Tutela de contratos com objeto lazer - desconexão - práticas abusivas - turismo, restaurantes, casas noturnas, vendas emocionais e novas questões.

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30/06/2023 às 00:36
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Resumo: O direito ao lazer é correlato ao direito à saúde – homens não são máquinas – não vivem sem descanso – coisa que gere stress nesse tipo de prestação que normalmente é de consumo é apta a frustrar o objeto do contrato – questões que se busca analisar no bojo do presente artigo.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA, ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR DA FAJ DO GRUPO UNIEDUK DE UNITÁ FACULDADE - COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.

O tema em comento demanda uma atualização em relação a outro comentário que teci há anos atrás, eis que existe evidente evolução em torno de novas questões – já que o direito ao lazer resta um direito muito relevante no texto constitucional (em ao menos quatro dispositivos como se observa pela redação dos consectários lançados nos artigos 6º, caput, 7º, IV, 217, par.3º e artigo 227) e sua tutela beiraria, mesmo, as raias do que hoje vem sendo entendido como valor decorrente da busca da felicidade (há uma PEC em tramitação no Congresso Nacional para viabilizar o reconhecimento desta busca como direito social do indivíduo como o fazem outros ordenamentos mundo afora).

A questão é atual eis que a partir da ideia de respeito ao lazer se tem a própria ideia da proteção a um direito de desconexão como tem sido proposto na seara do direito laboral – como exemplo deste posicionamento:

TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA: ROT 102857920215030043 MG 0010285-79.2021.5.03.0043 Data de publicação: 04/07/2022 DANO MORAL. DIREITO À DESCONEXÃO1. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS À SAÚDE E AO LAZER. BENS JURÍDICOS TUTELADOS INERENTES AO EMPREGADO. ART. 223-C DA CLT. Nos termos do art. 223-B da CLT, o dano extrapatrimonial se configura quando há ofensa de ordem moral ou existencial à pessoa física ou jurídica, decorrente de ação ou omissão, sendo que a saúde e o lazer se encontram elencados no rol dos bens juridicamente tutelados inerentes ao empregado (art. 223-C, CLT). Nesse aspecto, o direito à desconexão do trabalho se insere no âmbito das garantias fundamentais à saúde e ao lazer (art. 6º , caput, e art. 7º , IV , da Constituição da Republica ), consectárias do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º , III , CR ), pelas quais o labor não pode ser um fim em si mesmo, mas sim o meio para o trabalhador promover sua subsistência e satisfazer suas necessidades e anseios pessoais, sem prejuízo ao repouso e ao convívio familiar e social. Violado o direito do empregado de se desconectar do trabalho, privando-lhe do devido descanso e do lazer, é cabível a reparação civil, consoante artigos 186 e 927 do Código Civil.

Não se quer evidentemente dizer que lazer seja sinônimo de desconexão – esse conceito seria mais amplo, mas envolve a discussão do lazer como matéria conexa com a proteção da saúde (enquanto direito social – artigo 6º CF) tal como pré-requisito do direito à vida (artigo 5º, caput da Carta Política).

Vários doutrinadores como Rubens Limongi França, o consideram como sendo uma das facetas dos direitos de personalidade de integridade física – a ideia seria justamente a de que sem lazer (descanso) a própria saúde e por consequência, a vida do indivíduo são postas em risco – vai-se muito além, portanto, da mera violação a direito social como se poderia pensar num primeiro momento, a questão envolve, portanto, direito fundamental na acepção técnica do termo.

Por trás de um pacote de lazer ou de uma atividade de diversão e entretenimento, portanto, não se tem apenas o supérfluo em discussão, mas valores extrapatrimoniais (na acepção ponteana que divide as esferas jurídicas dos sujeitos de direito em setores patrimoniais e não patrimoniais).

E esse caráter de indispensabilidade do objeto para a mantença da vida de qualquer indivíduo, bastaria para justificar a imposição de indenização com fundamento na teoria dos danos morais presumidos (in ré ipsa) quando tal direito é violado, de sorte tal que quando o mesmo, contratualmente garantido, não resta cumprido, enseja a reparação pelo atingimento do setor não patrimonial da esfera jurídica do indivíduo (nos termos como preconizados como dito, por Pontes de Miranda a partir de considerações nas obras de Ennecerus, Wolff, Kypps).

Nessa conhecida alegoria doutrinária, todo e qualquer sujeito de direito (sempre se lembrando que isso englobaria pessoas naturais, jurídicas ou mesmo entes despersonalizados equiparados por lei a sujeitos) teria uma esfera jurídica, que seria o conjunto de todas as suas posições jurídicas (direitos, deveres, poderes, obrigações, ônus etc), que poderia ser dividida em setores patrimoniais (quando as posições jurídicas atinentes ao titular forem suscetíveis de avaliação econômica e expressão monetária) e não patrimoniais – matéria mais própria dos direitos de personalidade (o que não esgota a possibilidade de, em alguma medida aí se inserir a pessoa jurídica que pode ser sujeito apto a perceber indenização por danos morais quando violada sua honra objetiva por exemplo – como o aponta a Súmula nº 227/STJ).

Assim, sem maior possibilidade de erro, se poderia, num primeiro momento, limitar o objeto do campo de estudo do direito ao lazer como algo ínsito e próprio aos seres humanos – ou seja pessoas naturais que vincula, no entanto, as pessoas jurídicas que atuam nesses ramos de atividade que devem ter cautelas redobradas afinal não se pode perder que se tem relações as mais das vezes consumeristas e cujo objeto dos contratos não pode ser tido como frustrado.

Se o consumidor se dispõe a ir a determinado lugar, bar, hotel, restaurante, pousada etc para que possa se desconectar da realidade e haurir o tão desejado momento de lazer – tudo aquilo que o faça retornar à sua realidade, o que possa lhe causar stress – dentro de parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade – violará o escopo do contrato.

A violação do escopo do contrato implica em situação de não adimplemento pelo fornecedor, que se tiver responsabilidade (haftung) estará imbricado em situação de resolução – ou seja além da quebra contratual haverá de indenizar perdas e danos.

Assim, de se ver especificidades de contratos com o objeto lazer, entrando em cena a questão dos contratos turísticos, que, haja vista a habitualidade em que as empresas de turismo atuam e forma de remuneração as qualificam como fornecedoras nos termos da legislação consumerista de regência – e, pelo óbvio, que adquire um pacote turístico, o faz na condição de destinatário final (ninguém emprega, via de regra viagem turística no ciclo produtivo como insumo). Muito difícil, portanto, que se exclua uma contratação desta natureza do âmbito da incidência da Lei nº 8.078/90.

Mesmo que se trate, por exemplo, de uma empresa fazendo um pacote de viagens para seus empregados em um Congresso a trabalho, se realizado em um hotel ou um resort, num final de semana estará envolvida parte do lazer para compensar o fato de terem sido levados para o evento em tais condições – e se houver infortúnios, mesmo seu empregador havendo contratado o hotel o lesado poderá se beneficiar do regime jurídico consumerista eis que será uma vítima de um acidente de consumo – um bystander (consumidor por equiparação – ideia muito corrente sobretudo entre os defensores do maximalismo na interpretação do CDC2).

A aquisição de pacotes de viagens implica, portanto, em relação de consumo (isso, insista-se, pelo próprio finalismo, sem necessidade de se recorrer a outras teorias como o maximalismo ou o finalismo aprofundado), sendo certo que, o que é relevante e diferente nesses casos, é o fato de que o objeto do contrato tem a finalidade de garantia do lazer – por isso, descumprimentos que normalmente não gerariam indenizações em outros tipos de contrato, geram indenizações por danos morais por conta de meros aborrecimentos (Cláudia Limar Marques). Sobre a incidência do CDC à questão, de se destacar, à guisa de mera exemplificação:

TJ-DF - RECURSO INOMINADO RI 07161333720158070016 (TJ-DF) Data de publicação: 18/12/2015 Ementa: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. CONSUMIDOR. AGÊNCIA DE VIAGENS. CONTRATO DE VENDA DE PACOTE TURÍSTICO. EMBARQUE NÃO REALIZADO POR FALTA DE DOCUMENTO HÁBIL DO PASSAGEIRO. CANCELAMENTO DAS PASSAGENS AÉREAS DE VOLTA. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O presente caso trata de pacote turístico adquirido junto a primeira ré, que incluía o transporte aéreo a ser realizado pela segunda ré. Ao proceder ao embarque, foi o autor impossibilitado por não portar os documentos necessários. Adquiridas outras passagens aéreas para o destino, solicitou que não realizassem o cancelamento dos bilhetes de retorno. Todavia, esses foram cancelados, obrigando-o a adquirir outras passagens, além de ter perdido valor correspondente a um dia de passeio. 2. Aplica-se o CDC à questão sob análise, ensejando a inversão do ônus da prova, vez que constatada a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor, aliados à verossimilhança das suas alegações. Em razão da disposição contida em seu art. 14, a responsabilidade por vício na prestação de serviço é objetiva, devendo a prestadora de serviços responder pelos danos que causar ao consumidor. Portanto, com fundamento no art. 14 da Lei 8.078 /90, o recorrido tem direito ao ressarcimento do preço pago para aquisição de novas passagens de retorno a Brasília (fl. 21), que perfaz o valor total de R$ 1.293,14. 3. Ficou evidente a violação aos direitos da personalidade do consumidor, porquanto experimentou transtornos e aborrecimentos indevidos que extrapolam a frustração cotidiana. Os fatos narrados mostram o abalo psicológico e a intranquilidade sofrida, indenizáveis a título de dano moral. 4. Na fixação do valor da reparação do dano moral, devem-se observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo a não aviltar o bom senso, não estimular novas transgressões, impedir o enriquecimento ilícito do ofendido e não causar a ruína do culpado. A indenização não deve ser inócua, diante da capacidade patrimonial de quem paga e, muito menos, excessiva a ponto de significar a sua ruína. De igual modo, o valor não deve ser expressivo a ponto de representar enriquecimento sem causa de quem vai recebê-la, nem diminuto que a torne irrisória. 5. Acertado se mostra o quantum fixado a título de danos morais em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), tendo em vista o cancelamento da passagem e ainda o dispêndio monetário não programado, para garantir seu retorno e de sua família para Brasília. 6. Deve ser mantida a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando as rés, solidariamente, a pagar ao autor, para ressarcimento dos danos materiais, a quantia de R$ 1.293,14 (um mil duzentos e noventa e três reais e quatorze centavos), acrescida de correção monetária pelos índices do INPC desde o pagamento (08/11/2014), e, também, de juros de mora no percentual de 1% (um por cento) ao mês a partir da data da citação; e a quantia de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), a título de danos morais, acrescida de correção monetária pelos índices do INPC a partir desta sentença, além de juros de mora no percentual de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação. 7. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 8. Condeno recorrente vencida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação atualizado. 9. A súmula de julgamento servirá como acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis e ainda por força dos artigos 12, inciso IX, 98, parágrafo único e 99, do Regimento Interno das Turmas Recursais.

E, em se aplicando o regime do CDC à questão, observa-se que os pontos obscuros serão sempre interpretados em favor do consumidor que passa, em casos de verossimilhança e hipossuficiência a fazer jus à inversão de ônus probatórios, aplicando-se ao caso, o lapso prescricional quinquenal do CDC (artigo 27) e não o lapso trienal do Código Civil (artigo 206) para ações de indenização.

Mas, mais importante ainda, tem-se que será aplicável o regime da responsabilidade civil objetiva e haverá responsabilidade solidária legal de todos os agentes envolvidos na contratação do pacote turístico (agência de viagens, companhia aérea, hotel, guia de turismo etc).

Isso, além de encontrar fundamento na teoria do risco profissional, encontra respaldo no princípio geral de direito romano pelo qual ubi commoda ibi incommoda, que em tradução literal e livre implica na ideia de acordo com a qual quem aufere as vantagens, arca com as desvantagens de um dado negócio jurídico.

E como o CDC traz a responsabilidade solidária de todos os agentes em relações como esta não há qualquer violação aos termos do artigo 265 CC (a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da vontade das partes)– haverá fonte legal expressa da formação do vínculos plúrimos da obrigação solidária. Sobre a questão, assim vem se manifestando os Tribunais do país:

TJ-RS - Recurso Cível 71004922985 RS (TJ-RS) Data de publicação: 22/10/2014 Ementa: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE PACOTE TURÍSTICO. INDISPONIBILIDADE DO VOO. RESPONDEM PELOS DANOS TANTO A AGÊNCIA DE VIAGENS QUANTO A EMPRESA AÉREA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANOS MORAIS ARBITRADOS EM R$ 3.000,00 QUE NÃO COMPORTAM MINORAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71004922985, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mirtes Blum, Julgado em 17/10/2014).

Fixando indenização em valores muito mais elevados e reconhecendo que se cuida de situação de dano moral in ré ipsa (dano presumido), interessante aresto:

TJ-RJ - APELAÇÃO APL 01098872820118190001 RJ 0109887-28.2011.8.19.0001 (TJ-RJ) Data de publicação: 17/05/2013 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VENDA DE PACOTE TURÍSTICO. CRUZEIRO MARÍTIMO. CANCELAMENTO DA VIAGEM. DANO MORAL IN RE IPSA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE SE MANTÉM. 1. Diante da inexistência de controvérsia quanto aos fatos articulados na exordial, especialmente quanto ao cancelamento do cruzeiro, caracterizada está a falha na prestação do serviço. 2. Caso fortuito somente seria admitido como causa de exclusão do nexo causal, caso se tratasse de fato absolutamente estranho à organização do negócio desenvolvido, ou seja, ao serviço de transporte prestado, o que não é o caso. 3. Eventuais problemas técnicos do navio e de seus componentes são questões inerentes à atividade desempenhada, previsíveis, portanto, de modo que, quando muito, podem ser qualificados como fortuito interno, incapaz de excluir a responsabilidade do fornecedor do serviço contratado. 4. Portanto, a responsabilidade civil da apelante se revela indiscutível. 5. Quanto ao termo de quitação assinado pela primeira autora, este não poderia alcançar valores outros que não aquele relativo à quantia pelo serviço cancelado, porquanto é nula de pleno direito a cláusula que impossibilita, exonera ou atenua a obrigação de indenizar, segundo determinam os arts. 25 e 51I, ambos do CDC. 6. Com relação aos danos morais, revela-se nítido que o cancelamento da viagem gerou transtornos de ordem muito superior a um mero aborrecimento ou a um simples descumprimento contratual, pois frustrou a realização de uma viagem sonhada e programada com quase dez meses de antecedência, no período das férias natalinas. 7. O valor da indenização pelo inadimplemento absoluto da obrigação contratual deve ser fixada em valor alto, sem, contudo, extrapolar os limites objetivos da lide, fixados pelas autoras em sua petição inicial. 8. Assim é que o quantum indenizatório deve ser arbitrado em R$15.000,00 (quinze mil reais) em favor de cada uma das autoras, para se adequar ao limite de 24 salários mínimos, informado no item 3.a do pedido.9. Danos materiais mantidos.10. Recurso ao qual se nega seguimento, com fulcro no art. 557, caput, do CPC.

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Aqui, portanto, o mero aborrecimento, antítese do lazer, é dado efetivo para a caracterização da frustração das justas expectativas do contrato. Ainda, sobre a indenização de danos morais em contratos com objeto turismo:

TJ-RS - Recurso Cível 71005625462 RS (TJ-RS) Data de publicação: 20/11/2015 Ementa: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS. COMPRA E VENDA DE PACOTE TURÍSTICO PELA INTERNET. PROMOÇÃO VEICULADA EM SITE DE COMPRAS COLETIVAS CONHECIDO POR "PEIXE URBANO". PACOTE TURISTICO DESCUMPRIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATORIO MANTIDO. SENTENÇA MANTIDA PELOS PROPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSOS IMPROVIDOS. (Recurso Cível Nº 71005625462, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em 18/11/2015).

Outro dado relevante: Chama-se a atenção para o fato de que, por vezes, grandes grupos de turismo se aproveitam das hospedagens em suas dependências, para tentar vendas emocionais de pacotes turísticos em bancos de pontos ou por venda de time sharing (tempo compartilhado que é uma espécie de direito real de uso).

Esses expedientes são abusivos. Normalmente se promete ao hóspede que se ele der uma hora de sua atenção aos vendedores (apresentados como consultores de turismo) ganharão brindes ou cortesias (jantares, brinquedos para filhos etc.), sendo certo que os hóspedes que aderem a tal chamariz passarão por intensa coação por parte de ditos vendedores, serão levados a salas onde se encontram outros hóspedes assediados por tais vendedores e a cada venda, sinos e palmas são destacados – alegando-se que o consumidor se aderir ao pacote fará excelente negócio – mas nunca se apontam, com clareza, os dados em que o mesmo estará adquirindo pacotes turísticos (normalmente se utilizam tabelas que são muito variáveis dando conta de que os turistas poderão se hospedar em novos hotéis por prazos de tempo que variarão em números de pontos em cada dia do ano – o negócio quase passa a ser aleatório).

Com isso, paga-se muito para uma coisa que não está muito bem explicada a respeito de como funciona, cujos valores de tabela podem ser aleatoriamente alterados no curso do contrato, sem que o consumidor possa ter o menor controle sobre isso, já tendo, no entanto, comprometido seu orçamento com o pagamento das salgadas prestações ajustadas.

O consumidor é induzido no sentido de que não se aderir, naquele momento, por impulso, àquela venda emocional, estará perdendo o negócio de sua vida, não há tempo para se refletir e vários outros estão aderindo – o consumidor não consegue se desvencilhar enquanto não fecha o pacote ou terá que ser grosseiro com o atendente – ficando muito mais do que a uma hora ajustada para ganhar o brinde.

Tais expedientes, pelo óbvio, geram grande ansiedade e transtornos ao direito ao lazer e, o que é pior, são organizados por profissionais do turismo, que compreendem o que estão fazendo – não dá para aduzir que faltaria dolo. Tais vendas emocionais para turistas são considerados ATOS ILÍCITOS3, MAS MESMO ASSIM A PRÁTICA CONTINUA DIOTURNAMENTE EM VÁRIAS CIDADES TURÍSTICAS DO PAIS.

Afinal a base dessas atividades é a utilização de técnicas agressivas de marketing pela neurolinguística e abuso cansando-se consumidores em férias de modo que venham a aderir a negócios ruinosos simplesmente para que continuem seus passeios – abuso de direito de fornecedores – este aresto é bastante elucidativo:

TJ-AC - Apelação Cível: AC 7112963920218010001 AC 0711296-39.2021.8.01.0001 Data de publicação: 10/08/2022 DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO. MARKETING AGRESSIVO MEDIANTE VENDA EMOCIONAL. DIREITO AO ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . APELO DESPROVIDO. O direito ao arrependimento previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor é aplicável, em interpretação extensiva, quando a contratação ocorrer no estabelecimento do fornecedor "se o consumidor estiver sobre forte pressão psicológica que o coloca em situação desvantajosa, impedindo-o de refletir e manifestar livremente sua vontade. Assim, quando o fornecedor se vale do marketing agressivo, atraindo o consumidor para algum local preparado para a divulgação de determinado produto ou serviço, oferecendo-lhe um ambiente sedutor, através de bebidas alcoólicas, jantares, sorteios de brindes, atrações diversas etc.; certamente inibe a capacidade plena de o consumidor refletir sobre o negócio que está prestas a fechar." (GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado. 13. Ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 376). No mesmo sentido: TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 6. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Edição digital. 2. Caso dos autos: incontroversa utilização de técnica denominada "venda emocional", consubstanciada na abordagem de turistas em momentos de lazer, quando preposto da empresa vendedora promete vantagem sob a condição de os abordados assistirem palestras publicitárias, nas quais permanecem expressivos espaços de tempo sendo constrangidos por marketing agressivo. Incontroverso, ainda, que por reiteradas vezes, e após cada negativa de celebração do negócio, o consumidor foi direcionado a outro vendedor que reitera a proposta, até que aquele finalmente ceda e aceite celebrar o contrato. Evidente tentativa de "vencer o consumidor pelo cansaço", tolhendo-lhe condições de examinar com cautela os termos do instrumento de adesão e realizar reflexão adequada sobre a necessidade de aquisição do produto ou serviço ou mesmo sobre suas condições de adimplemento da contraprestação que lhe será exigida. 3. Provado o exercício do direito de arrependimento dentro do prazo legal. 4. Ademais, a própria empresa apelante admite a aplicabilidade do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, e confessa que recebeu pedido de desistência, embora alegue, equivocadamente, que o prazo de 7 (sete) dias não foi observado pelo apelado. 5. Desconstituído o contrato de consumo em razão da aplicação do direito de desistência previsto no art. 49 do Código de Defesa do Consumidor , é de rigor a determinação de restituição integral e imediata dos valores pagos pelo consumidor, descabendo se falar em retenção de quantia a qualquer título. 6. Apelo desprovido

Além da nulidade pela utilização de expediente abusivo (artigo 51 CDC) contrário aos escopos idealizados pelo CDC, será dado apto para gerar indenização também por dano moral – afinal, as horas de lazer tem um custo e são raras na vida das pessoas – o tempo é inexorável, não volta atrás.

Com isso, se não se atinge o objetivo de lazer tão relevante numa sociedade em que o stress impera e viagens podem ser tidas como investimentos necessários para se recarregar as baterias, as indenizações serão devidas, envolvendo toda a cadeia produtiva do lazer, com indenização por dano moral in ré ipsa, em regime de responsabilidade civil objetiva, com direito a inversão de ônus probatórios e com responsabilidade solidária de todos os integrantes da viagem programada (companhia aérea, empresa de turismo, hotel, guias de viagem etc).

Ou seja, se ocorre o furto de seu celular no quarto de hotel ou se a mala se extravia, isso gera stress, antítese do lazer buscado, portanto, isso deve ser indenizado pela frustração da finalidade precípua do contrato (quem sai de férias, em tempos de facebook não quer ficar sem seu celular, não quer ir para Delegacias de Polícia fazer boletim de ocorrência quando poderia estar na praia ou em um museu), o que pode englobar, no polo passivo o hotel ou a agência de viagens que indicou o hotel e lucrou com isso (afinal, de se aplicar a teoria do risco profissional que parte do ubi commoda ibi incommoda).

Há vários julgados nesse sentido: TJ-DF - Apelação Cível APC 20140110907433 (TJ-DF) Data de publicação: 27/08/2015 e TJ-RS - Recurso Cível 71004809489 RS (TJ-RS) Data de publicação: 02/07/2014, por exemplo. Igualmente, desistências de pacotes não podem ensejar multas superiores a dez por cento.

O mesmo se diga, mutatis mutandi, de atrasos não razoáveis de voos, overbooking, acidentes em piscinas não sinalizadas adequadamente, ficar fechado em elevador por defeito ou trancado no quarto por horas por falhas de fechaduras, comprar cruzeiro internacional e fazer cruzeiro doméstico (todos esses casos são de fácil localização em sites de buscas da internet), que implicam em situações que tem implicado no deferimento de indenizações de danos materiais e morais em favor de consumidores lesados.

No caso de transporte aéreo, no entanto, os Tribunais Superiores parecem estar se orientando no sentido de que sobre a questão indenizatória, o montante indenizatório seja pautado pelos critérios das convenções internacionais a que o Brasil aderiu e não pelas regras habitualmente estabelecidas para a fixação de indenização de danos morais (agora sempre por um critério bifásico, ou seja, partindo-se o interlocutor do quanto se aplica para casos análogos em primeira fase e, numa segunda fase, a partir das peculiaridades do caso).

O mesmo vale, por exemplo, para quem sai e vai para a balada – a ideia é que se vá para se divertir – e se acabe sendo vítima de mal atendimento ou até mesmo de agressão por parte de seguranças, nesses casos a jurisprudência é amplamente favorável à incidência do CDC e à fixação de indenização, inclusive de danos patrimoniais e morais. Isso porque casas noturnas, restaurantes e estabelecimentos que explorem o lazer tem o dever de cuidado e proteção da integridade física4 e patrimonial de sua clientela. Sobre o tema a jurisprudência é pródiga e farta:

TJ-MG - Apelação Cível: AC 10702110561884001 Uberlândia Data de publicação: 22/11/2019 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - AGRESSÃO FÍSICA PRATICADA POR SEGURANÇAS DE CASA NOTURNA - DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO - DANOS MORAIS. Conforme disposto no art. 14 , do Código de Defesa do Consumidor , os fornecedores de serviços são responsáveis, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação dos serviços ofertados. Restando evidenciada a falha na prestação do serviço, na medida em que ficou comprovado que a atuação da equipe de segurança que prestava serviço na casa noturna requerida extrapolou as medidas necessárias à contenção e à retirada do autor do estabelecimento, impõe-se o dever de indenizar os prejuízos advindos de tal ato. Diante da comprovação de agressão física injusta é claro o dever de indenizar, visto que evidente o dano gerado a atributo da personalidade. A reparação, por danos morais, ao mesmo tempo em que não deve permitir o enriquecimento injustificado do lesado, também não pode ser fixada em valor insignificante, pois deve servir de reprimenda para evitar a repetição da conduta abusiva.

TJSP - Apelação Cível: AC 10095129420178260001 SP 1009512-94.2017.8.26.0001 Data de publicação: 18/05/2021 APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAL. ABORDAGEM REALIZADA POR SEGURANÇAS DE CASA NOTURNA QUE RESULTARAM EM AGRESSÃO FÍSICA AO AUTOR. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC). RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO CORRETAMENTE ARBITRADA, CONSIDERADAS AS PARTICULARIDADES DO CASO, EM R$ 15.000,00. RECURSOS DA RÉ E DO AUTOR IMPROVIDOS. 1.- O entrevero entre o autor e seguranças do estabelecimento réu é incontroverso, bem como sua lesão corporal. Dentro de suas possibilidades, o autor comprovou os fatos constitutivos do seu direito à luz do art. 373 , I , do Código de Processo Civil (CPC). A prova oral produzida confere verossimilhança à alegação de que foi lesionado ao ser arrastado para fora por segurança do local, de forma truculenta. Competia à requerida provar que seus prepostos agiram de maneira diligente na prestação de seus serviços, em observância ao disposto no artigo 6º , VIII , do CDC , ônus do qual não se desincumbiu. Ainda que a ré negue a agressão, não é possível acreditar que os seguranças conduziram o autor para fora do estabelecimento sem qualquer agressão, conforme se dessume dos elementos dos autos. É verdade que os frequentadores devem respeitar regras de conduta e regulamento da casa noturna. No entanto, não é possível considerar adequado que os seguranças, cuja função é manutenção da ordem, agridam fisicamente os consumidores por comportamento inadequado, atrevido ou indelicado. Os seguranças possuem o treinamento para lidar com comportamentos desse jaez, sendo desnecessária a agressão física. 2.- Para que ocorra dano moral é preciso a existência de uma dor subjetiva, que fugindo à normalidade do homem médio venha lhe causar quebra em seu equilíbrio emocional interferindo intensamente em seu bem-estar. Evidente o dano psicológico suportado pelo autor no evento noticiado na petição inicial. Decretado, resta ao juiz perquirir qual a sua extensão, para então fixar o "quantum" indenizatório. No presente caso, analisado o que consta dos autos, suas particularidades, e ainda a situação financeira de ambas as partes, viável a indenização de R$ 15.000,00, por considerar que a quantia está em consonância com outros valores concedidos e mantidos por esta 31ª Câmara de Direito Privado do TJSP em casos análogos.

TJ-RS - "Apelação Cível": AC 70081532871 RS Data de publicação: 02/09/2019 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRESSÃO EM CASA NOTURNA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTABELECIMENTO E SUBJETIVA DO AGRESSOR. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO. I. A responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a alguém. Para ser caracterizada a responsabilidade civil subjetiva, nos termos do art. 927 , do Código Civil , é necessária a comprovação da ação (conduta comissiva ou omissiva), da culpa do agente, da existência do dano e do nexo de causalidade entre a ação e o dano.II. Em relação à casa noturna, a hipótese dos autos trata de relação de consumo, sendo objetiva a responsabilidade do fornecedor de serviços, nos termos do art. 14 , caput, do CDC , ou seja, a parte requerida responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor, bastando a comprovação do prejuízo e do nexo de causalidade. III. Com base no conjunto probatório dos autos, resta incontroverso que o autor foi vítima de agressão pelo requerido Diego Gomes, que utilizou um garrafa de vidro, no interior do estabelecimento da ré ?Estação Bangalô?. Nestas circunstâncias, verifica-se que foi o demandado Diego quem iniciou a briga e agrediu fisicamente o autor com uma garrafada, não sendo demonstrado por este nenhum fato que pudesse afastar a sua responsabilidade, como eventual legítima defesa. IV. No que concerne à responsabilidade da requerida, em se tratando de casa noturna, local em que há consumo exacerbado de bebidas alcoólicas, não é improvável a ocorrência de discussões entre os presentes, sendo certo que a venda de tais bebidas em garrafas de vidro acaba por aumentar o potencial de risco e de dano aos presentes no estabelecimento. Logo, é notório que a demandada falhou na prestação do serviço, eis que não garantiu minimamente a segurança e proteção do seu cliente. Portanto, a requerida não comprovou nenhuma excludente de responsabilidade, nos termos do art. 14 , § 3º , do CDC , razão pela qual também deverá ser responsabilizada pelas agressões suportadas pelo demandante na festa por ela realizada. V. Desta forma, a situação dos autos reflete o dano moral in re ipsa, considerando o transtorno, o aborrecimento, o constrangimento e a lesão sofrida pelo autor. Majoração do quantum indenizatório, tendo em vista a condição social do autor e do réu Diego, o potencial econômico da ré, a gravidade do fato, o caráter punitivo-pedagógico da reparação e os parâmetros adotados por esta Câmara em casos semelhantes. A correção monetária pelo IGP-M incide a partir da data do presente arbitramento, nos termos da Súmula 362 , do STJ. Em se tratando de relação extracontratual, os juros moratórios devem incidir a partir do evento danoso, a teor da Súmula 54 , do STJ.VI. Redimensionamento da sucumbência, considerando o integral decaimento dos réus em suas pretensões. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA.APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70081532871, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em: 28-08-2019.

Essas novas questões que surgem em torno do tema e que convido à reflexão.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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