O art. 38 da Lei Federal n° 8.666/93, define os elementos formais obrigatórios dos processos licitatórios e estabelece uma sugestiva cronologia para a juntada de documentos no processo, tanto na fase interna quanto na fase externa da licitação.
No inciso VI, o referido art. 38, cita a juntada de pareceres, técnicos ou jurídicos, sendo que o Parágrafo único ressalta que as peças licitatórias devem ser examinadas previamente pela assessoria jurídica do órgão/ente:
Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
[...]
VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade;
[...]
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.
Sobre o parecer jurídico, não é recente a discussão sobre o seu alcance ou a sua finalidade. Embora opinativos, os pareceres analíticos de minutas se concentram na investigação de legalidade das peças licitatórias. Significa que a sua atuação no processo atestará que, sob o viés jurídico, as cláusulas e a estrutura das minutas apresentadas, edital, termo de referência e contratos/convênios, gozam de legalidade.
Nesse ponto, o Tribunal de Contas da União - TCU, diagnosticando cláusulas restritivas de qualificação técnica em determinado certame, entendeu pela responsabilidade da assessoria jurídica de determinado município, pois, na atuação prescrita pelo art. 38, VI e Parágrafo único, o Jurídico não apontou pela necessidade de correção das cláusulas restritivas:
Acórdão 7289/2022 Primeira Câmara (Representação, Relator Ministro Vital do Rêgo) Responsabilidade. Licitação. Parecer jurídico. Fundamentação. Parecerista. Qualificação técnica. Competitividade. Restrição. A elaboração de parecer, com base no art. 38 da Lei 8.666/1993, aprovando minuta de edital de licitação contendo exigências de qualificação técnica que restringem indevidamente a competitividade do certame pode ensejar a responsabilização do parecerista jurídico.
Contextualizando, as qualificações técnicas são documentações exigidas, a título de habilitação, que visam apurar as condições técnicas do licitante em assumir, eventualmente, o objeto licitado. Seja conferindo a experiência anterior com objetos - ou parcela, similares ao que se está licitando - seja investigando as condições estruturais/operacionais do licitante e/ou a qualidade de sua equipe técnica. Essas exigências são extremamente acauteladas pelos Tribunais, pois, como variam em cada objeto, tanto os quantitativos, as parcelas do objeto as quais irão incidir e até mesmo as documentações que poderão ser exigidas, são aspectos sensíveis, que se não refletidos adequadamente ensejam, de fato, em restritividades indevidas, ou seja, acabam cerceando a participação de potenciais interessados de maneira injustificada ou desproporcional.
Portanto, o TCU entendeu que a omissão da assessoria jurídica na análise das cláusulas com potencial restritivo, é elemento capaz de culminar em responsabilização do órgão jurídico.
A conexão da decisão citada com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
A Lei Federal n° 14.133/21, esclareceu as finalidades do parecer jurídico, sua condição de análise prévia de legalidade, e indicou a sua forma, os pontos mínimos a serem alcançados pelo parecer, detalhando ainda mais o seu papel e a forma no art. 53, Parágrafo 1°, I e II:
Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I - apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II - redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
Outra inovação da Lei, que consta no art. 10, foi prever o direito de representação, judicial ou administrativa, dos servidores/autoridades atuantes no processo licitatório pelo órgão de assessoramento jurídico da Administração, quando acatarem suas orientações e elas atraírem apurações/contestações/responsabilidades. Tratando-se de verdadeiro direito dos servidores, de serem representados em eventuais reflexos administrativos ou judiciais dos atos advindos dessa orientação. Existem situações específicas na Lei que afastam esse direito de representação. Veja:
Art. 10. Se as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico elaborado na forma do § 1º do art. 53 desta Lei, a advocacia pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial.
Conclusão
Desse modo, o Tribunal de Contas da União – TCU tem entendido que a apreciação jurídica de minutas licitatórias, com fulcro no disposto pelo art. 38 da Lei Federal n° 8.666/93, conduz um dever de análise sobre eventuais restritividades no tocante às qualificações técnicas, parcela das exigências de habilitação que pode impactar significativamente no universo de interessados. De modo que, a omissão jurídica de correção de eventuais excessos dessa natureza, pode ensejar em responsabilização dos pareceristas.
Referência