O impacto da solidariedade intergeracional na dinâmica do regime de repartição simples e de “capitalização”.

Leia nesta página:

O IMPACTO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NA DINÂMICA DO REGIME DE REPARTIÇÃO SIMPLES E DE “CAPITALIZAÇÃO”

Tatiana Conceição Fiore de Almeida1

PALAVRAS-CHAVE Sistemas Previdenciários; Repartição simples; Capitalização Total; Sistemas Mistos; Solidariedade Intergeracional; Impacto do Princípio da Solidariedade; Dinâmica Estatística- Demográfica.

RESUMO

Entre projetos reformistas que pretendem resolver um dos maiores entraves ao desenvolvimento brasileiro, qual seja a falência econômica do setor público, e entre as mirabolantes estratégias, vira e mexe resvalamos na Capitalização da Previdência, através de uma polpuda cesta de ações mais valorizadas do mercado e sua autonomia para poder ser planejada em longo prazo, a estrutura baseada em equilíbrio orçamentário e a prática atuarial de considerar separadamente subgrupos populacionais com marcantes diferenças em seus níveis e estruturas de mortalidade. Enquanto que a Previdência Social implica as transferências intergeracionais que se fundamentam na existência e manutenção de uma solidariedade e dinâmica estatística-demográfica.

INTRODUÇÃO

Muito se fala Capitalização e Repartição Simples – aliás este tema que nunca saiu de pauta, ressurgiu e ganhou novos contornos o diálogo nos debates da Reforma da Previdência Social, quando o Ministro da Economia Paulo Guedes, tentou incluir na proposta enviada ao Congresso em fevereiro de 2019, a previsão de um regime de capitalização, sob a justificativa de que: “A capitalização é uma espécie de poupança que o próprio trabalhador faz para assegurar a aposentadoria no futuro, enquanto que o regime atual é o de repartição, pelo qual o trabalhador ativo paga os benefícios de quem está aposentado”.

O que o Governo Federal não contou à Nação é que o projeto de reformista de capitalizar a previdência social tratava de um projeto de reforma fiscal que pretendia resolver um dos maiores entraves ao desenvolvimento brasileiro, a falência econômica do setor público.

O objetivo aqui não é discutir o projeto em si, o que mereceria até um comentário especial ousando comparar com as tentativas anteriores, mas apenas abordar responsabilidade social, da Previdência, sob a perspectiva do impacto da solidariedade intergeracional.

Ao migrarmos de Repartição Simples para Capitalização, a pergunta que me faço é, diante da dinâmica demográfica, qual o Custo desta transição?

E diante de uma comparação teórica entre as características do sistema de repartição simples e o de capitalização total, e examinando alterações específicas que podem afetá-los como os índices de mortalidade e fecundidade, se de fato essa proposta serviria para "democratizar" o sistema previdenciário, "acelerar" o ritmo de crescimento e "estimular" o aumento de produtividade.

E dentro de todo esse conjunto de análises tenho realizado conjecturas sobre um sistema misto, que incorpora na sua forma de estruturação, aspectos desses dois modelos de sistemas previdenciários.

O IMPACTO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NA DINÂMICA DO REGIME DE REPARTIÇÃO SIMPLES E DE “CAPITALIZAÇÃO.

O Princípio da solidariedade consiste na responsabilidade coletiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento.

Nos termos do artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o qual preceitua que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; para garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; com a finalidade de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Importante destacarmos que embasado no artigo 8º, da Lei n.º 4 de 16 de janeiro de 2007, o princípio da solidariedade concretiza-se: no plano nacional, no plano laboral e no plano intergeracional.

No plano nacional, através da transferência de recursos entre os cidadãos, de forma a permitir a todos uma efetiva igualdade de oportunidades e a garantia de rendimentos sociais mínimos para os mais desfavorecidos; no plano laboral, através do funcionamento de mecanismos redistributivos no âmbito da proteção de base profissional; e no plano intergeracional, através da combinação de métodos de financiamento em regime de repartição e de capitalização.

Desta feita, importante esclarecer que a solidariedade deverá assumir papel subsidiário e não exclusivo, como panaceia de eventuais insustentabilidades.

Ouso aqui até a reproduzir Carlos Marti Buffil, quando o In Derecho de Seguridad Social – Las prestaciones, Madri, 1964, p. 46/7; quando diz: “[...] Realmente se o estado assumir de forma integral a solução dos problemas econômicos individuais, mantendo por intermédio das prestações previdenciais a mesma renda que o segurado recebia antes da ocorrência da contigência, o sentimento de responsabilidade individual ficará debilitado”.

Lembrando o que diz Mose Casteliano, em La sicurezza sociale e le improvvisazioni in Revista “Previdência Sociale” apude Ercole Screbo. Condições e limites da seguridade social, revista “Previdência Social”, INPS, n.º 14, 1969, p. 50. “[...] o excesso de seguridade social reduziu os trabalhadores a assistidos passivos, prontos a imprecar contra qualquer pagamento de impostos e reclamando sempre um aumento de prestações, outorgadas com o aparente caráter de gratuidade”.

No âmbito do direito previdenciário, não obstante o estado social tenha o papel de garantir aos seus membros um nível adequado de realização dos direitos à segurança social e, para tanto, deva sempre levar em conta o princípio da solidariedade intergeracional; os demais atores que participam do sistema também tem o dever de observar tal princípio.

Isso porque a concessão banalizada de benefícios, sem a observância de critérios preestabelecidos prejudica diretamente não somente o próprio sistema securitário, mas também outros setores da sociedade uma vez que implica em certa medida na falta de recursos para a garantia de direitos como saúde, educação, habitação etc..

Se a previdência social, por sua natureza, é técnica-científica desenvolvida com vistas nas gerações futuras, compreendo que os recursos amealhados devem ser preservados por décadas, e para tanto seria necessários planos em longo prazo, tomando como base a dinâmica demográfica, e expertise matemático-financeiro, atuaria e estatística, - e isso não aconteceu, nem está acontecendo.

O modelo de 1923 (Eloy de Miranda Chaves), baseado na Alemanha de 1883, pensado por Otto Von Bismarque envelheceu no pós-guerra diante do processo de industrialização e urbanização. O modelo de 1954, da Inglaterra de 1942, escrito pelo Willian Beveridge, descrito na LOPS, foi incapaz de suportar as transformações econômicas e sociais supervenientes, de modo que os pequenos superávits autorizaram a criação de novos benefícios, obrigando a Constituição de 1967 a dispor sobre a precedência do custeio e défcits determinaram a majoração da alíquota ou da base de cálculo.

Digo isso, pois desde a implantação da experiência chilena se pretende a privatização segmental, parcial ou total da previdência social, compromissados com o lucro, objetivando tão somente benefícios de risco programados, sob o regime financeiro de capitalização, baixa ou nenhuma solidariedade num país onde uma parcela significativa da população não tem capacidade contributiva, assistencializando ainda mais o sistema previdenciário.

A pressão social é legitima, porém contrária aos interesses da distribuição de rendas e riquezas, sendo um abissal retrocesso em matéria de proteção social, se em 1970, tínhamos uma complexa estrutura industrial e um mercado urbano crescente integrado, mas com baixos salários, pobreza absoluta e concentração da renda; em 1988 observamos uma alteração dinâmica do mercado de trabalho, com ampliação da informalidade; em 1990 o Brasil do crescimento e da mobilidade social parece ter desaparecido, esvanecendo o sonho de uma melhor distribuição de renda e de uma sociedade mais justa, reforçou o discurso neoliberal para a reforma da previdência, sob forte justificativa da grave situação financeira do sistema de proteção social, aglomerado no Sistema Nacional de Seguridade Social.

Em todas as reformas da previdência, o apego a dados econômicos, de altas taxas de desemprego, comprometendo a arrecadação das receitas de contribuição, aumenta de despesas com programas sociais, problemas com equilíbrio atuarial na relação contribuintes – beneficiários, e dados demográficos de taxa de fecundidade / envelhecimento populacional, versus taxa de mortalidade, fragilizou os princípios da proteção previdenciária, entre eles o da Solidariedade, na modalidade intergeracional.

A solidariedade intrageracional é pressuposto da solidariedade intergeracional.

Enquanto solidariedade horizontal, diante de situações de crise econômico-financeira, destaca-se como extremamente importante para diminuir o fracasso do papel estatal na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse contexto, para que tal solidariedade possa atuar de forma mais efetiva, essencial que sejam estimuladas praticas de transparência e de publicidade por parte do poder público.

A solidariedade intergeracional, uma vez que representa uma dimensão mais recente de solidariedade, tem intrínseco vínculo com a sustentabilidade, a qual é condição inerente não só para a existência do meio ambiente, mas também para a previdência.

Para o direito previdenciário o raciocínio é que os recursos custeados devem ser utilizados racionalmente para que a previdência social consiga alcançar da melhor forma possível o seu escopo mesmo com a limitação de recursos financeiros.

A equidade intergeracional tem três dimensões: a filosófica; a jurídica; a política.

A dimensão filosófica da equidade intergeracional desenvolve a teoria da responsabilidade, cujo arquétipo é o da responsabilidade parental, para explicar como é necessário um (novo) imperativo categórico que ultrapasse a noção kantiana de dignidade da pessoa humana e de solidariedade com o outro, baseada em uma (nova) responsabilidade, ínsita à existência do próprio ser e em relação não só à vida humana;

A dimensão jurídica da equidade intergeracional, assenta três princípios: o da diversidade das opções; o da conservação da qualidade; o da conservação do acesso. A observância desses princípios é fundamental à existência e desenvolvimento das futuras gerações.

Ambos se aproximam quando defende essa necessidade de um dever de cuidado das futuras gerações e seus recursos, o que implica em um compromisso ético-jurídico, o qual se traduz em uma palavra – responsabilidade, e é exatamente aqui que a equidade intergeracional tem na ideia-chave da ética da responsabilidade e de um dever para com o futuro, como seu fundamento ético-filosófico.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

As questões envolvendo a equidade intergeracional são debatidas tanto no plano da Teoria Geral do Direito como no próprio Direito Previdenciário sobre a necessidade de nossa geração, sendo a beneficiária do legado transmitido pelas gerações passadas, tornar-se a guardiã do que é “capitalizado” pelo sistema para as gerações futuras.

Já a equidade intergeracional política recai sobre o interesse nas futuras gerações. Falar em futuras gerações, sobre pessoas indeterminadas, que não estão aqui ainda e não se sabe quando estarão, suscita uma série de problemas, principalmente quando se adentra o campo do Direito, por natureza pragmático e imediatista. Como conferir direitos a quem não tem existência nem representação? E por que razão a humanidade, também pragmática e imediatista, se preocuparia em assegurar tais direitos?

Há distintas teorias sobre justiça intergeracional, a de John Rawls situa os contratantes originais, aqueles que definirão os princípios de justiça estruturadores da sociedade, atrás de um véu de ignorância, sem qualquer informação a seu próprio respeito ou acerca dos demais; ao lado dela há a utilitarista de agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar, por Jeremy Bentham e John Stuart Mill; a do liberalismo lockeano onde qualquer poder estatal que não garantisse a vida dos cidadãos e o direito à propriedade privada não seria legítimo; a da reciprocidade indireta cooperação condicional de acordo com as normas; de Brian Barry; a das vantagens mútuas, onde todos podem sair ganhando (Gauthier); a do suficienticismo a qual devemos melhorar a situação de todos, de Brundtland; e a do igualitarismo revisitado, de Ronald Dworkin e Hannah Arendt.

As razões são diversas, mas da matriz constitucional, de onde tudo decorre com repercussão nas políticas públicas relativas aos objetivos da seguridade, observamos que é da gênese do liberalismo igualitário, descende a estrutura de princípios liberais à proteção social, com princípios de ordem neoliberal e de ordem neoconstitucional.

O Sistema Nacional de Seguridade Social é antagônico, entre o princípio de igualdade equitativa de oportunidades, e o da justiça social, isso porque, a democracia liberal, haurida no liberalismo igualitário, pressupõe o desenvolvimento como liberdade exigindo como corolário a liberdade individual como comprometimento social, mas com os fins e os meios do desenvolvimento para o sentido coletivo; e partindo da concepção de democracia política tem-se através do trabalho e livre iniciativa, vincula as políticas públicas do Estado do bem-estar social à produção de resultados políticos concretos que ratifiquem o critério de justiça social constitucional.

Tudo isso justifica o porquê vigora no Regime Geral da Previdência Social brasileiro o regime previdenciário de repartição simples (pay as you go), de filiação obrigatória, e pressupõe que quem está trabalhando paga os benefícios dos aposentados e pensionistas atuais. Logo, as gerações vindouras suportarão as aposentadorias da geração de agora.

Esse regime está fundamentado, portanto, numa situação demográfica de significativa reposição populacional, na qual a base da pirâmide etária será sempre proporcionalmente mais larga do que o vértice.

O Sistema de repartição simples estrutura-se a partir de equilíbrios orçamentários de períodos transversais (imediatos), onde parte da renda dos ativos é revertida aos aposentados, enquanto que o sistema de capitalização total baseia-se em equilíbrios orçamentários longitudinais (em longo prazo), onde os pagamentos efetuados por todos os participantes são e empregados na constituição de um fundo necessário para os pagamentos das obrigações futuras relativas a contingências ou eventos não programados, que tenham probabilidade periódica de ocorrência.

É importante esclarecer que as contingências sociais são os eventos que impedem que o segurado possa manter o sustento próprio e o de sua família, e neste caso os eventos não programados seriam acidente, invalidez, morte e reclusão. Todavia, nem sempre a lei é clara na diferenciação dos dois regimes, igualando, por vezes, benefícios não-programados aos previsíveis.

No regime de capitalização (funding), cada pessoa forma um fundo (individual ou coletivo) em que são investidos pecúlios, destinados exclusivamente à sua aposentadoria.

Wladimir Novaes Martinez faz a seguinte diferenciação entre o sistema de repartição e o sistema de capitalização: “Assim, frequentemente, o regime de capitalização é o próprio do neoliberalismo, enquadrado como poupança individual e disponível, da iniciativa privada, para o plano do tipo de contribuição, com baixo nível de solidariedade, hodierno e com tendência a se universalizar. Bom para as prestações programadas. Por outro lado, o regime de partição simples, ideologicamente seria social-democrático, técnica previdenciária, de iniciativa estatal, para o plano do tipo benefício definido, com elevada solidariedade, ultrapassado no tempo e com tendência a desaparecer. Própria das prestações programadas”.

A grande questão previdenciária que é discutida hoje se encontra na manutenção dos regimes de repartição.

Algumas correntes postulam a conversão total para um regime de capitalização (tendo o Chile como paradigma), outras pugnam por um sistema misto; outras pela manutenção absolta dos regimes de repartição. No caso específico da reforma previdenciária no Chile (1981), substituiu-se o sistema tradicional por um novo programa privado compulsório, totalmente capitalizado e administrado por entidades privadas, as Associações de Fundos de Pensão (AFPs), sendo o sistema público uma opção de second-best destinado às camadas mais pobres da população.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

O grau de solidarismo do regime de repartição é patentemente maior em relação ao regime de capitalização.

Por isso, ponderando-se de uma forma sociológica, o regime de repartição equilíbrio orçamentário imediato e a capacidade de englobar toda a população o que o tornava bastante atrativo, a composição etária da população jovem como a do Brasil em comparação aos demais países europeus, e nos Estados Unidos, logo após o término da segunda guerra, ponto este que mudou visto o Brasil ser um país envelhecente, sob o prisma da taxa de natalidade/fecundidade, digo isto, pois equilíbrios orçamentários implicam em transferências intergeracionais, que se fundamentam na existência e manutenção de uma solidariedade intergeracional, por sua vez no sistema de capitalização não ocorrem transferências inter e intrageracionais, devido a uma estruturação baseada em equilíbrios orçamentários e à prática atuarial de considerar separadamente subgrupos populacionais com marcantes diferenças em seus níveis e estruturas de mortalidade.

Diante deste cenário o sistema de capitalização começa ganhar contornos atrativos, e vendáveis a população, pois este é mais viável a inclusão de indivíduos com mais idades mais avançadas a partir do cálculo de um prêmio, proporcionalmente mais elevado.

Não-obstante, a despeito dos entraves demográficos e até mesmo laborais (o mercado informal prejudica o Regime Geral da Previdência Social, pois quem trabalha informalmente não contribui, mas vai precisar se aposentar), cabe ressaltar existe a possibilidade de coexistência dos regimes de repartição e capitalização.

Lembremos somente que, mesmo no campo de um regime puro de repartição, deve ser postada a égide legal no sentido de obstar a redução dos benefícios a valores que impossibilitem a subsistência de um ser humano.

As diretrizes que regem a Previdência Social estão pautadas no parágrafo único do art. 3º da Lei n.8.212/91, e do art. 2º da Lei n. 8.213/91, que são: - universalidade de participação nos planos previdenciários, mediante contribuição; - valor da renda mensal dos benefícios, substitutos do salário-de contribuição ou de rendimento do trabalho dos segurados, não-inferior ao do salário mínimo; - cálculo dos benefícios, considerando-se os salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente; - preservação do valor real dos benefícios; - previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional; uniformidade e de equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios; - irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo; - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

As recentes reformas pelas quais vêm passando o sistema previdenciário brasileiro refletem os múltiplos aspectos (gestões irresponsáveis, com utilização de critérios políticos na designação de gestores, mercado informal crescente, demografia etc.) que permeiam essa seara e que confluíram nos últimos tempos.

Entendendo que tanto o sistema hodierno oficial quanto o privado podem conviver sem problemas, isto é, um regime, não inviabiliza o outro; ao contrário, um complementa o outro.

O regime de repartição possui um entrave financeiro, a abordagem atuarial e financeira deve ser levada em conta quando sopesamos o quanto a sociedade produz e contribui, e quanto pode ser pago aos aposentados; ficando claro que esses critérios de abordagem não podem servir de fonte exclusiva de uma análise previdenciária, sob pena de efetuarmos uma análise muito limitada.

A política econômica e tributária é também deletéria à manutenção das contribuições previdenciárias, segundo um contexto de falta de preservação e incentivo ao emprego e às contratações, digo isto, pois o Governo peca gravemente ao sobrecarregar as empresas de pequeno porte, porque é notório que são essas empresas as que mais empregam. Por conseguinte, não deveria haver sobrecarga, e sim incentivos que permitissem maiores investimentos e contratações, esse número mais elevado de contratações acarretaria, além do desenvolvimento do País, um maior aporte de recursos à Previdência Social por meio de contribuições.

Todavia, preferem instituir uma verdadeira "derrama" na qual desde 1995 a carga tributária vem subindo drasticamente em relação ao nosso PIB, que, aliás, tende a diminuir a arrecadação, pois engessa a economia (o que podemos dizer é que sofremos os impactos desse efeito "cascata" na cadeia produtiva). O déficit previdenciário está intimamente tão profetizado, em breve será uma realidade. Quando ligado à política governamental falha.

Como a Lei n. 8.212/91, art. 16, prevê que a União tem o dever de contribuir para Previdência Social, mediante os recursos adicionais do Orçamento Fiscal, a fim de cobrir eventuais insuficiências financeiras, o Tesouro Nacional acaba por suprir o déficit previdenciário. Isso significa que o País responde por parte dos custos previdenciários, e não somente os segurados.

Esse custeio geral dos benefícios não é errado, diante da nossa Constituição, que levanta a égide da guarida social, é evidente que o Estado teria a obrigação de assumir eventuais déficits previdenciários provenientes de receitas menores do que despesas com aposentados, e o faz por meio de repasses a população. O empecilho a essa assunção dos custeios por parte de toda a população se manifesta no pélago de recursos que por vezes são despendidos. O gasto estatal com previdência tem como limite a inviabilização do desenvolvimento do País. Assim, não se pode permitir que os atuais padrões dos aposentados do Regime Geral da Previdência Social piorem. Nesse ponto, a Previdência Privada oferece um apoio marcante na manutenção dos atuais ganhos dos aposentados.

Em análise sobre a importância do enquadramento benefício previdenciário às necessidades humanas, o art. XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948: cria um laço utópico, e igualitário a nossa Constituição de 1988, quando diz: "Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.

O equilíbrio financeiro e atuarial previsto no art. 201 da Constituição tem por escopo garantir a subsistência autônoma do Regime Geral da Previdência Social, sem a ocorrência de déficit.

Da mesma forma, o equilíbrio do empreendimento previdenciário privado também depende da observância dos cálculos financeiros e atuariais. Na Previdência Privada, esse equilíbrio é mais necessário, pois a União não está vinculada ao seu custeio, haja vista o notório caso de falência da Mongeral que é emblemático. Os contribuintes ficaram desamparados.

Aliás, é justamente esse equilíbrio financeiro e atuarial, a ser aplicado em todo o ambiente previdenciário, que erige uma espada de Dâmocles, sobre a fronte dos estudiosos do Direito Previdenciário e da Previdência em geral. Isso porque essa regra que pressupõe o equilíbrio do sistema amiúde afronta certos princípios universais do ser humano, tais como a solidariedade e a generosidade.

Devemos ainda considerar a fonte empírica da dinâmica demográfica, e as taxas de fecundidade e mortalidade.

É muito penosa a delimitação previdenciária circunscrita aos limites dos princípios matemático-financeiros do equilíbrio atuarial. Afinal, temos como estereótipo de beneficiário de qualquer regime de previdência o idoso, a pessoa que merece um tratamento diferenciado e especial dentro da sociedade.

Se a população é estável e não há crescimento salarial, o sistema de repartição simples é equivalente ao regime de capitalização total quando a taxa de crescimento populacional for igual à taxa de juros real, pois nesta situação ambos os sistemas proverão aos seus participantes a mesma taxa de retorno e o mesmo prêmio.

Isto é, o prêmio será igual se ambos os sistemas possuírem a mesma taxa de benefício e o sistema de repartição simples for baseado em taxas de benefícios fixas e prêmios variados.

Partindo desse contexto, uma elevação ou de crescimento populacional ou de taxa de juros real resulta em um aumento da taxa de retorno e uma diminuição do prêmio tornando, respectivamente, um dos sistemas mais atraente para o contribuinte.

Para uma situação de crescimento salarial, caso a taxa de juros real seja igual a taxa de crescimento da população, e ocorra crescimento dos salários, então o sistema de repartição simples é mais vantajoso, pois sua taxa de retorno será igual ao crescimento populacional + 2 e o prêmio continuará igual, em contrapartida, no sistema de capitalização total o prêmio crescerá e a taxa de retorno cairá, pois a taxa de juros efetiva será igual a taxa de juros real -2.

Em verdade, o regime de repartição simples é mais adaptável às variações do custo de vida do que o regime de capitalização mais vulnerável aos riscos inerentes às oscilações financeiras e econômicas.

A meu ver, existe um fator peculiar no Brasil que serve de subsídio à tese da manutenção do regime de repartição do Regime Geral da Previdência Social e jamais poderia ser olvidado: numerosas cidades brasileiras sobrevivem às custas dos benefícios do INSS. Realidade esta que ganhou destaque durante a pandemia frente às contingências sociais na área da assistência social: a pobreza extrema, o desamparo, e as Contingências sociais na área da saúde: a doença, a necessidade de medicamentos (inclusive de alto custo) e as necessidades sociais em termos preventivos (campanhas de vacinação, campanhas para prevenção de contágio e disseminação da doença), entre outras.).

E PARA CONCLUIR,

Em 2021, considerando cada região são provenientes dos benefícios do INSS, representando, portanto, a sobrevivência de populações inteiras.

Dessa forma, com relação à coexistência de regimes (público de repartição, e privado de capitalização), não procede a idéia de que o contexto demográfico do aumento da população idosa, conjuntamente com um decréscimo da taxa de fecundidade, obstaria totalmente a manutenção de um regime de repartição estatal, pois o Estado poderia arcar com um déficit (plausível) de cunho social que possibilite u m ganho oficial de subsistência aos aposentados.

Entretanto, deve haver um suporte externo (uma válvula de escape) que complemente a renda auferida com o benefício previdenciário estatal. O regime de repartição deve figurar como uma garantia certa de subsistência do segurado na velhice (ou em outras contingências determinadas, como a invalidez).

O envelhecimento da população, a queda da natalidade, o desemprego, e o crescimento dos mercados informais, estes são fatos que aumentam as despesas com benefícios e reduzem receitas de contribuições. Para enfrentar esses desafios é necessário buscar soluções baseadas no conceito clássico de Seguro Social, raiz da previdência, que difere da assistência e da poupança individual (capitalismo).

Pela perspectiva da dinâmica demográfica, a solidariedade intergeracional nos impõe a responsabilidade de atualização periódica da legislação previdenciária, importante para incorporar tempestivamente novos aspectos sócios demográficos da população.

Sem pretender me alongar a respeito, limito-me a registrar uma preocupação especial que é a expansão do chamado modelo previdenciário chileno (um misto de caderneta de poupança com Fundo de Garantia por Tempo de serviço e elimina a solidariedade inerente ao Seguro, e principalmente à modalidade especial dele que é a Previdência Social), que vários países sul-americanos adotaram sem alterações substanciais, e quando isso ocorre à sociedade retroage, quer na natureza humana, quer na ordem social e econômica.

Ao versar sobre a solidariedade intergeracional é primordial que se conserve as opções das futuras gerações, bem como a qualidade dos benefícios e serviços da seguridade e o acesso a estes. Não obstante seja evidente a importância do princípio da solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário, a teoria da solidariedade intergeracional encontra limites como a ausência de representatividade política dos interesses das gerações futuras, a inexistência de imputação de responsabilidade das gerações futuras relativamente às precedentes; a impossibilidade de atestar com certeza a inocuidade e irreversibilidade de certas condutas; a dificuldade de explicar a necessidade de se modificar ou eliminar hábitos em nome de interesses hipotéticos das gerações vindouras.

Por fim, um regime integral de Seguridade, não os enfraqueceria os impulsos individuais e atenuaria a livre iniciativa para conseguir um mais elevado nível de vida, mas contribuiria para aumentar algumas tendências que induzem o indivíduo à indolência, em consequência de um nível médio que lhe é providencialmente oferecido pela comunidade. Também eliminaria o princípio mutualista de seguro e enfraqueceria notavelmente o impulso pessoal para enfrentar o risco futuro com o sacrifício atual. Além disso, estancaria a fonte da economia individual, necessária ao progresso econômico. Sendo assim, é preciso fortalecer o senso de responsabilidade, que parece no momento apagar-se como miragem da seguridade universal. Tal miragem, de fato, enfraquece notavelmente os motivos que estimulam o homem a intensificar o seu trabalho e se arrisca a transferir alguns conceitos do campo da sociologia para a mitologia.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BLANCHET, Didier. Um Systéme de retraite mixte par capitalization et par répartition permet-il de corriger les effects du vieillssement? Population, Paris, 43e année, n.1, p. 77 – 102. Jan-fev. 1988.

BROWN WEISS, Edith. Citado em WOLFF, Simone. Meio Ambiente x Desenvolvimento + Solidariedade = Humanidade. Disponível em: < https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/566>. Acesso 21 de novembro de 2021.

BUFFIL, Carlos Marti. In Derecho de Seguridad Social – Las prestaciones, Madri, 1964, p. 46/7.

LAPKOFF, Shelley. Pay-as-you-go retirement systems in nonstable populations. Berkeley: University of California at Berkeley, program in Population Research, 1985, p. 21.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário, 6ª ed. LTr, 2014.

_________. Princípios de direito previdenciário. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2001.

SCREBO, Ercole. Condições e limites da seguridade social, revista “Previdência Social”, INPS, n.º 14, 1969, p. 50.

SILVA, Marcela Vitoriano e. O Princípio da Solidariedade Intergeracional: um olhar do Direito para o futuro. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.8, n.16, p.115-146, Julho/Dezembro de 2011.


  1. Doutoranda pela UBA; Representante Brasil Cielo Laboral; Articulista Latin-Iuris, Coordenadora do núcleo de Seguridade Social da ESA.OAB/SP (2019-2021); Coordenadora da pós em Compliance Trabalhista e SST, pelo Centro Universitário Metropolitano de São Paulo (FIG-UNIMESP); Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP (2019-2021); Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/SP (2019-2021); C.E.O do ITC.TFA, Fundadora da Advocacia Tatiana Fiore d’Almeida, Professora, Autora.

Sobre a autora
Tatiana Conceição Fiore de Almeida

Advogada (OAB/SP 271162), Doutorando Em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário da ESA.OAB/SP; Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP; Membro Efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Perícias Médicas; Membro Convidada da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF; Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica); Articulista e Coordenadora de Obras Jurídicas; Coautora em diversas Obras Coletivas; Professora; Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos