A certidão do RGI informa que sobre o imóvel tem uma "cláusula de reversão". E agora? Compro ou desisto?

03/07/2023 às 10:17
Leia nesta página:

A CLÁUSULA DE REVERSÃO é uma importante ferramenta que deve ser considerada no momento da lavratura de uma ESCRITURA DE DOAÇÃO. Através da referida cláusula o imóvel doado poderá retornar ao doador e não se tornar herança em favor de eventuais herdeiros do donatário no caso de falecimento deste antes do doador. Reza o art. 547 do Código Civil de 2002:

"Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro".

A doação feita com essa cláusula revela na verdade uma condição resolutiva expressa, nos moldes do art. 127 do mesmo CCB, o que significa que, com a ocorrência da condição resolutiva cessarão os efeitos do negócio entabulado à sua sombra - ou seja - a propriedade se resolve e reverte-se em favor do doador, caso este sobreviva ao donatário. O referido artigo por sua vez determina:

"Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido".

Da leitura dos referidos artigos é possível perceber que mesmo realizada a doação com a referida cláusula de reversão não só pode como deve o donatário providenciar o registro da ESCRITURA em seu nome junto ao Cartório do RGI, passando a partir do registro a ser o novo titular do bem, como regra registral basilar do art. 1.245 também do mesmo Código Civil.

É importante atentar para o fato de que o novo adquirente mesmo com a referida cláusula de reversão gravando seu imóvel pode VENDÊ-LO, porém, todo cuidado deve ter o adquirente ao examinar a certidão imobiliária e constatar que de fato o DOADOR ainda não faleceu. Se de fato o doador não faleceu haverá reais chances do adquirente perder seu imóvel, caso a condição resolutiva se concretize (ou seja, ocorra a morte do donatário/vendedor antes do falecimento do originário doador). A festejada doutrina assinada pelos mestres FARIAS e ROSENVALD (Curso de Direito Civil. 2023) não deixa dúvidas sobre a "CLÁUSULA DE REVERSÃO":

"É a possibilidade de previsão de que o bem doado voltará ao patrimônio do benfeitor, caso o beneficiário venha a ser premoriente (morrer primeiramente). Trata-se de típica CONDIÇÃO RESOLUTIVA EXPRESSA, evidenciando a vontade do doador de beneficiar o donatário, mas não os seus sucessores. Por se tratar de contrato benéfico e gratuito, traduzindo gesto de liberalidade, é possível ao benfeitor querer beneficiar SOMENTE O DONATÁRIO, afastando os seus sucessores. O pacto de reversão, contudo, somente terá eficácia se o doador sobreviver ao donatário. Falecendo primeiramente o benfeitor, o bem incorpora-se, automaticamente, ao patrimônio do donatário, gerando regular transmissão aos seus sucessores, quando de seu falecimento. (...). A existência do pacto reversivo implica a caracterização de PROPRIEDADE RESOLÚVEL. Por isso, embora a cláusula de reversão não torne o bem inalienável, podendo o donatário, livremente, aliená-lo (vendê-lo ou doá-lo), na hipótese, a transmissão será de propriedade resolúvel e a subsequente morte do beneficiário antes da do doador gera a EXTINÇÃO DA TITULARIDADE. No ponto, vale invocar a explicação de Sylvio Capanema de Souza: 'a reversão opera os seus efeitos como cláusula resolutiva, com o desfazimento dos atos realizados pelo donatário, e restituição do bem doado, ainda que tenha havido alienação, já que isso é consequência natural da propriedade resolúvel'. O terceiro não pode alegar boa-fé subjetiva (desconhecimento da cláusula de reversão) porque ela tem de ser expressa, estando devidamente registrada no instrumento de doação e no REGISTRO IMOBILIÁRIO".

Vê-se, portanto, que esse é apenas mais um dos importantes DETALHES que devem ser analisados detidamente no momento da aquisição de um imóvel. Não restam dúvidas de que a análise por um profissional habilitado no momento das transações imobiliárias pode ser muita vantajosa evitando ou reduzindo as chances de prejuízos e aborrecimentos.

POR FIM, merece destaque o fato de já não ser possível aparelhar a doação com cláusula de reversão em favor de terceiros, o que era plenamente possível na vigência do CCB/1916 - negócio que se assim foi entabulado pode e deve irradiar efeitos mesmo sob o manto do CCB/2002, como ensina a decisão do STJ principalmente em sede de direito intertemporal:

"STJ. REsp: 1922153/RS. J. em: 20/04/2021. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO INTERTEMPORAL. DOAÇÃO. (...). CLÁUSULA DE REVERSÃO EM FAVOR DE TERCEIRO. VALIDADE À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. DOAÇÃO COM CLÁUSULA DE REVERSÃO EM FAVOR DE HERDEIROS DO DONATÁRIO. IMPLEMENTO DA CONDIÇÃO APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. VALIDADE E EFICÁCIA DA CLÁUSULA DE REVERSÃO. (...). 6- É válida a cláusula de reversão em favor de terceiro aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916. 7- É válida e eficaz a cláusula de reversão estipulada em benefício de apenas alguns dos herdeiros do donatário, mesmo na hipótese em que a morte deste se verificar apenas sob a vigência do CC/2002 8- Recurso especial conhecido e não provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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