A Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann é um marco importante no campo da Sociologia e das Ciências Sociais, tendo influenciado diversas áreas do conhecimento, incluindo o Direito e a Política. Luhmann propôs uma abordagem sistêmica para compreender a sociedade, destacando a importância dos sistemas autopoiéticos, da comunicação e da observação como elementos fundamentais para entender a complexidade social.
De acordo com Luhmann, a sociedade é composta por diferentes sistemas, como o sistema jurídico, o sistema político, o sistema econômico, entre outros, cada um com suas próprias regras, funções e operações. Esses sistemas são autônomos e se comunicam por meio de elementos simbólicos, como palavras e sinais, que são processados e interpretados pelos indivíduos e pelas próprias estruturas desses sistemas.
No contexto brasileiro, a Teoria dos Sistemas de Luhmann pode ser utilizada para analisar e compreender o funcionamento do ordenamento jurídico e político. O sistema jurídico brasileiro é caracterizado por sua complexidade e extensão, envolvendo diferentes ramos do Direito, como o Civil, o Penal, o Constitucional, o Administrativo, entre outros. A abordagem sistêmica de Luhmann permite uma compreensão mais ampla e interconectada desses diferentes ramos, destacando a importância das relações e interações entre eles.
O sistema político brasileiro, marcado por sua fragmentação e multiplicidade de atores, como dito também pode ser analisado à luz da Teoria dos Sistemas. Luhmann argumenta que o sistema político é responsável pela tomada de decisões coletivas e pela gestão dos conflitos sociais. Nesse sentido, a compreensão dos mecanismos de comunicação e observação desse sistema permite uma análise mais aprofundada das dinâmicas políticas brasileiras, incluindo as relações entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
No entanto, um dos desafios enfrentados nos sistema jurídico e político brasileiros diz respeito à nomeação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo chefe do Poder Executivo, com aval do Senado. Essa prática, embora siga os trâmites constitucionais, levanta preocupações sobre a possibilidade de o STF adquirir um viés extremamente político que possa favorecer determinado modelo de sistema estrutural vigente.
A nomeação de ministros do STF é um processo de grande relevância para o sistema jurídico brasileiro, pois esses magistrados têm a responsabilidade de interpretar e aplicar a Constituição, garantindo a segurança jurídica e a proteção dos direitos fundamentais. No entanto, a forma como essa nomeação ocorre pode gerar preocupações em relação à independência e imparcialidade do tribunal. A nomeação com base em critérios políticos pode comprometer a independência desta Corte e minar sua imparcialidade na aplicação da lei.
O risco de politização excessiva no STF é uma preocupação válida, uma vez que as decisões do Pretório Excelso têm um impacto significativo na ordem jurídica e política do país. Ao permitir que o chefe do Poder Executivo nomeie os ministros do STF, com a aprovação do Senado, há o risco de que a escolha seja influenciada por interesses políticos, partidários ou pessoais. Isso pode comprometer a neutralidade do tribunal e resultar em decisões que favoreçam determinadas agendas políticas ou grupos de poder.
Adicionalmente, a composição do STF é fundamental para a representatividade das diferentes correntes de pensamento e interpretações jurídicas no país. Uma indicação excessivamente política pode levar a uma falta de diversidade de perspectivas na Suprema Corte, prejudicando a qualidade e a legitimidade das decisões tomadas.
A politização do STF também pode gerar um desequilíbrio entre os Poderes do Estado. Em um sistema de checks and balances (freios e contrapesos), é essencial que cada Poder exerça sua função de forma independente e equilibrada. Se o STF se tornar excessivamente politizado, pode haver uma perda de autonomia do Judiciário em relação aos demais Poderes, comprometendo o sistema de checks and balances e a separação de Poderes tão importantes para a democracia.
Para evitar ou minimizar os possíveis riscos de politização e de viés político no sistema judiciário brasileiro, é fundamental buscar mecanismos que garantam maior transparência, mérito e independência na escolha dos Ministros do STF, visando a fortalecer a confiança e a imparcialidade do Supremo. É essencial também incentivar a formação de juízes e magistrados com uma visão ampla e interdisciplinar do Direito, capazes de interpretar as normas jurídicas à luz das demandas sociais e políticas, mas sempre preservando a integridade do ordenamento jurídico.
Além disso, é importante observar que Tribunais Superiores, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), muitas vezes são chamados a tomar decisões durante períodos eleitorais cujos teores são iminentemente políticos. Essas decisões podem influenciar o processo eleitoral e, consequentemente, a configuração do sistema político. A aplicação da lei eleitoral e as interpretações dos tribunais podem ser objeto de controvérsias e debates, pois envolvem questões sensíveis relacionadas à representação política e à democracia.
As decisões proferidas pelos Tribunais Superiores muitas vezes envolvem a interpretação de normas eleitorais, regras de financiamento de campanha, propaganda política, entre outros aspectos que afetam diretamente o processo eleitoral. É importante destacar que a análise e interpretação de leis e normas pelo Judiciário são tarefas fundamentais e é natural que questões políticas também estejam presentes nessas discussões. No entanto, é necessário assegurar que as decisões sejam pautadas em critérios jurídicos sólidos, buscando o equilíbrio entre a legalidade e a legitimidade democrática.
A Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann oferece uma abordagem analítica para compreender os ordenamentos jurídico e político brasileiros, destacando a interconexão e a autonomia dos sistemas sociais. A ocorrência de decisões judiciais com teor político em Tribunais Superiores em períodos eleitorais requer uma análise cuidadosa e a busca pelo equilíbrio entre a interpretação jurídica e as demandas políticas. O fortalecimento da transparência, da independência e da formação jurídica são elementos-chave para mitigar essas preocupações e garantir a efetividade dos sistemas jurídico e político brasileiro.
Recentemente, a situação envolvendo Deltan Dallagnol, ex-procurador da República do estado do Paraná, foi marcada por diversos elementos controversos e implicações legais relevantes. Dallagnol renunciou ao seu cargo como procurador da República para se candidatar em 2022 ao cargo de deputado federal e, filiado ao partido Podemos-PR, foi eleito com 344.917 votos. No entanto, seu mandato foi cassado em maio de 2023 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base na Lei Complementar nº 135 de 2010 (“Lei da Ficha Limpa”).
A “Lei da Ficha Limpa” estabelece critérios de inelegibilidade para candidatos que tenham cometido determinadas infrações. Dentre as circunstâncias que tornam um candidato inelegível por oito anos estão: a cassação de mandato, a renúncia para evitar a cassação ou a condenação por decisão de órgão colegiado, mesmo que haja possibilidade de recursos. Tal ato normativo, por meio de seu artigo 2º, também considera inelegível “os magistrados e os membros do Ministério Público (…) que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”.
Dallagnol estava sendo investigado por suposta conduta funcional inadequada ao agir em conluio com o juiz federal Sergio Moro, o que levantou questionamentos sobre o pretenso interesse político de suas ações no âmbito da Operação Lava Jato. A cassação do mandato de Dallagnol pelo TSE foi baseada em um entendimento jurisdicional de fraude à “Lei da Ficha Limpa”, caracterizada pelo pedido de exoneração do cargo de procurador da República enquanto havia pendentes de análise no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão responsável pela fiscalização e disciplina dos membros do Ministério Público, de procedimentos sobre sua atuação no Ministério Público Federal. Ocorre que não havia um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em andamento contra Dallagnol, mas sim 15 procedimentos de natureza diversa no CNMP, como reclamações e sindicâncias.
Nesse contexto, surge a controvérsia sobre se os procedimentos instaurados no CNMP contra Dallagnol poderiam ser equiparados a um processo administrativo disciplinar para fins de aplicação da inelegibilidade prevista na “Lei da Ficha Limpa”. Alguns argumentam que, uma vez que não existia um PAD formal, a cassação de seu mandato poderia ser questionada quanto à sua conformidade com os critérios estabelecidos na lei. A interpretação exata dos termos da “Lei da Ficha Limpa” e sua aplicação dependem de uma análise jurídica mais aprofundada e específica do caso. A polêmica levantada está relacionada à definição precisa do que constitui um "processo administrativo disciplinar" e se os procedimentos em curso no CNMP poderiam ser considerados como tal.
Essa celeuma ressalta a importância de um debate aprofundado sobre a aplicação da legislação eleitoral, especialmente em casos delicados que envolvem a inelegibilidade de candidatos políticos. É fundamental garantir que as interpretações da lei sejam feitas com base na análise criteriosa dos fatos e das circunstâncias, levando em consideração os princípios fundamentais do devido processo legal, da imparcialidade e da proporcionalidade.
A situação envolvendo Deltan Dallagnol e sua cassação de mandato com base na “Lei da Ficha Limpa” levanta questões polêmicas e requer uma análise aprofundada da legislação eleitoral, especialmente em relação à definição de "processo administrativo disciplinar". Essa polêmica destaca a importância de um sistema judiciário e do Ministério Público dotados de lisura e de independência, atuando de acordo com os princípios democráticos e de legalidade, a fim de que haja a preservação do Estado Democrático de Direito e a promoção da confiança da sociedade nos sistemas jurídico e político.
A aplicação da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann ao caso em questão pode oferecer uma perspectiva interessante para compreender os desdobramentos da polêmica. Luhmann propõe que os sistemas sociais, como o sistema jurídico e político, operam de forma autônoma e se baseiam em suas próprias regras e lógicas internas. Isso implica que as decisões e as ações dos indivíduos dentro desses sistemas são influenciadas por essas regras e lógicas, muitas vezes de maneira inconsciente. A Teoria dos Sistemas também pode auxiliar na compreensão das pressões e dinâmicas que podem ter influenciado nas ações de Dallagnol enquanto procurador da República atuante na Operação Lava Jato. Por exemplo, a busca por reconhecimento, a pressão para obter resultados em casos de grande repercussão e a interação com outros atores do sistema jurídico e político podem ter moldado suas decisões e comportamentos.
Além disso, a análise sob a ótica da Teoria dos Sistemas permite considerar a complexidade das interações entre os diversos sistemas sociais envolvidos nessa polêmica, como o sistema jurídico, o sistema político e o sistema da opinião pública. Cada um desses sistemas possui suas próprias dinâmicas e influências, que podem se entrelaçar e afetar o curso dos eventos. Compreender essas interações complexas é essencial para uma análise abrangente e aprofundada do caso.
A Teoria dos Sistemas também destaca a importância do equilíbrio entre os sistemas sociais para o bom funcionamento da sociedade. É fundamental que o sistema jurídico e o sistema político sejam independentes, garantindo a imparcialidade das decisões e a separação adequada de Poderes. A polêmica em torno da cassação do mandato de Dallagnol evidencia a necessidade de se manter uma vigilância constante sobre a integridade e a autonomia desses sistemas, buscando aprimorá-los e fortalecê-los para preservar os princípios democráticos e a confiança da sociedade.
Em conclusão, a aplicação da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann para a polêmica envolvendo Deltan Dallagnol permite uma análise mais profunda das dinâmicas e influências que permeiam o sistema jurídico e político brasileiro. A compreensão das regras internas desses sistemas, bem como das interações entre eles, é essencial para uma análise abrangente e para o fortalecimento das instituições democráticas. A Teoria dos Sistemas nos convida então a refletir sobre como garantir a imparcialidade, a autonomia e a transparência desses sistemas, visando ao aprimoramento contínuo do ordenamento jurídico e político no Brasil.