RESUMO
Diante do desafio de modernização da gestão governamental e do paradigma da eficiência e da efetividade das políticas públicas, aliados ao desenvolvimento do controle social, em um contexto impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico das redes de comunicação e de computação de dados, observa-se a boa governança pública como diferencial que tem ganhado força no setor corporativo e que, por arremate, não pode ser negligenciado pelo setor público. Nesse paradigma, temos os Tribunais de Contas como órgãos independentes, de estatura constitucional e de papel republicano enquanto estruturas de permeio ao exercício dos poderes constituídos, o que revela uma vocação institucional natural para a atuação na condição de vetores para o desenvolvimento da boa gestão e, por consequência, da boa governança. Buscou-se pelo presente estudo apontar o atual estágio do debate sobre governança pública em âmbito nacional, bem como identificar os potenciais para a intensificação da atuação dos Tribunais de Contas no que tange à avaliação e ao desenvolvimento da governança pública das organizações nacionais, observando não só o histórico dessa atuação, mas também os potenciais para o seu desenvolvimento e aprofundamento. A presente pesquisa teve por abordagem o levantamento bibliográfico e documental. Observou-se que o foco dado pelos Tribunais de Contas em relação ao tema de governança, desde o ano de 2013, teve o condão de expor a fragilidade existente em relação ao ambiente institucional de governança em âmbito nacional (e não apenas federal), gerando evoluções normativas que, contudo, têm pela frente o desafio de se configurar no mundo dos fatos das organizações públicas nacionais.
Palavras-chave: Governança Pública. Tribunais de Contas. Controle Externo. Gestão Pública. Auditoria Governamental.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade buscar uma maior compreensão sobre a relação entre a atuação dos Tribunais de Contas com a questão do desenvolvimento da boa governança corporativa no âmbito entes públicos.
Para tanto, partiu-se do levantamento dos conceitos fundamentais relacionados à governança pública e ao desenvolvimento do tema em âmbito nacional, sob a ótica dos referenciais teóricos publicados, dos trabalhos de fiscalização já realizados pelos Tribunais de Contas e da recente publicação do Decreto 9.203 de novembro de 2017, que dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
A pesquisa tem por objetivo de verificar o atual estágio do tema e investigar os potenciais benefícios decorrentes da ampliação dessa lógica de fiscalização estruturante, que parte da premissa de que um ambiente bem definido para o planejamento e execução das políticas públicas pode gerar resultados positivos no que diz respeito ao atingimento das missões institucionais e com vias ao alcance de metas pré-estabelecidas, aprimorando o desenvolvimento de um ambiente forte de controle e de compliance, com benefícios para a população em geral, para o aumento do profissionalismo da gestão pública e para o estímulo e desenvolvimento do controle social.
2 O ATUAL ESTÁGIO DA GOVERNANÇA PÚBLICA NO BRASIL
2.1 A recente publicação do Decreto nº 9.203/2017
O tema governança pública, embora relativamente novo em relação à Administração Pública brasileira, tem crescido em destaque no âmbito nacional, culminando com a publicação, aos 22 de novembro de 2017, do Decreto nº 9.203, que regula a política de governança da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional.
Para os efeitos do referido decreto, nos termos do seu art. 2º, inciso II, considera-se que governança pública é “o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade;”. Ainda nessa linha, em seu artigo 3º, o decreto estabelece seis princípios da governança pública, que são: 1- capacidade de resposta; 2- integridade; 3- confiabilidade; 4- melhoria regulatória; 5- prestação de contas e responsabilidade, e 6- transparência.
O documento normativo revela uma importante preocupação com os aspectos da estabilidade, da perenidade e do planejamento da gestão pública, com ênfase para gestão de riscos (capacidade de resposta) e na integridade da estrutura administrativa com vistas ao atendimento dos desafios institucionais da Administração Gerencial.
Para tanto, estabelece o artigo 19 do decreto que “os órgãos da administração direta, autárquica e fundacional instituirão programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção, estruturado nos seguintes eixos: I - comprometimento e apoio da alta administração; II - existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade; III - análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e IV - monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade.”
De fato, o novel decreto normativo estabelece premissas bastante modernas para o aperfeiçoamento da gestão no âmbito federal, tendo por fundamento parâmetros relacionados ao aprimoramento de processos e à melhoria do ambiente de liderança, de controle e de riscos. Contudo, existe a necessidade de se trabalhar a efetivação desses conceitos, de modo a aproximar a realidade da gestão pública ao ideal teórico formulado e, agora, normatizado. Nesse sentido, ganha relevância o papel dos controles institucionais, ou seja, dos órgãos de controle interno e externo no que diz respeito ao fortalecimento da governança da gestão.
2.2 Os princípios de governança da Instrução Normativa Conjunta nº 01 de 2016 - Ministério do Planejamento e CGU
Como vimos, o Decreto Federal 9.203/2017 estabelece a lógica de boa governança, ou seja, de fortalecimento da gestão da coisa pública. De fato, esse normativo consolida, em âmbito federal, princípios de gestão que foram instituídos pela Instrução Normativa Conjunta nº 01 de 2016, publicada pelo Ministério do Planejamento e pela Controladoria Geral da União - CGU, ao dispor sobre “controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo Federal”.
A referida instrução estabeleceu, em seu artigo 22, que os “riscos e controles internos devem ser geridos de forma integrada, objetivando o estabelecimento de um ambiente de controle e gestão de riscos que respeite os valores, interesses e expectativas da organização e dos agentes que a compõem e, também, o de todas as partes interessadas, tendo o cidadão e a sociedade como principais vetores.”.
Os referidos instrumentos normativos representam importante sinalização quanto à intenção de modernização e aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão pública no âmbito federal. Nesse sentido, observa-se uma intrínseca relação entre a boa governança e o fortalecimento do controle social, cuja ênfase está no estímulo à atuação do cidadão, enquanto titular do poder político, para que exerça um papel de colaborador no atingimento dos objetivos públicos, valendo-se do acesso à informação transparente, organizada e sistematizada, tanto no que tange às metas idealizadas e ao planejamento de riscos como em relação aos resultados alcançados ao longo do exercício da gestão.
2.3 O início do debate sobre governança no âmbito federal: Referencial Básico de Governança no TCU
Conforme visto até aqui, os últimos anos deram fruto a dois relevantes documentos normativos de âmbito federal no que diz respeito ao tema governança pública: o Decreto nº 9.203/2017 e a Instrução Normativa Conjunta nº 01 de 2016. A partir da análise dos documentos em questão, não é possível notar a forte influência recebida por parte do Referencial Básico de Governança, material publicado pelo Tribunal de Contas da União (TCU, 2013).
Inovador em relação ao tema no que diz respeito à Administração Pública brasileira, o sobredito referencial define que "a boa governança pública pressupõe a existência de uma liderança forte, ética e comprometida com os resultados; de uma estratégia clara, integrada, eficiente e alinhada aos interesses sociais; e de estruturas de controles que possibilitem o acompanhamento das ações, o monitoramento dos resultados e a tempestiva correção de rumos, quando necessário".
No que diz respeito à governança, o referido documento a classifica em três funções, quais sejam: avaliar, direcionar e monitorar, que se executam na forma de mecanismos de liderança, estratégia e controle. Esses mecanismos são estabelecidos pelas lideranças das próprias instituições, na forma de seus normativos e regulamentos. Para tanto, o papel dos Tribunais de Contas diz respeito à garantia da racionalização dos gastos públicos, por meio da avaliação dos ambientes de controle e de governança da gestão pública, por meio de auditorias e levantamentos.
Nos termos do material, “Em essência, a boa governança pública tem como propósitos conquistar e preservar a confiança da sociedade, por meio de conjunto eficiente de mecanismos, a fim de assegurar que as ações executadas estejam sempre alinhadas ao interesse público.”. Nesse sentido, o referencial está alinhado com a definição do Banco Mundial para o termo governança, no sentido de que “ governança diz respeito a estruturas, funções, processos e tradições organizacionais que visam garantir que as ações planejadas (programas) sejam executadas de tal maneira que atinjam seus objetivos e resultados de forma transparente. Busca, portanto, maior efetividade (produzir os efeitos pretendidos) e maior economicidade (obter o maior benefício possível da utilização dos recursos disponíveis) das ações.”1
2.4 Fiscalização coordenada de governança em âmbito nacional pelos Tribunais de Contas
O referencial de boa governança, publicado em 2013 pelo Tribunal de Contas da União, foi objeto de fiscalização coordenada de âmbito nacional, por meio de cooperação do Instituto Rui Barbosa (IRB) e da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON) com o próprio TCU e com outros 26 Tribunais de Contas Brasileiros, na forma de levantamento sobre o estágio de governança nos órgãos públicos brasileiros, no ano de 2014.
Segundo informações constantes do portal de governança do TCU2, o levantamento foi realizado por meio de questionários eletrônicos destinados aos dirigentes das organizações pesquisadas, ao passo que as informações recebidas foram consolidadas em relatórios gerenciais, customizados para cada entidade respondente, de modo a possibilitar o aproveitamento do diagnóstico pelos gestores envolvidos nos processos institucionais de planejamento.
O referido levantamento foi renovado no ano de 2017, de modo a verificar a evolução do tema desde a primeira fiscalização, tendo a equipe responsável concluído que “Os resultados obtidos (...) sugerem deficiências na maior parte da Administração Pública Federal (APF). A maior parte dos respondentes apresentaram baixa capacidade nos cinco temas avaliados. Tais limitações podem estar aumentando a exposição dessas organizações a riscos relevantes, e reduzindo a capacidade de alcance de resultados.”3.
2.5 Sobre a importância das auditorias para o desenvolvimento da Governança Pública
Conforme vimos, a atuação dos Tribunais de Contas na forma do estabelecimento de um referencial nacional de boa governança público e da consequente realização de levantamentos quanto ao estágio de amadurecimento da governança de órgãos públicos no âmbito nacional teve o condão de estimular o desenvolvimento de normativos, ao menos em âmbito federal, cuja finalidade é a instituição e desenvolvimento dessa área no setor governamental brasileiro.
Nesse sentido, é importante ter em mente que a função administrativa de controle, seja ele interno ou externo, desempenha importante papel como garantia do regime democrático de direito, servindo como garantia republicana no que tange às relações entre o Estado e a sociedade.
Para tanto, a Constituição da república assegura aos Tribunais de Contas a qualidade de órgão de controle externo, que atua auxiliando o Poder Legislativo na função de controle que este exerce em relação aos poderes instituídos. Nesse sentido, temos o sistema de controle de contas enquanto estrutura de permeio à gestão pública, agindo de forma destacada da estrutura de gestão pública com a finalidade de realizar fiscalizações e diagnósticos no que diz respeito aos aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade da gestão (art. 71 da Constituição).
De fato, observa-se uma clara interseção entre a missão constitucional conferida aos Tribunais no que tange ao controle externo da gestão e ao próprio conceito de governança pública, uma vez que ambos encontram fundamento na estabilidade das instituições políticas e na existência de mecanismos que assegurem a ética e a transparência dos atos e ações de governo.
Essa é, ademais, a lição dos Professores Gleison Mendonça Diniz e Juraci Muniz Júnior, em artigo sobre o tema4, para quem “a prática de boa governança no setor público caracteriza-se como resposta aos desafios da globalização em termos de efetividade, eficiência e responsabilidade que enfrenta a administração pública.”. Apontam os referidos autores que a avaliação de desempenho na Administração Pública representa avanços de ordem técnica, ao valorizar a função de avaliação para a Administração Pública e, ainda, uma evolução de caráter político, ao guarnecer a sociedade de recursos para avaliar os programas e projetos apresentados pelos seus representantes e pelos elaboradores de políticas públicas.
3 METODOLOGIA
A presente pesquisa teve por abordagem o levantamento bibliográfico e documental relacionado ao tema estudado (governança pública), incluindo os referenciais teóricos publicados sobre o tema pelas instituições nacionais e internacionais responsáveis pelo controle e desenvolvimento da gestão pública e dos trabalhos já realizados por Tribunais de Contas e seus respectivos reflexos na regulamentação sobre o tema. Sobre o acervo pesquisado, buscou-se uma análise crítica em conjunto com a finalidade de contribuir para a compreensão do tema e propiciar uma melhor compreensão acerca do desenvolvimento da atuação dos órgãos envolvidos no que diz respeito ao desenvolvimento da boa governança nas entidades públicas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO
O que se observa a partir do confronto dos resultados dos levantamentos realizados nos anos de 2014 e de 2017 com o conteúdo do referencial do TCU e da resolução conjunta do Ministérios do Planejamento com a CGU, publicados em 2013 e 2016, respectivamente é que o foco dado pelos Tribunais de Contas em relação ao tema teve o condão de expor a fragilidade existente em relação ao ambiente institucional de governança em âmbito nacional (e não apenas federal). Como reflexo dessa atuação, observou-se uma notável evolução no campo normativo, decorrente da edição da Instrução Normativa Conjunta nº 01 de 2016 - Ministério do Planejamento e CGU e do Decreto 9.203/2017 do Governo Federal.
Contudo, ainda existe uma deficiência considerável entre essas inovações normativas e a situação fática de governança das entidades da Administração Pública brasileira, tanto em âmbito federal quanto nas esferas estadual e municipal. Nesse sentido, a publicação do Decreto 9.203 pelo governo federal consolida a intenção de fortalecimento desse aspecto da Administração Pública, tendo incorporado os bem desenvolvidos conceitos constantes dos trabalhos realizados pelo TCU (Referencial de Governança - 2013) e pela CGU (Instrução Normativa Conjunta nº01/2016), que trazem conceitos modernos de governança, tomando por base as melhores práticas consagradas internacionalmente..
Ademais, para que os princípios estabelecidos nos respectivos normativos venha a ter efetiva aplicação no sentido de uma modernização da estrutura gerencial dos órgãos envolvidos, mostra-se imprescindível, diante desse novo paradigma, a atuação dos órgãos de controle no que diz respeito à efetiva implementação dessas diretrizes, o que pode ser realizado, por exemplo, a partir do desenvolvimento de trabalhos de auditoria governamental.
Para tanto, no âmbito nacional, já se afigura possível a realização de auditorias de conformidade tendo por critério as diretrizes da Portaria de 2016 e do Decreto de 2017, cujos tendo em vista a necessidade de atendimento, pelos gestores, aos referidos normativos.
Por sua vez, quanto aos demais Tribunais de Contas, que atuam na fiscalização dos entes estaduais e municipais, a falta de sujeição dos referidos gestores ao decreto federal não impede a realização de auditorias operacionais (também conhecidas como auditorias de boas práticas ou de resultados), tendo por objeto a avaliação do ambiente de controle consoante as boas práticas consolidadas no referencial de 2013 e dos próprios normativos federais, que podem ser utilizados como critério de avaliação de boas práticas.
5 REFERÊNCIAS
SILVA, Flávia de Araújo; MARTINS, Túlio C. P. Machado e CKAGNAZARIFF, Ivan Beck - “Redes organizacionais no contexto da governança pública: a experiência dos Tribunais de Contas do Brasil com o grupo de planejamento organizacional”, Revista do Serviço Público Brasília 64 (2): 249-271 abr/jun 2013
Diniz, Gleison Mendonça e Muniz Júnior, Juraci, “A Contribuição Da Auditoria Operacional Executada Nos Tribunais De Contas Para As Boas Práticas De Governança Pública: Uma Proposta De Pesquisa À Luz Da Filosofia.” - disponível em http://www.pgj.ce.gov.br/esmp/publicacoes/Edital-02-2013/Artigos/02-Gleison.Mendonca.Diniz.pdf
Kissler, Leo e Heideman, Francisco - “Governança pública: novo modelo regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade?”, disponível em http://expertisegestaopublica.blogspot.com/2010/06/governanca-publica-novo-modelo.html
Oliveira, Odilon Cavalieri de - “A instrução processual no Tribunal de Contas da União em face de um processo célere e consistente juridicamente: os desafios dos novos tempos” - Revista do TCU, ano 38, número 108 jan/abr 2007
Brasil. Tribunal de Contas da União. Referencial para avaliação de governança em políticas públicas / Tribunal de Contas da União. – Brasília : TCU, 2013.
Brasil. Tribunal de Contas da União. Referencial para avaliação de governança em políticas públicas / Tribunal de Contas da União Versão 2. – Brasília : TCU, 2014.
Dez passos para a boa governança/Tribunal de Contas da União. – Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014.
Levantamento de Governança na União, Estados e Municípios, disponível em: https://portal.tcu.gov.br/governanca/projetos-relacionados/governanca-publica/
Referencial básico de governança aplicável a órgãos e entidades da administração pública/Tribunal de Contas da União. Versão 2 - Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014
Referencial para avaliação de governança em políticas públicas/Tribunal de Contas da União. – Brasília : TCU, 2014.
WORLD BANK, 2013, apud TCU - Referencial Básico de Governança - Versão 2 - 2014, fl, 31︎
https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/organizacional/levantamento-2014/︎
Relatório de Levantamento TC 017.245/2017-6, Fiscalização 228/2017, Relator: Bruno Dantas︎
Diniz, Gleison Mendonça e Muniz Júnior, Juraci, disponível em http://www.pgj.ce.gov.br/esmp/publicacoes/Edital-02-2013/Artigos/02-Gleison.Mendonca.Diniz.pdf︎