A taxatividade e a tipicidade dos Direitos Reais

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Os Direitos Reais – que, segundo Flávio Tartuce (2019), são as relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis, tendo como fundamento principal o conceito de propriedade, seja ela plena ou restrita – possuem algumas características, como a oponibilidade erga omnes (contra todos os membros da coletividade), a ambulatoriedade (os direitos seguem as coisas), o direito de sequela (o titular do direito real tem o direito de perseguir o objeto ou coisa de sua titularidade), a publicidade (que no caso dos bens imóveis se dá pelo Registro Geral de Imóveis e no caso dos bens móveis se dá pela tradição), a especialidade (os direitos reais não incidem sobre coisa incerta, sendo necessário que se indique o objeto onde vai incidir o direito real), a preferência (preferência do titular do direito real, sempre que houver um direito real de garantia, por exemplo), a preferência temporal (do registro, no caso de imóveis, onde o proprietário é quem primeiro faz o registro da compra e venda no RGI) e, entre outras características (Flávio Tartuce lista ainda, por exemplo, a viabilidade de incorporação da coisa por meio da posse, de um domínio fático; e a previsão da usucapião como um dos meios de sua aquisição), as características da TAXATIVIDADE e TIPICIDADE dos direitos reais, sobre as quais nos deteremos.

A taxatividade e tipicidade dos direitos reais correspondem à obediência a um rol taxativo (numerus clausus) de institutos previstos em lei. Por isso, o Princípio da Taxatividade estabelece que os direitos reais sejam apenas os direitos do art. 1225 do Código Civil de 2002, isto é, a propriedade; a superfície; as servidões; o usufruto; o uso; a habitação; o direito do promitente comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca; a anticrese; a concessão de uso especial para fins de moradia; a concessão de direito real de uso e a laje (art. 1225, CC/2002, incisos I a XIII). Ou seja, tais características da taxatividade e da tipicidade dos direitos reais estabelecem que estão em lei quais são os direitos reais, que têm eficácia contra todos.

Como ressalva, porém, Flávio Tartuce (2019), a suposta obediência dos direitos reais a esse numerus clausus, a este rol taxativo de institutos previstos em lei, vem sendo questionada pela doutrina e pela jurisprudência.

É questão polêmica, para a doutrina e para a jurisprudência, se estabelecer se os direitos reais são típicos ou se pode surgir dentro de um direito real algo que o Código Civil não previu: pode-se entender, por exemplo, que os direitos reais são taxativos, mas não típicos, podendo haver criatividade na forma de se contratar o direito real. Além disso, Tartuce destaca que a Lei 11.481/2007, introduziu duas novas categorias de direitos reais sobre coisa alheia: a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso, que podem ser objeto de hipoteca. Além de tais alterações legislativas, reitera este doutrinador que também a Lei 13.465/2017 introduziu no Código Civil o direito real de laje, que visa regularização de áreas favelizadas, segundo o autor.

Tais modificações levam Flávio Tartuce a apontar que, sendo a autonomia privada o direito de se regulamentar os próprios interesses, a influência da autonomia privada sobre os direitos reais pode levar à conclusão de que o rol do art. 1225 do CC/02 não seja taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo (numerus apertus), representando uma, nas palavras de Tartuce, “quebra parcial” do princípio da taxatividade e tipicidade dos direitos reais, perspectiva também trazida por André Pinto Gondinho, segundo o autor.

Ou seja, tais alterações legislativas confirmariam o entendimento de que a relação do art. 1225/02 é aberta, pois leis emergentes poderão levar ao surgimento de novos direitos reais.

Não seria, portanto, absoluta a rigidez na elaboração desses tipos, podendo o princípio da autonomia privada levar a uma criação e inovação que até mesmo modificariam, conforme Tartuce, o conteúdo dos direitos reais afirmados pela norma, desde que não ocorra lesão a normas de ordem pública, com particulares atuando em conformidade com os tipos legais.

Ao mesmo tempo, Tartuce reafirma que há limites nas normas cogentes para o surgimento de novos direitos reais, citando ainda, porém, a ponderação de Anderson Schreiber, que aponta que a tipicidade vem sendo alvo de uma revisão crítica na atualidade, sendo hoje um obstáculo ao empreendedorismo e à livre-iniciativa, com o exemplo das dificuldades da multipropriedade imobiliária (que possuiria natureza jurídica de direito real, embora não fosse efetivamente codificada, conforme voto do Ministro João Otávio Noronha no REsp 1.546.165/SP, 3ª Turma, citado por Tartuce, que foi um voto que se opôs à concepção do relator Ministro Villas Bôas Cueva, para o qual não se admitiria a criação de um direito real propriamento dito, se devendo seguir os tipos reais previstos no Código Civil, prevalecendo o voto de Noronha seguido de outros ministros, que consideraram a multipropriedade imobiliária um direito real, sem representar ofensa à taxatividade dos direitos reais; sendo o julgado criticado por Tartuce por não ter afirmado diretamente que o rol do art. 1225 do CC/02 seria meramente exemplificativo, e sendo verdade que a multipropriedade não está no rol do referido artigo).

Em suma, leis extravagantes podem criar novos direitos reais, e por isso há civilistas que propõem uma quebra do princípio da taxatividade, desde que se esteja dentro dos limites da lei, que poderá criar novos direitos reais para além daqueles do rol do art. 1225 do CC/02, não havendo taxatividade estrita, mas tipicidade em lei, o que também poderá sofrer uma quebra, palavra empregada por Tartuce, caso se possa criar novos direitos reais também pela autonomia privada.

Por fim, a taxatividade é o estabelecimento de um rol de direitos reais taxativo e a tipicidade é a interpretação de que os direitos reais sejam típicos, não podendo se inventar dentro da disciplina de um dos direitos reais elencados no rol do art. 1225 do CC/02 nada que não esteja ali disciplinado.

Como vimos, tais princípios vêm sofrendo críticas da doutrina, no sentido de que seja possível uma atipicidade dos direitos reais, não devendo haver rigor tão grande, por exemplo, como no Código Penal.

 

Referência bibliográfica:

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

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