Breve contexto
De início, cumpre ressaltar que as licitações e as parcerias com o terceiro setor da Lei Federal nº 13.019/14, são universos distintos, guardam certa semelhança em razão dos meios de seleção, da incidência de princípios administrativos como: legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade e da eficiência, que, aos olhos dos legisladores, são melhores atendidos com processos de seleção, publicidade, critérios objetivos de escolha. Portanto, embora os processos contenham atos e procedimentos aparentemente similares, são situações completamente distintas.
Durante muito tempo, inclusive sob a figura dos convênios, se teve uma compreensão unificada das parcerias e das contratações públicas. Inclusive, a Lei de Licitações regulamenta aspectos de convênios em seu art. 116. Com o advento das Leis da OS e das OSCIP, as parcerias começaram a ganhar contornos específicos, mas essas eram leis da década de 90.
Em regime ainda mais recente, a Lei Federal nº 13.019/14, Lei das OSC, aprimorou-se ainda mais o rito das parcerias, criando procedimentos ainda mais específicos para esses vínculos, regime complexo e robusto. Embora não tenha revogado as Leis das OS [Lei 9.637/98] e das OSCIP [Lei 9.790/99], garantindo que quando optasse em realizar essas parcerias, deveria à Administração Pública observar os ritos específicos das referidas leis, a Lei 13.019/14 reduziu drasticamente o campo de incidência dos convênios [art. 84 e 84-A, Lei 13.019/14], que antes eram muito utilizados, hoje estão restritos às parcerias entre Entes e
Órgãos públicos e às hipóteses específicas citadas pela Lei das OSC, como é o caso das entidades que atuam complementarmente ao SUS.
Além disso, subvenções e os auxílios [Lei 4.320/64, especialmente arts. 13 e 14] são hipóteses ainda mais remotas e financiamento do terceiro setor, isso porque essas ferramentas financeiras visam, em resumo, custear as atividades das entidades, acobertar suas despesas.
Cada alternativa goza de peculiaridades, de ritos específicos, e o cabimento de uma ou de outra irá depender sempre da situação específica. E explicando melhor, isso se deve ao princípio da motivação. Sempre que pretende agir, o agente público, revestido da personalidade do Estado, deve registrar os motivos que lhe impulsionam a tomar determinada solução em detrimento de outra. Portanto, em razão desse dever de registrar suas inspirações e a sua convicção sobre determinada compra/parceria/ação/escolha, o agente público sempre deve refletir sobre as alternativas possíveis, e a formação de sua escolha, os caminhos que lhe convencem de tomar determinada ação, é justamente a motivação que deverá constar no processo. Documentar é prática necessária para toda justificativa, é salvaguardar o interesse público, possibilitar a fiscalização e garantia de segurança ao agente atuante.
É importante destacar que as licitações são o regime obrigatório de compras públicas, sendo regulamentadas, prioritária e genericamente, pois existem diplomas específicos, pelas Leis Federais n° 8.666/93 ou 14.133/21.
2. LICITAÇÃO OU PARCERIA?
Vejamos, conforme adiantado tratam-se de processos que conduzem universos diferentes, e isso tem muita relação com a natureza dos vínculos envolvidos. Se numa contratação pública, a ideia é receber ofertas do mercado pela prestação/fornecimento de serviços necessários, normalmente provocando disputa entre os potenciais fornecedores/prestadores, na parceria a ideia é diferente, sendo uma conjugação de esforços em prol do mesmo objetivo, da mesma atividade, e não a oposição de interesses como acontece na contratação [particular quer fornecer/prestar pelo máximo de lucro possível –Administração quer pagar o mínimo possível pelos serviços]. É por isso que, partes da doutrina e da jurisprudência consideram a expressão “contratação” inadequada para se referir às parcerias, pois elas não são contratos com interesses opostos, visando justamente segregar as parcerias do contexto das contratações/licitações, tem-se nomeado o vínculo como “celebração”, “pacto” ou “firmamento”.
Além disso, a depender da escolha mudam os sujeitos que se relacionam com a Administração. Empresas de um lado e entidades sem fins lucrativos do outro. A habilitação das licitações ou contratação direta [documentos que vão atestar, em diferentes frentes: fiscal, trabalhista, técnica, comercial, a condição da empresa interessada em assumir o objeto] é uma etapa definidora disso, assim como os documentos de regularidade exigidos às entidades, através de chamamento ou parceria direta.
Em síntese, as parcerias são preferência sempre que se tratar de atividades de relevância pública e social, atendidos os quesitos previstos nos artigos 33 a 36 da Lei Federal nº 13.019/14.
2.1 Cadastro de entidades
É comum que os municípios não possuam dimensão das sociedades atuantes em seu território, isso decorre, também, do porte de alguns municípios, exigindo constantemente a atualização dos cadastros das entidades junto à Administração, e esse cadastro pode ser feito através de chamamento público. Nestes casos, entendendo pela agilidade na contratação/parceria, orienta-se que o chamamento seja feito em momento posterior, já que poderá haver grande demanda de entidades sendo cadastradas, e o cadastro aproveitará todas as Secretarias [social, ambiental, esporte, saúde, cultura, educação...].
O cadastro também funciona como subsídio na tomada de decisões, como já adiantado, seria um elemento da motivação, por exemplo, para se firmar parceria sem chamamento público.
2.3 Vantagens da parceria
As parcerias normalmente são vantajosas por não se tratar de oposição de interesses, tem-se uma atuação conjunta em prol das atividades, as partes pretendem contribuir para a sua execução. Nesse ponto, a dimensão dos custos é crucial, pois corresponderá ao montante do repasse, até porque são entidades sem fins lucrativos. No caso dos contratos, existirá pretensão de lucro do privado, é uma das finalidades da Empresa, por isso, em regra, as parcerias resultam em certa economia.
Além disso, o terceiro setor exerce no Brasil um papel histórico de atividades ligadas à saúde, educação, assistência, razão pela qual as entidades são especializadas nessas atividades.
2.4 Participação das Organizações em licitações
É importante compreender que: as OS, OSCIP ou OSC, são qualificações atribuídas por cada lei específica às associações, fundações que cumprem com os quesitos legais e são assim reconhecidas. Portanto, em regra, as OSC são juridicamente e registradas como associações ou fundações sem fins lucrativos, por exemplo. Desse norte, vê-se que é possível essas pessoas jurídicas participarem das licitações. Inclusive, a lei de licitações estabelece hipóteses de dispensa para contratar com essas organizações, o que presume, portanto, ser possível que as mesmas participem de certames, e nesse sentido já decidiu o TCU [Acórdão 2426/2020 - Plenário]. Sendo importante ressalvar que, para participar de determinado objeto licitatório, as finalidades da entidade devem ser compatíveis com o objeto.
Restrições podem existir, como por exemplo o caso das cooperativas de trabalho, em que se tem autorização excepcional para vedar a participação dessas entidades. É o que anuncia a Súmula n.º 281:
É vedada a participação de cooperativas em licitação quando, pela natureza do serviço ou pelo modo como é usualmente executado no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem como de pessoalidade e habitualidade.
Veja que o objetivo da Súmula foi evitar a configuração de subordinação, pessoalidade e habitualidade entre os trabalhadores executores dos serviços e o contratante. A restrição, nesses casos, consubstanciar-se-ia em medida de proteção da Administração Pública de eventual responsabilização subsidiária, ante a sólida jurisprudência das cortes trabalhistas quanto à impossibilidade de coexistirem trabalho subordinado e cooperativismo numa mesma relação jurídica.
2.5 CHAMAMENTO PÚBLICO: RISCOS E CUIDADOS
Sobre essa questão, alerta-se que o chamamento é um instrumento de convocação, conferência, avaliação e seleção. Portanto, a concorrência sempre presume competição entre os interessados, e isso não é diferente no chamamento. Toda seleção está exposta à determinadas ocorrências, e como é comum em certames licitatórios, são pontos sensíveis nos chamamentos:
- verificar se a entidade está compreendida no conceito de OSC do art. 2º, I, da Lei 13.019/14;
- verificar se a entidade está regular conforme artigos 34 e 35 da Lei 13.019/14;
- criar critérios objetivos de seleção, afastando parcialidade ou subjetivismo;
- dar publicidade a todos os atos;
- escolher adequadamente a comissão de julgamento;
- fracionar as sessões, de modo que o grande número de interessadas poderá exigir que o certame tenha várias aberturas e fechamentos, permitindo que a Administração receba as documentações e analise posteriormente, com tempo e cautela necessária [e neste ponto, é importante os envelopes sejam recebidos, conferidos se lacrados, sejam abertos e postos à conferência e rubrica de todos os participantes presentes interessados, e, posteriormente, ai sim, seja suspensa a sessão para apreciação], isso poderá ocorrer tanto na apreciação de documentos/estatuto como na avaliação do plano de trabalho;
- estabelecer um padrão de plano de trabalho capaz de atender todas as peculiaridades do serviço, para que os projetos das entidades interessadas atendam minimamente ao que se precisa;
- abrir prazos para recursos das decisões, divulgando todas elas no site da Administração, tudo deve ser transparente.
E para finalizar, é importante ressaltar que a abertura do chamamento é uma ótima opção, pois favorece a competição, imparcialidade, julgamento objetivo, permite que todas as entidades interessadas se apresentem e concorram à parceria. É a regra que deve ser seguida.
2.6 Dispensa ou inexigibilidade do chamamento
São hipóteses legais, asseguradas nos art. 30 e 31 da Lei Federal nº 13.019/2014.
Verificado o cabimento das hipóteses, é possível realizar dispensa ou inexigibilidade, celebrando a parceria de modo direto. Por isso, anexa-se as hipóteses legais que dispensam a abertura de chamamento para avaliação, ressaltando que a medida de abertura do chamamento permanece sendo a regra e o plano ideal, mas que a lei permite se utilizar dessas hipóteses mais ágeis em determinadas ocasiões:
Art. 30. A administração pública poderá dispensar a realização do chamamento público:
I - no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público, pelo prazo de até cento e oitenta dias;
II - nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou ameaça à paz social;
III - quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança;
VI - no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política.
Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica, especialmente quando:
I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos;
II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar da subvenção prevista no inciso I do § 3º do art. 12 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
Art. 32. Nas hipóteses dos arts. 30 e 31 desta Lei, a ausência de realização de chamamento público será justificada pelo administrador público.
§ 1º Sob pena de nulidade do ato de formalização de parceria prevista nesta Lei, o extrato da justificativa previsto no caput deverá ser publicado, na mesma data em que for efetivado, no sítio oficial da administração pública na internet e, eventualmente, a critério do administrador público, também no meio oficial de publicidade da administração pública.
§ 2º Admite-se a impugnação à justificativa, apresentada no prazo de cinco dias a contar de sua publicação, cujo teor deve ser analisado pelo administrador público responsável em até cinco dias da data do respectivo protocolo.
§ 3º Havendo fundamento na impugnação, será revogado o ato que declarou a dispensa ou considerou inexigível o chamamento público, e será imediatamente iniciado o procedimento para a realização do chamamento público, conforme o caso.
§ 4º A dispensa e a inexigibilidade de chamamento público, bem como o disposto no art. 29, não afastam a aplicação dos demais dispositivos desta Lei.
Conclusão
A grande diferença envolvendo as licitações e as parcerias é que o primeiro regime (licitatório), tanto pela Lei de 1993 quanto pela Nova Lei de 2021, são estruturas jurídicas voltadas a disputa, que buscam proteger o Poder Público e extrair a melhor proposta da necessidade específica de cada ocasião. Ou seja, busca forçar os particulares a disputarem o item, municiando a Administração de ferramentas legais e técnicas para se proteger, por exemplo: verificando a condição dos licitantes, verificando a exequibilidade das propostas, solicitando amostras, a ideia é que o particular que melhor articule custos e lucros, dê a melhor proposta. Já no segundo caso, das parcerias, há uma ideia de cooperação, tanto o Poder Público como o particular, que não possuirá fins lucrativos, irão ficar na execução de determinado objeto, nos custos dessa execução, é claro que em prol da publicidade e da eficiência as entidades podem ser verificadas e acompanhadas pela Administração, além disso, o chamamento permite atrair mais entidades e fomentar uma disputa entre elas para alcançar a melhor forma de se executar determinado serviço.
Ambas são alternativas, regimes opostos que se resumem em verdadeiras opções administrativas. A escolha sempre dependera da estrutura própria do Poder Público, do objeto pretendido, da realidade local e da motivação pela melhor opção.