques de pânico, etc.
Em pesquisa divulgada pela JAMA Internacional Medicine, diversas mulheres inscreveram-se para uma pesquisa sobre as consequências da menopausa. Entre as mulheres analisadas, 19% sofreram algum tipo de assédio sexual e, como resultado, constataram que as mulheres que passaram por essa situação são mais propensas a terem problemas de depressão, falta de sono, ansiedade e hipertensão.
Conclui-se, assim, que o combate ao assédio sexual, além de amparar as vítimas de forma preventiva e repressiva, ajudando o próprio Estado em suas políticas públicas, reduzindo os gastos públicos com tratamentos de saúde e tratamentos psicológicos.
4.2 A PUNIÇÃO DO ASSÉDIO SEXUAL E A SUA EFICIÊNCIA
O assédio sexual é uma forma de violência que atenta contra os direitos humanos das vítimas, causando-lhes danos físicos, psicológicos e sociais. No Brasil, esse crime é tipificado no artigo 216-A do Código Penal, mas a pena prevista é muito branda e desproporcional à gravidade do fato. Aqui, pretende-se demonstrar que a legislação brasileira sobre o assédio sexual é insuficiente e ineficaz, e que é necessário reformá-la para garantir uma maior proteção às vítimas e uma maior repressão aos agressores.
Um dos argumentos que sustentam essa tese é que o crime de assédio sexual é considerado de menor potencial ofensivo, conforme a Lei n° 9.099, que trata dos juizados especiais cíveis e criminais. Essa lei estabelece que são crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima não exceda 2 (dois) anos, com ou sem multa. Ocorre que muitos casos de assédio se enquadram nessa categoria, o que implica em uma série de benefícios para o acusado, tais como: a aplicação de institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão condicional do processo; a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, como prestação de serviços à comunidade ou pagamento de cestas básicas; e o processo e julgamento seguindo o rito sumariíssimo, que é mais célere e simplificado. Essas medidas podem gerar um sentimento de impunidade e desestímulo à denúncia por parte das vítimas, que se sentem desamparadas e desrespeitadas pelo sistema de justiça.
Outro argumento que reforça essa tese é que a pena prevista para o crime de assédio sexual é muito baixa e pode ser reduzida ou substituída por medidas alternativas. O artigo 216-A do Código Penal prevê uma pena de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção para quem constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Essa pena é claramente insuficiente para reprimir e prevenir essa conduta, que causa danos irreparáveis à saúde física e mental das pessoas assediadas.
Além disso, essa pena pode ser diminuída de um sexto a um terço se o agente for primário e tiver bons antecedentes, ou pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos ou multa, se for igual ou inferior a um ano. Essas possibilidades podem favorecer a reincidência e a banalização do crime, que muitas vezes é praticado em ambientes de trabalho ou escolares, onde há uma relação hierárquica ou de confiança entre o agressor e a vítima.
Diante do exposto, conclui-se que a legislação brasileira sobre o assédio sexual é inadequada e ineficiente para coibir e punir esse crime, que fere a dignidade humana, sexual e profissional das vítimas. Sendo assim, faz-se necessário uma urgente reformulação do Código Penal, de forma a aumentar a pena mínima e máxima para esse delito, bem como excluí-lo da categoria dos crimes de menor potencial ofensivo. Além disso, é preciso criar mecanismos de proteção e assistência às vítimas, como serviços especializados de acolhimento, orientação jurídica e psicológica, e medidas cautelares de afastamento ou suspensão do agressor. Somente assim, será possível garantir uma maior efetividade do direito penal na prevenção e repressão do assédio sexual, bem como uma maior justiça e respeito às vítimas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O assédio sexual é uma forma de violência que atinge a dignidade, a liberdade e a integridade das vítimas, causando-lhes danos físicos, psicológicos e sociais. Esse fenômeno pode ocorrer em diversos contextos, mas um deles merece especial atenção: a relação entre professor e aluno nas instituições de ensino. Neste trabalho, houve a análise dessa problemática sob a perspectiva jurídica, verificando como a legislação brasileira trata esse tipo de crime e como os tribunais têm se posicionado sobre o assunto. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, baseada em livros, artigos e jurisprudências sobre o tema.
Um dos aspectos abordados na pesquisa foi a caracterização do crime de assédio sexual previsto no artigo 216-A do Código Penal, que consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Nesse sentido, discutiu-se se há ou não uma relação de hierarquia ou ascendência entre o professor e o aluno, que possa configurar o crime em questão. A partir da análise da doutrina e da jurisprudência, constatou-se que há divergências sobre esse ponto, sendo que alguns autores e tribunais entendem que sim, enquanto outros negam essa possibilidade.
Outro aspecto abordado na pesquisa foi a pena prevista para o crime de assédio sexual, que é de 1 (um) a 2 (dois) anos de detenção. Nesse sentido, questionou-se se essa pena é adequada e proporcional à gravidade do fato, especialmente quando praticado no âmbito educacional. A partir da análise da doutrina e da jurisprudência, verificou-se que há críticas sobre essa pena, sendo que alguns autores e tribunais defendem o seu aumento ou a sua substituição por outras medidas mais eficazes.
Diante do exposto, conclui-se que a legislação brasileira sobre o assédio sexual entre professor e aluno é insuficiente e ineficaz para coibir e punir esse crime, que fere os direitos humanos das vítimas e compromete o processo educacional. Sendo assim, sugere-se uma reforma legislativa que amplie o conceito de hierarquia ou ascendência para abranger essa relação, bem como que estabeleça uma pena mais severa e dissuasória para esse delito. Além disso, recomenda-se a criação de mecanismos de prevenção e proteção às vítimas nas instituições de ensino, como campanhas educativas, canais de denúncia e atendimento psicossocial.
Por fim, espera-se que este estudo possa contribuir para o debate acadêmico sobre o tema, bem como para a conscientização social sobre a gravidade do assédio sexual entre professor e aluno. No entanto, reconhece-se que há limitações na pesquisa realizada, como a escassez de fontes bibliográficas específicas sobre o assunto e a diversidade de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Portanto, sugere-se que sejam realizadas novas pesquisas sobre esse fenômeno, abordando-o sob outras perspectivas teóricas ou metodológicas.
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