Direito penal do inimigo

17/07/2023 às 17:33
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Para Gunther Jakobs existem dois tipos de criminosos, sendo que o primeiro é o criminoso cidadão que pratica um delito por um fator qualquer, e o segundo é o criminoso inimigo, aquele que atenta diretamente contra o Estado, separando-se de maneira inalterável do Direito e, assim, não seria justificável oferecer as garantias processuais e constitucionais. Assim, o inimigo é considerado uma coisa, não sendo mais considerado um cidadão e nem um sujeito processual, pois quem não oferece segurança à sociedade não deve ser tratado como pessoa.

A punição seria com base no autor e não devido ao ato praticado por ele. Frise-se que esta designação tem maior destaque atualmente em razão de ataques terroristas ocorridos freqüentemente.

Jakobs propõe um direito diferenciado a pessoas de alta periculosidade, visto que para estas o direito penal do cidadão não se faz eficaz, assim, desta forma, os inimigos seriam os sujeitos criminosos, que cometem delitos de ampla crueldade, como crimes econômicos, crimes organizados, infrações penais perigosas, crimes sexuais, bem como terroristas.

“A reprovação não se estabelece em função da gravidade do crime praticado, mas do caráter do agente, seu estilo de vida, personalidade, antecedentes, conduta social e dos motivos que o levaram à infração penal. Há assim, dentro dessa concepção, uma culpabilidade do caráter, culpabilidade pela conduta de vida ou culpabilidade pela decisão de vida. (CAPEZ, 2005, p 115.).”

Desta forma, o direito penal do inimigo preza em eliminar todos aqueles que ofereçam à sociedade um risco, ou seja, não ofereçam uma garantia mínima necessária para que possam ser tratados como pessoas. De outra sorte, o direito tradicional, somente preconiza a conservação ou a manutenção da ordem.

Portanto, o indivíduo que não cumpre com o dever de cidadão, cuidando pela segurança estatal e desrespeitando normas cogentes impostas pelo Estado, deve ser este indivíduo banido da sociedade como cidadão, não devendo ser mais tratado como tal.

Desta forma, podemos dizer que todos aqueles que desobedecerem a uma norma do Estado, ou colocassem em risco a ordem e norma jurídica, como, por exemplo, práticas terroristas seriam aplicadas normas penais, removendo os direitos fundamentais.

Assim, o inimigo do Estado deveria ser condenado rapidamente, sem qualquer contraditório, ampla defesa, devido processo legal, ou qualquer outro preceito, ou seja, o preceito constitucional que reza o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, seria retirado para aqueles que colocassem em risco à norma jurídica e ou à ordem estatal.

Essa corrente é liderada pelo alemão Gunther Jakobs, o qual afirma que os inimigos não merecem quaisquer garantias fundamentais, visto que, não são seres humanos, e assim, não são regidos pela Constituição.

Gunther Jakobs, como acima ficou relatado, declarando que deve haver três pilares; antecipação da punição do inimigo; desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; criação de leis severas direcionadas à clientela (terroristas, delinqüentes organizados, traficantes, criminosos econômicos, dentre outros) dessa específica engenharia de controle social. Gunther relata ainda que deve existir dois tipos de direito: o primeiro voltado ao cidadão e o segundo voltado para o inimigo. O primeiro continuaria a ter o status de cidadão e, uma vez que infringissem a lei, teriam ainda o direito ao julgamento dentro do ordenamento jurídico estabelecido e a voltar a ajustar-se à sociedade, ou seja, dá-se uma oportunidade de restabelecer a validade dessa norma de maneira coercitiva. Neste episódio, o Estado não observa o sujeito como inimigo, mas sim apenas como autor de um delito habitual, ainda que cometendo um ato ilícito perante a sociedade sustenta seu papel de cidadão dentro do Direito.

Já o segundo seriam chamados de inimigos do Estado e seriam adversários, representantes do mal, cabendo a estes um tratamento rígido e diferenciado, ou seja, são autores de atos ilícitos, como delitos sexuais, ou pela ocupação profissional, assim como criminalidade econômica, tráfico de drogas, bem como a participação de uma organização criminosa, como por exemplo, terrorismo. Neste caso, o sujeito se separou do direito, não produzindo uma garantia cognitiva primordial para que ocorra o tratamento como se fosse uma pessoa, e desta forma devem ser tratados como inimigos, assim sendo, perderiam o direito às garantias legais, não sendo capazes de adaptar-se às regras da sociedade, devem ser afastados, ficando sob a tutela do Estado, perdendo o status de cidadão. Para Jakobs, tudo se reduz na consideração de pessoa ou não pessoa, de forma que para ele o inimigo não é uma pessoa, visto que o indivíduo não se manteve num Estado Democrático de Direito, não podendo participar dos benefícios dado ao conceito de pessoa.

É aplicado o devido processo legal a todo o sujeito que cometer um ato ilícito, que em decorrência deste será dada uma sanção. Para o Estado, ao inimigo não será aplicada à pena e sim uma medida de segurança - esta tem o fim de combater o perigo.

Já para o inimigo não se oferece esta garantia, devendo ser condenado por sua periculosidade e não conforme sua culpabilidade.

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Todavia, o direito penal do inimigo reza a não aplicação de muitas das garantias constitucionais, como, por exemplo, não ter o agente o direito de entrevista com o advogado, pois, aos adeptos deste direito, cabe ao Estado não adotar suas garantias. Revela ainda o direito penal do inimigo que, contra o agressor não se justifica um procedimento penal (legal), mas sim, um procedimento de guerra. Deste modo, a constituição é nitidamente contrária a qualquer tratamento diverso de respeito devido à pessoa humana. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com devido respeito à dignidade inerente ao ser humano. Do mesmo modo, aduz ainda a Constituição em seu artigo 5º, inciso XLIX, que é assegurado ao preso o respeito à integridade física e moral, estabelecendo de forma clara e evidente o tratamento humanitário em relação às pessoas que são condenadas. Frise-se ainda que entre os princípios da dignidade da pessoa humana corresponde também a vedações impostas pela Constituição Federal no que tange à aplicação da pena. Conforme o artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; Assim, conforme previsto pela Constituição Federal, ninguém poderá ser condenado a uma pena não permitida pela Constituição, desta forma, se um indivíduo que pratica um ato ilícito é condenado com qualquer uma das penas dito alhures será totalmente inconstitucional.

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Evidente a conjuntura do valor da dignidade da pessoa humana como princípio superior, fundamento de um Estado brasileiro.

Portanto, a adoção ao direito penal do inimigo seria em total contradição a Constituição Brasileira, pois afronta aos princípios do processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Deve-se frisar mais uma vez que a afronta a estes princípios representa o desrespeito ao principio da humanidade e da individualização das penas, no grau em que o inimigo, por perder o status de cidadão, poderia ser dominado a tratamentos cruéis, bárbaros, degradantes e humilhantes. Por isso, o direito penal do inimigo, adotado por Gunther Jakobs, é totalmente incompatível com a ordem jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988, primeiro por permitir a perda do caráter cidadão, e recusando a dignidade humana a ele. Em segundo lugar pelo perigo que o direto penal do inimigo, transmite visto que permitir que o Estado se torne um Estado autoritário, arrogante, ditatorial. Por estas razões que não é adotada essa doutrina do Direito Penal do Inimigo, pois afronta abertamente a Constituição Federal da República de 1988.

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PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Conforme o artigo 5°, inciso LIV, da Constituição Federal disciplina que: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Assim, nenhuma pessoa será julgada ao não ser por um juízo competente e ou pré-constituído.

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

No que tange ao Direito Penal, aplica-se o artigo 5°, inciso XLVI, caput, a qual se aplica de maneira implícita as garantias proporcionais ao delito cometido, no qual regula a individualização das penas, e ainda em seu inciso XLVII, disciplina sobre a proibição de determinadas penas.

APLICAÇÕES PRÁTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO BRASIL

Contudo, o artigo 52, §§ 1º e § 2º, da Lei n° 10.792/2003 expressa os aspectos da teoria do direito penal do inimigo:

Artigo 52: A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitas o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo de sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: § 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar os presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem altos riscos para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. § 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou condenando sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos.

Pode - se fazer referência ao autor Norberto Bobbio (2007, p. 115), no qual diz resumidamente que: “O problema atual não é mais fundamentar os direitos do homem, é sim protegê-los, ou melhor, não se trata de um problema de cunho filosófico, mas sim jurídico, em sentido amplo político”. Portanto, não pode ser aceitável em um Estado Democrático de Direito, preceitos contrários às normas fundamentais, aplicados na Constituição Federal brasileira, principalmente no que diz respeito à defesa do homem, assim sendo, o direito penal do inimigo não pode e não é resguardo na norma jurídica brasileira. O Direito Penal do Inimigo trata de uma ofensa ao princípio da ampla defesa, no qual constitui que não se pode constranger ninguém a produzir provas contra si mesmo, em que sua violação pode ser considerada um retrocesso no campo dos direitos fundamentais.

Para o professor Luiz Flavio Gomes: “Ninguém contesta que o estado deve intervir para evitar danos para o patrimônio e vidas das pessoas, contudo, dentro de um estado democrático de direito até mesmo o direito deve ter limites”. Portanto, mesmo que o Direito Penal do Inimigo não encontre amparo na Constituição Federal brasileira, verifica-se que com a nova lei em vigor o Direito Penal do Inimigo encontra-se presente ainda que implicitamente.

VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Assim punir não significa ofender a dignidade inerente a todo ser humano e sim uma forma de reparar o dano ocorrido a outrem e reintegra-lo ao convívio da sociedade depois do cumprimento da pena

Por todas as falhas em nosso sistema brasileiro, a melhor atitude a ser tomada não é a aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo, mas sim oferecer algumas alternativas ao Direito Penal do Inimigo, deve ser difícil a aceitação em um Estado Democrático de Direito, que se faz presente em nosso país.

Ainda mais difícil é a conseguir imaginar a divisão do povo brasileiro em duas classes, sendo os cidadãos e os não cidadãos, bem como a Constituição Federal brasileira atribui a igualdade de todos sem a distinção de qualquer natureza. Desta forma, se faz primordial a necessidade de propostas, referindo-se as mudanças legislativas referentes ao Direito Penal e das flexibilizações das garantias processuais penais, seria primordial também fortalecer as sanções penais de determinados atos ilícitos, assim como a colocação de novos delitos, em medida que surge novos fatos sociais.

Frise-se que o Direito é fato, valor e norma, existe deste modo então a possibilidade que sempre surja um novo comportamento humano ou que sempre mude o comportamento humano, de modo a despertar a atenção do Direito Penal “fato”, “valor’ e surgindo assim a ”norma”.

Concluímos então, que o Direito Penal do Inimigo, deve originar diferentes ponderações, ao contrario de criticas sem propostas ou alternativas de solução para o problema.

Ressalta-se ainda que não é possível fazer dentro de um Estado Democrático de Direito, a distinção de cidadão ou inimigo, visto que não se pode destoar o Direito Penal, já que não temos um sistema concreto e seguro para a aplicação deste, oferecer então soluções racionais, proporcionais e de forma efetiva para a solução para fatos de alta gravidade que se repetem a cada dia, alastrando medo na sociedade, com a sensação de impunidade que paira sobre nós, e que acabam p por abater o próprio Estado de Direito Democrático, o qual se perfaz na segurança publica.

Portanto os inimigos hoje são traficantes, homicidas, terroristas, funcionários públicos corruptos, que se alastram pela sociedade. Verifica-se que antigamente, o Direito Penal se dedicou a perseguir inimigos imaginários, como forma de controle social, no entanto hoje os inimigos são outros, não podendo mais o Brasil viver de passado, sendo que é evidente que toda sociedade muda, assim como mudam também os criminosos, desta forma nada mais correto do que o ordenamento jurídico mudar juntamente com estas.

Sobre o autor
Vinicius Azevedo Viana

Graduado em Direito pela Faculdade Anísio Teixeira (FAT)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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