Não raramente - e ainda que a questão esteja definida em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) -, os Estados, por suas procuradorias jurídicas, insistem em executar em seus nomes multas aplicadas por Tribunal de Contas em desfavor de agentes públicos municipais.
A questão ora analisada não suscita dúvidas, mas, tão somente, algumas ponderações.
Inicialmente, referente ao tema, registre-se que o Supremo Tribunal Federal (STF), quando da apreciação do Tema 642 (RE 1003433, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 11-10-2021 PUBLIC 13-10-2021), fixou a seguinte tese:
O Município prejudicado é o legitimado para a execução de crédito decorrente de multa aplicada por Tribunal de Contas estadual a agente público municipal, em razão de danos causados ao erário municipal. (STF. Plenário, Sessão Virtual de 3.9.2021 a 14.9.2021). (Grifos nossos).
A tese fixada pela Excelsa Corte é clara no sentido de que a multa aplicada por uma Corte de Contas em razão de uma ação do agente público em detrimento do ente federativo municipal, elide a legitimidade do Estado de vindicar que o valor sancionatório seja revertido para os cofres do Estado-membro a que vinculado o Tribunal de Contas.
Decidir de forma diversa é negar o efeito vinculante da tese da Excelsa Corte.
É que, como sabido, as decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em recursos extraordinários em repercussão geral, possuem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário.
Essa a dicção do artigo 927 do Código de Processo Civil:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. (Omissões nossas)
Desrespeitado o entendimento vinculante e oponível a todos, fixado na Tese da Corte Magna (Tema 642), eivado de nulidade absoluta do procedimento judicial que fixar entendimento diverso, ou seja, que chancelar a legitimidade dos Estados-Membros para executarem multas dos Tribunais de Contas em desfavor de agentes públicos municipais.
Afinal, se a multa aplicada pelo Tribunal de Contas decorreu da prática de atos que causaram prejuízo ao erário municipal, o legitimado ativo para a execução do crédito fiscal é o Município lesado, e não o Estado.
Subverter o entendimento da Excelsa Corte é pechar de nulo o processo judicial:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA POR TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL A AGENTE PÚBLICO MUNICIPAL, EM VIRTUDE DE DANOS CAUSADOS AO MUNICÍPIO. LEGITIMADO PARA A COBRANÇA DA PENALIDADE. ENTE PÚBLICO LESADO. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA ACOLHIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Especial nº 1.003.433/RJ, em regime de repercussão geral (Tema nº 642), consolidou o entendimento de que "o Município prejudicado é o legitimado para a execução de crédito decorrente de multa aplicada por Tribunal de Contas estadual a agente público municipal, em razão de danos causados ao erário municipal". 2. Acolhe-se, portanto, os embargos opostos pelo ora apelante, para que seja reconhecida a ilegitimidade ativa do Estado de Minas Gerais e, via de consequência, extinta a execução fiscal em apenso, sem resolução de mérito, com supedâneo no art. 485, VI, do CPC. (TJMG. PROCESSO: 1.0000.22.255236-6/001 RELATOR: DES.(A) BITENCOURT MARCONDES RELATOR DO ACORDÃO: DES.(A) BITENCOURT MARCONDES DATA DO JULGAMENTO: 02/02/2023 DATA DA PUBLICAÇÃO: 09/02/2023). (Grifos nossos).
A declaração de nulidade processual deve ser declarada pela autoridade judiciária competente; a matéria é de ordem pública, devendo o magistrado conhece-la até mesmo de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, ainda que alegada por qualquer meio colocado à disposição no arcabouço jurídico brasileiro.
E as questões de ordem pública, dentre outras hipóteses legais, encontram-se relacionadas às condições da ação, donde se inserem o interesse e a legitimidade para a postulação em juízo (art. 17, CPC) e, inexistindo estes requisitos, a extinção do processo é medida que se impõe (art. 485, VI, CPC), na medida em que vedado a qualquer pessoa pleitear direito alheio em nome próprio, salvo mediante autorização legal (art. 18, CPC):
Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade. (Grifos nossos).
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial. (Grifos nossos).
Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:
(...)
VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; (...). (Grifos e omissões nossos).
Ilegítimo o Estado-Membro para executar multas impostas a agentes públicos municipais.