Reforma Tributária e a Economia Circular
Entre os muitos avanços que a Reforma Tributária aprovada na Câmara e em trâmite no Senado, deve propiciar é a mais do que necessária primazia dos conceitos de sustentabilidade no Sistema Tributário Nacional.
O evidente impacto humano e seus modos e modelos de consumo, tem transformado a Terra com tanta intensidade que os cientistas argumentam que entramos em nova era geológica, o Antropoceno, o que um recente artigo do Financial Times reforça.
Como destacam Catherine Wirtmanm e Afonso Celso Cunha da Serra, na obra: "Economia Circular: conceitos e estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e lucrativa", nos últimos 150 anos, com o desenvolvimento da fabricação em massa, adotamos um sistema linear. Extraímos materiais da natureza, produzimos alguma coisa, e ao fim a descartamos, quando não mais se presta aos propósitos originais. Esse sistema “extrair, produzir, descartar” (a economia linear) nos levou a uma situação de “sobrecarga ecológica”. A população mundial consome por ano 1,5 planetas. Nos últimos 50 anos, destruímos ou degradamos 60% dos ecossistemas da Terra, nossos sistemas de sustentação da vida. A demanda humana sobre o planeta (nossa pegada ecológica)* supera a “biocapacidade”* da natureza, a capacidade de repor os recursos do planeta e de absorver resíduos, inclusive dióxido de carbono”
Muitas das alterações do Texto da Magna Carta, acompanham a lógica de que só existe desenvolvimento se ele for sustentável, e o papel do Estado definidor de políticas pública e de estimulador da iniciativa privada, é celebrar dentro da Magna Carta um Pacto Social pelo desenvolvimento sustentável, refletido também no Sistema Tributário Nacional, a partir da Reforma Tributária, de forma ainda mais explícita.
Lembro que como conceitua a obra já citada, os negócios sustentáveis maximizam o aproveitamento do material e da energia disponíveis, reduzindo, em consequência, o preço unitário para o consumidor. Os negócios sustentáveis respeitam os recursos, a cultura e as tradições locais. As sociedades sustentáveis “respondem às necessidades básicas com o disponível, introduzindo inovações inspiradas pela natureza, gerando variados benefícios, inclusive emprego e capital social, oferecendo mais com menos
A Economia Circular, e o Direito e seus avanços, surgem como contraponto ao desenho sócio econômico da economia linear, uma decorrência que surge do esgotamento de um modelo onde a vida do planeta depende da alteração da relação, capital/trabalho/homem/recursos naturais, até então a economia linear que emergiu das revoluções industriais anteriores, baseadas em extrair, produzir e descartar, dava o tom, e a regulamentação, regrava essas relações na maioria absoluta das vezes desconsiderando a necessidade contínua de modelos de negócios, que mais do que preservar devolvessem o que da natureza retiram, sempre que possível.
Mais recentemente, dentro do conceito de economia circular, as empresas reconsiderarão como desenham laptops, móveis, tênis, telefones móveis, produtos de limpeza e até jeans. Em vez de vender e esquecer os produtos, as empresas usarão os produtos como oportunidades para a contínua criação de valor e para relacionamentos duradouros e contínuos com os clientes.
E logo as políticas de incentivos fiscais precisam ter a sustentabilidade como norte, o desenvolvimento desde que seja sustentável, a geração de emprego desde que seja sustentável, a inovação desde que seja sustentável.
A Emenda Constitucional, aprovada inova em muitos dos seus dispositivos, como no artigo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - .......
......
§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente.” (NR)
O equilíbrio e a defesa do meio ambiente, o que abre espaço sobre uma tributação ainda maior sobre produtos poluentes.
Lembro que já no Fórum Econômico Mundial, no ano de 2014 o FEM, com o apoio de pesquisas e ideias da Ellen MacArthur Foundation e da McKinsey, lançaram uma iniciativa conjunta de “escalada” da economia circular, o Projeto MainStream, onde presidentes (CEOs) de nove empresas globais–Averda, BT, Tarkett, Royal DSM, Ecolab, Indorama Ventures, Philips, SUEZ e Veolia–lideraram o projeto, que foca em: Impasses sistêmicos em fluxos de materiais globais, muito grandes ou muito complexos para serem superados isoladamente por empresas, cidades ou governos. Ao mesmo tempo a União Europeia anunciou seu plano de ação de economia circular, Closing the Loop (Fechando o Loop), em dezembro de 2015, vendo a transição para uma economia mais circular como contribuição essencial para uma economia sustentável, de baixo carbono e eficiente em recursos, gerando novas vantagens competitivas sustentáveis para a Europa. Aí se incluem manter o valor de materiais, recursos e produtos na economia, durante o maior tempo possível, com a minimização de resíduos. A economia circular pode proteger as empresas contra a escassez de recursos e a volatilidade de preços, criando oportunidades para o desenvolvimento de métodos de produção e consumo inovadores e eficientes. Isso por envolver a criação de empregos locais, de oportunidades de integração social, de economia de energia e de prevenção de danos irreversíveis, como resultado do consumo de recursos com mais rapidez do que a capacidade de recuperação da Terra. A UE reconhece que as empresas e os consumidores são essenciais para impulsionar a economia circular e que ambos devem desempenhar papel de apoio fundamental, abrangendo arcabouço regulatório e sinalização de caminhos para a frente, com ações ambiciosas, amplas e concretas, antes de 2020. China.
Tente imaginar sistemas de coleta seletiva de resíduos estimulados por uma cadeia produtiva verticalizada? Tente imaginar um grande distribuidor de produtos de limpeza substituindo suas embalagens descartáveis por repositores dos líquidos nos supermercados, sem a necessidade de milhões de embalagens diariamente nos nossos lixos. Se você tem alguma dúvida sobre o potencial econômico do que se joga fora, pare a leitura desse artigo por alguns segundos e veja que a maior parte do lixo da sua casa é composta de embalagens de todo tipo de produto, e logo esqueça a reciclagem de forma isolada, pois a economia circular é bem mais do que isso.
Claro que muitos pontos da Reforma Tributária precisam ser melhor aclarados, como o tratamento da reciclagem, na medida que lembramos, que atualmente, a comercialização de insumos reciclados no Brasil conta com:
O diferimento do ICMS nas operações internas (dentro do mesmo Estado);
A não incidência de IPI; e
Isenção de PIS/Cofins (tema ainda em discussão no Supremo Tribunal Federal).
Em que pese esses citados benefícios mencionados ainda assim serem insuficientes para que os insumos reciclados consigam fazer frente à atividade extrativista, ao menos o setor ainda possui algum incentivo como forma de privilegiar a reinserção de materiais na cadeia produtiva e a economia circular.
Com base no texto recentemente divulgado, as operações com insumos reciclados não terão qualquer tipo de incentivo, mas como a maioria dos protestos da Reforma Tributária, é muito, muito cedo, pois é na Lei Complementar que o desenho se define.
Nesse momento a precocupação reside no fato da venda de insumos reciclados passar a ser tributada integralmente pelos novos tributos (IBS e CBS), a uma alíquota que vem sendo estimada (ainda não oficial) de aproximadamente 25%.
Para um setor já bastante fragilizado, com pequena margem de lucro, com poucos investimentos e incentivos públicos e que, sobretudo, não terá crédito dos novos tributos em suas aquisições (em razão de os materiais recicláveis serem adquiridos substancialmente de pessoas físicas), a imposição de tamanha carga tributária trará impactos extremamente negativos ao setor, mas isso não encontra lógica dentro dos princípios que foram alterados no texto, por isso entendo ser ainda muito cedo, o que não retira a necessidade da atenção na regulamentação dos dispositivos.
A reforma, na expectativa de uma economia circular, precisa reforçar o ato cooperado, e dessa maneira estimular esse segmento fundamental no processo de reciclagem, e reuso. Em que pese o texto fazer menção à necessidade de norma específica prevendo o adequado tratamento tributário às cooperativas, não há qualquer indício se tal tratamento será efetivamente implementado pelo legislador e, muito menos, de que forma, gerando ainda mais insegurança.
Os recursos naturais são finitos, e o crescimento populacional previsto para os próximos anos, com novas pessoas entrando em faixas sociais de consumo intensivo, em países como a China, Índia entre outros grandes contingentes faz dessa combinação um inevitável caminho para o redesenho da economia mundial. Estamos assistindo nos últimos anos uma elevação considerável das comodities, e isso só deve se acentuar, lembro que não por menos a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que esse grupo de classe média, com renda disponível, inchará de 1,8 bilhão, em 2010, para quase 5 bilhões, em 2030. Em um mundo que se aproxima de 9 bilhões de habitantes em 2030, o desafio de expandir a oferta para atender à demanda futura não tem precedentes, e logo a economia circular parece ser um caminho obrigatório, e uma política tributária que estimule esses ajustes mais do que necessária é literalmente um caso de sobrevivência.