As consequências do Brexit após mais de três anos: desafios e polarização no cenário britânico

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25/07/2023 às 18:05

Resumo:

• O Brexit foi um marco histórico na política global, desencadeando transformações profundas no Reino Unido e na União Europeia, com debates acalorados, incertezas e desafios a serem enfrentados após a decisão do referendo em 2016.


• O processo do Brexit enfrentou dificuldades e desafios, incluindo questões cruciais como futuras relações comerciais, fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, direitos dos cidadãos, imigração e cooperação em segurança e defesa, alimentando incertezas e tensões.


• A participação do Reino Unido na União Europeia proporcionou benefícios econômicos, como acesso ao mercado comum, livre circulação de bens e serviços, oportunidades de investimento e colaboração em pesquisa e inovação, sendo interrompida com a saída da UE, exigindo adaptação e resiliência econômica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.      Introdução 

O Brexit, um marco histórico na política global, desencadeou uma série de transformações profundas no Reino Unido e na União Europeia, deixando um legado de debates acalorados, incertezas e desafios a serem enfrentados. A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia em 2016 foi um evento de grande impacto que reverberou em toda a política, economia e sociedade britânicas e europeia. O referendo realizado naquele ano, em que uma maioria dos britânicos optou pela saída da UE, marcou o início de uma jornada complexa e controversa que envolveu negociações árduas, questões difíceis e uma profunda divisão na sociedade.

Desde o início, o processo do Brexit se deparou com inúmeras dificuldades e desafios diferentes. As negociações para a saída do Reino Unido da UE envolveram questões cruciais, como as futuras relações comerciais, a questão da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, os direitos dos cidadãos, a imigração e a cooperação em áreas como segurança e defesa. A complexidade dessas questões alimentou incertezas e tensões durante o processo, com ambos os lados buscando alcançar seus interesses e prioridades.

Contudo, a decisão de deixar a UE não foi isenta de críticas e preocupações. Especialistas econômicos alertaram sobre os possíveis riscos e consequências de uma saída sem acordo, destacando os desafios econômicos e comerciais que o Reino Unido poderia enfrentar após a separação. A participação do país na União Europeia proporcionou uma série de benefícios econômicos, tais como o acesso ao mercado comum, a livre circulação de bens e serviços, além das oportunidades de investimento e colaboração em pesquisa e inovação. A saída da UE interrompeu esses laços e abriu caminho para um novo cenário econômico que exigiria adaptação e resiliência.

À medida que o processo do Brexit avançava, questões fundamentais se tornaram alvo de debates. O destino dos cidadãos europeus que viviam no Reino Unido e dos britânicos residentes em outros países europeus gerou apreensão e exigiu garantias de seus direitos. Além disso, a delicada questão da fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda exigiu soluções criativas para evitar a reintrodução de uma fronteira física e garantir a estabilidade na região.

A trajetória do Brexit transcendeu as fronteiras do Reino Unido, ecoando em outras nações e comunidades em busca de significado e lições a serem aprendidas. O impacto econômico e político da saída do Reino Unido da UE despertou questionamentos sobre a viabilidade e as consequências de decisões semelhantes em outras partes do mundo. O Brexit se tornou um caso de estudo sobre o equilíbrio entre a soberania nacional e a cooperação internacional, refletindo a dinâmica complexa entre a vontade popular, as instituições democráticas e as relações internacionais.

 

2.      Contexto do Brexit 

O Brexit remonta ao referendo realizado em 23 de junho de 2016, quando os cidadãos britânicos foram às urnas para decidir se o Reino Unido deveria permanecer na União Europeia ou sair dela. O resultado surpreendeu muitos, com 52% dos votantes optando pela saída, enquanto 48% votaram para permanecer. Esse resultado histórico desencadeou um processo de negociação complexo e desafiador para a separação do Reino Unido da UE, conhecido como "divórcio"[1]. Desde o início, o processo do Brexit enfrentou inúmeras dificuldades, incluindo questões relacionadas ao comércio, imigração, direitos dos cidadãos e a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda[2].

Uma das principais motivações para o apoio ao Brexit foi a questão da imigração. O tema da imigração foi amplamente explorado durante a campanha do referendo do Brexit e foi uma preocupação central para muitos eleitores. Os partidários do Brexit argumentaram que deixar a União Europeia permitiria ao Reino Unido ter mais controle sobre suas fronteiras e implementar políticas de imigração mais restritivas. Eles expressaram preocupações sobre a liberdade de circulação dentro da UE, que permite que cidadãos de países membros vivam e trabalhem em outros países da UE sem a necessidade de vistos ou autorizações especiais. Alegou-se que a imigração em larga escala estava sobrecarregando os serviços públicos e o sistema de bem-estar social do Reino Unido, além de impactar negativamente os salários e as oportunidades de emprego para os cidadãos britânicos. Além disso, algumas vozes no debate do Brexit também se preocuparam com a integração cultural e a preservação da identidade nacional britânica diante do aumento da diversidade étnica e cultural resultante da imigração[3].

O governo do então primeiro-ministro David Cameron, embora tenha inicialmente defendido a permanência na UE, cedeu à pressão pública e do seu próprio partido para realizar o referendo sobre o Brexit. Posteriormente, a então primeira-ministra Theresa May liderou as negociações do Brexit após o resultado do referendo, buscando encontrar um acordo para a saída do Reino Unido da UE. No entanto, o tema da imigração continuou a ser uma questão delicada nas negociações do Brexit, especialmente em relação ao futuro status dos cidadãos da UE que já viviam no Reino Unido e dos britânicos que viviam em outros países da UE. A garantia dos direitos dos cidadãos e a gestão da imigração futura foram questões complexas e controversas nas negociações[4].

Apesar do apoio de alguns que defendiam o Brexit como uma oportunidade de recuperação da soberania nacional e controle das políticas internas, muitos especialistas econômicos alertaram sobre os riscos e consequências de uma saída sem acordo com a UE[5]. Essas preocupações se materializaram à medida que o processo de negociação avançava, levantando questões sobre a viabilidade econômica e política da decisão.

 

3.      Identidade Europeia e Integração da UE

A União Europeia (UE) desempenha um papel fundamental na construção da identidade europeia ao longo das últimas décadas. Desde a sua fundação, a UE tem buscado promover a integração entre os países membros, fortalecendo laços culturais, econômicos e políticos, e criando um senso compartilhado de pertencimento a uma comunidade maior. Uma das principais estratégias da UE para a construção da identidade europeia é a promoção da cooperação e da solidariedade entre os Estados membros. Por meio da colaboração em diversas áreas, como comércio, segurança, meio ambiente e pesquisa científica, a UE tem buscado fortalecer os laços entre os países e fomentar o sentimento de unidade e pertencimento[6].

Outro aspecto importante é a criação do passaporte europeu, que permite aos cidadãos dos Estados membros terem uma identidade europeia reconhecida internacionalmente. O passaporte europeu é um documento de identidade internacionalmente reconhecido que é emitido pelos Estados membros da União Europeia (UE). Embora a própria UE não emita passaportes comuns, os passaportes emitidos pelos seus 27 Estados membros compartilham um formato comum. Este formato comum apresenta uma capa colorida (para a qual a cor vinho é recomendada)[7]. Os titulares de passaportes da UE são cidadãos da União Europeia e têm direito a uma série de benefícios. Entre eles, a possibilidade de viajar e residir em qualquer um dos Estados membros da UE sem a necessidade de visto ou restrições. Isso proporciona uma grande liberdade de movimento e a oportunidade de trabalhar, estudar ou se aposentar em qualquer um desses países.

Além do passaporte europeu, a integração na União Europeia também é regida pelos Tratados da União Europeia e pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia. Esses tratados estabelecem as bases legais e institucionais para a cooperação entre os Estados membros e a busca de objetivos comuns.

O Tratado da União Europeia, também conhecido como Tratado de Maastricht, foi assinado em 1992 e representa um marco importante na integração europeia. Ele estabeleceu a criação da União Europeia como uma união de Estados independentes, com o objetivo de promover a paz, a estabilidade e o bem-estar dos seus povos[8]. O Tratado da União Europeia também introduziu a cidadania da União, conferindo aos cidadãos dos Estados membros direitos adicionais.

Por sua vez, o Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelece as regras de funcionamento da UE e define suas competências. Ele fornece a base jurídica para ações em áreas como o mercado comum, a política agrícola, a política comercial e a política ambiental. O TFUE através do seu Artigo 26 (2), também estabelece os princípios e as regras para a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais dentro do espaço europeu, conhecidas como as "Four Freedoms" (Quatro Liberdades)[9].

As "Four Freedoms" são fundamentais para a integração europeia e incluem:

1.      Liberdade de circulação de mercadorias: garante a livre circulação de bens e produtos entre os Estados membros, promovendo um mercado comum e a eliminação de barreiras comerciais.

2.      Liberdade de circulação de pessoas: permite que os cidadãos da UE se movimentem, trabalhem e residam em qualquer país membro, promovendo a mobilidade e a cooperação entre os povos europeus.

3.      Liberdade de circulação de serviços: assegura que os prestadores de serviços possam operar em qualquer Estado membro, facilitando o comércio de serviços e a colaboração transfronteiriça.

4.      Liberdade de circulação de capitais: garante a livre movimentação de capitais entre os países membros, promovendo o investimento e o crescimento econômico na UE.

Essas liberdades têm sido fundamentais para impulsionar a integração e o desenvolvimento econômico na União Europeia e proporcionaram a possibilidade da criação do mercado único. O mercado único europeu é uma área econômica única onde bens, serviços, pessoas e capitais podem circular livremente, sem barreiras alfandegárias ou fronteiras internas. Esse mercado unificado foi introduzido por meio de um conjunto de normas, artigos e tratados que buscaram eliminar as barreiras e facilitar a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais entre os países membros da União Europeia. O Tratado de Roma, assinado em 1957, foi um marco importante na criação do mercado comum europeu. Esse tratado estabeleceu a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e estabeleceu como objetivo a formação de um mercado comum, onde houvesse a livre circulação de mercadorias, serviços e capitais entre os Estados membros[10].

Em 1986, o Ato Único Europeu foi assinado, com o objetivo de eliminar as barreiras restantes no comércio e na circulação de pessoas e capitais. O Ato Único introduziu diversas medidas para promover a harmonização de regulamentações e normas técnicas entre os países membros, facilitando o comércio e a prestação de serviços em toda a UE[11].

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Em 1999, a introdução do Euro como moeda única de diversos países da UE também impulsionou a integração econômica. Isso facilitou ainda mais o comércio e os investimentos entre os países da zona do Euro, eliminando a necessidade de conversão de moedas e reduzindo os custos de transação[12]. Outros tratados e normas, como o Tratado de Lisboa e o Pacote de Medidas para o Mercado Único de 2011, também trouxeram avanços para o mercado único, buscando promover a livre circulação de bens e serviços, além de fortalecer a proteção dos direitos dos consumidores e a competitividade das empresas europeias[13].

Em resumo, a criação do passaporte europeu, a existência dos Tratados da União Europeia e a promoção das "Four Freedoms" são elementos essenciais para a integração na UE. Eles proporcionam aos cidadãos a oportunidade de vivenciar uma identidade europeia reconhecida internacionalmente, a possibilidade de residir e trabalhar em qualquer país membro, além de estabelecer as bases legais para a cooperação e o progresso mútuos entre os Estados membros. Esses pilares são fundamentais para o fortalecimento da União Europeia como um espaço de união, cooperação e prosperidade compartilhada.

4.      Impacto da saída da UE na identidade britânica

A decisão do Reino Unido de sair da União Europeia (Brexit) teve impactos significativos na identidade britânica e na vida dos seus cidadãos. Com a saída da UE, o país perdeu uma parte fundamental da sua "identidade europeia", que era caracterizada pela participação ativa no projeto de integração europeia e pelo compartilhamento de valores, cultura e laços comunitários com outros países membros. Um dos aspectos que afetou diretamente a identidade britânica foi a mudança na mobilidade e na liberdade de circulação. Antes do Brexit, os britânicos podiam viver, estudar e trabalhar em qualquer país membro da UE sem a necessidade de visto ou autorização especial[14]. O programa ERASMUS, por exemplo, era uma oportunidade amplamente utilizada por estudantes britânicos para estudar em universidades europeias e vivenciar a rica diversidade cultural do continente. Com a saída da UE, esse acesso facilitado foi prejudicado, e os estudantes britânicos passaram a enfrentar burocracias e exigências adicionais, como a necessidade de obter vistos de estudante para residir em países da UE[15].

Essa mudança também impactou as relações pessoais e profissionais dos britânicos com outros europeus. A livre circulação permitia que famílias e amigos mantivessem vínculos estreitos mesmo vivendo em países diferentes, e profissionais podiam buscar oportunidades de trabalho além das fronteiras nacionais. Com a saída da UE, essas relações se tornaram mais complexas, e muitos britânicos se viram confrontados com desafios para manter laços e conexões com o restante da Europa. Além disso, a saída da UE gerou uma sensação de desvinculação e isolamento entre os britânicos que se identificavam fortemente com a comunidade europeia. Para muitos, a "identidade europeia" era parte integrante da sua identidade nacional, e o Brexit abalou essa conexão emocional com a Europa. Aqueles que se sentiam mais alinhados com os valores e princípios da UE expressaram descontentamento com a decisão de deixar a comunidade europeia, o que gerou debates e tensões internas sobre o futuro do país.

Outrossim, a saída da União Europeia teve um impacto particularmente significativo na Escócia, onde a maioria dos eleitores votou a favor de permanecer na UE no referendo do Brexit. A decisão do Reino Unido de sair da UE, apesar da forte oposição dos escoceses, criou uma tensão política e aumentou o desejo pela independência escocesa[16]. A Escócia sempre teve uma identidade distinta e uma relação complexa com o restante do Reino Unido. A votação do Brexit ampliou essa divisão, já que a maioria dos escoceses via a pertença à UE como uma forma de preservar sua identidade europeia e se manter conectada ao continente. A saída da UE contra a vontade da Escócia levou a questionamentos sobre a representatividade do governo central em relação aos interesses e desejos dos escoceses. A ideia de que a Escócia poderia se separar do Reino Unido ganhou força após o referendo do Brexit. O governo escocês liderado pelo Partido Nacional Escocês (SNP) reforçou seu apelo por um novo referendo sobre a independência da Escócia, argumentando que a decisão de sair da UE justificava uma reconsideração do status da Escócia como parte do Reino Unido[17].

A questão da independência escocesa tornou-se uma questão premente, com o SNP buscando um mandato para um novo referendo nas eleições parlamentares escocesas. Embora o governo britânico tenha inicialmente resistido a conceder permissão para um novo referendo, a pressão pública e política crescente pode forçar uma mudança de posição no futuro. Por um lado, a Escócia precisaria enfrentar as complexidades de se tornar um país independente e estabelecer suas relações com a UE e o Reino Unido em termos comerciais, políticos e de fronteiras. Por outro lado, o restante do Reino Unido teria que lidar com a perda de um importante parceiro econômico e político, bem como enfrentar questões de soberania e unidade interna.

 

5.      Benefícios Econômicos da Participação na UE

A participação do Reino Unido na União Europeia proporcionou uma série de benefícios econômicos, notadamente através dos princípios fundamentais da livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais. A livre circulação de bens permitiu que o Reino Unido participasse de um mercado único, onde produtos e mercadorias podiam circular livremente entre os Estados membros, sem tarifas ou barreiras alfandegárias. Essa integração impulsionou o comércio e tornou os produtos britânicos mais competitivos no mercado europeu, beneficiando as indústrias exportadoras e os consumidores[18].

No setor de serviços, a liberdade para oferecer e receber serviços dentro da UE também foi crucial para o Reino Unido. Empresas britânicas puderam expandir suas operações para outros países da UE, proporcionando oportunidades de crescimento e acesso a novos mercados. Isso contribuiu para o desenvolvimento do setor de serviços, que representa uma parte significativa da economia britânica. Além disso, a livre circulação de pessoas permitiu que cidadãos britânicos vivessem e trabalhassem em outros países da UE, e vice-versa. Essa mobilidade trouxe benefícios tanto em termos culturais quanto profissionais, enriquecendo a diversidade e estimulando trocas de conhecimento e experiências.

Ademais, a mobilidade dos trabalhadores facilitou o preenchimento de lacunas de mão de obra em diferentes setores, especialmente em momentos de alta demanda em determinadas indústrias. Essa mobilidade, que permite a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais dentro da União Europeia foi fundamental para o Reino Unido em diversos aspectos econômicos e sociais. O acesso ao mercado único europeu permitiu que empresas britânicas expandissem suas operações e tivessem acesso a um mercado com quase 450 milhões de consumidores em toda a UE[19].

6.      O Impacto da Limitação na Livre Circulação de Bens, Serviços, Pessoas e Capitais

A liberdade de circulação de pessoas dentro da União Europeia teve um impacto significativo na imigração para o Reino Unido ao longo dos anos. A partir do momento em que o Reino Unido aderiu à UE em 1973[20], os cidadãos dos Estados membros passaram a ter o direito de viver e trabalhar livremente no país, sem a necessidade de visto ou autorização especial. Essa liberdade de movimento atraiu um grande número de imigrantes de outros países da UE para o Reino Unido, em busca de melhores oportunidades de emprego, educação e qualidade de vida. Cidadãos de países como Polônia, Romênia, Espanha e Itália encontraram no Reino Unido um destino atraente para estabelecer-se e construir uma nova vida[21]. Durante anos, a imigração proveniente de outros países da UE contribuiu para o crescimento da economia britânica, suprindo a demanda por mão de obra em diferentes setores, como a construção, saúde, agricultura, tecnologia e serviços. Muitos imigrantes europeus também se tornaram empreendedores e abriram seus próprios negócios, enriquecendo a diversidade cultural e contribuindo para a inovação e o desenvolvimento econômico do país.

No entanto, a liberdade de circulação também gerou debates e controvérsias em algumas ocasiões. Alguns críticos argumentavam que a imigração livre poderia levar à competição por empregos e à pressão nos serviços públicos, como saúde e educação. Além disso, houve preocupações sobre o impacto na cultura e nas tradições britânicas, e a imigração se tornou uma questão política e social polarizadora[22]. Com o referendo do Brexit em 2016 e a decisão do Reino Unido de deixar a UE, a liberdade de circulação para cidadãos da UE foi interrompida. A partir de então, a imigração de cidadãos europeus para o Reino Unido passou a ser regulada por um novo sistema de imigração, que estabelece critérios específicos para a obtenção de vistos e permissões de trabalho[23].

No pós-Brexit, a interrupção da livre circulação de pessoas teve um impacto significativo na economia do Reino Unido. A falta de mão de obra imigrante levou a uma escassez de trabalhadores em vários setores, incluindo alimentação e serviços. Isso resultou em falta de comida em supermercados e dificuldades na prestação de serviços essenciais[24]. Além disso, a saída de pessoas do Reino Unido após o Brexit também contribuiu para o aumento dos preços. Estudos mostram que o Brexit levou a um aumento na inflação de 2,9% até junho de 2018, custando à média das famílias £870 por ano[25]. Outro estudo indica que o Brexit aumentou os preços médios dos alimentos no Reino Unido em cerca de 3% anualmente em 2020 e 2021[26].

A saída de pessoas do Reino Unido após o Brexit teve um impacto significativo na economia e na sociedade do país. Estima-se que um milhão de pessoas deixaram o país no final de 2020, resultando em quase um milhão a menos de residentes não nascidos no Reino Unido em comparação com o ano anterior[27]. Isso representou uma das menores taxas de crescimento populacional na história recente do Reino Unido[28].

A diminuição da população teve várias consequências. Em primeiro lugar, levou a uma escassez de trabalhadores em vários setores, incluindo alimentação e serviços. Isso resultou em falta de comida em supermercados e dificuldades na prestação de serviços essenciais. A falta de mão de obra também levou a um aumento nos salários em alguns setores, o que, por sua vez, resultou em um aumento dos preços para os consumidores.

Além disso, a saída de pessoas do Reino Unido após o Brexit também contribuiu para o aumento dos preços. Estudos mostram que o Brexit levou a um aumento na inflação de 2,9% até junho de 2018, custando à média das famílias £870 por ano[29]. Outro estudo indica que o Brexit aumentou os preços médios dos alimentos no Reino Unido em cerca de 3% anualmente em 2020 e 2021[30]

7.      Crise pós-Brexit no Reino Unido

A decisão do Reino Unido de sair da União Europeia (Brexit) teve um impacto significativo na economia do país. A incerteza gerada pelo processo de negociação e pela saída efetiva da UE resultou em instabilidade econômica, afetando diversos setores e empresas. A desvalorização da libra esterlina aumentou os custos de importação e provocou inflação, impactando o poder de compra dos consumidores e o crescimento econômico[31]. Além disso, muitas empresas britânicas enfrentaram dificuldades para acessar o mercado europeu após a perda dos benefícios da livre circulação de bens e serviços[32].

Restrições comerciais e burocráticas surgiram, prejudicando as exportações e importações, e levando algumas empresas a considerarem realocar suas operações para outros países da UE. Essa conjuntura econômica desafiadora também teve consequências diretas no mercado de trabalho. O aumento da incerteza e as mudanças nas relações comerciais impactaram o emprego em alguns setores, resultando em demissões e redução de vagas. Muitos trabalhadores da UE que antes tinham o direito de livre circulação no Reino Unido agora enfrentam restrições em termos de imigração e oportunidades de emprego[33].

Outro aspecto preocupante após o Brexit foi o aumento da burocracia e das barreiras comerciais. As empresas que antes contavam com procedimentos simplificados para a troca de mercadorias com os países da UE agora se deparam com regulamentações alfandegárias mais complexas. Isso resultou em atrasos nas entregas, custos adicionais e dificuldades operacionais para as empresas britânicas que dependem do comércio com a Europa[34]. Além disso, pequenas e médias empresas enfrentaram desafios adicionais de adaptação às novas exigências legais e regulatórias impostas pelo Brexit. A necessidade de cumprir uma série de formalidades e regulamentos alfandegários tornou o processo de exportação e importação mais complexo e oneroso.

O Brexit também trouxe preocupações específicas em relação à Irlanda do Norte. A questão da fronteira entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (membro da UE) foi um dos principais pontos de tensão nas negociações do acordo de saída[35]. Para evitar uma fronteira física, que poderia reacender antigas divisões políticas e sociais, foi estabelecido o Protocolo da Irlanda/Norte, criando uma fronteira comercial no Mar da Irlanda.

O Protocolo da Irlanda/Norte, estabelecido para evitar uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda após o Brexit, tem sido objeto de intensa discussão e controvérsia política e jurídica. Sob a perspectiva jurídica, o Protocolo da Irlanda/Norte apresenta desafios significativos relacionados à soberania e integridade territorial do Reino Unido. A criação de uma fronteira comercial no Mar da Irlanda implica em tratamento diferenciado para a Irlanda do Norte em relação ao restante do Reino Unido, o que suscita questões sobre a coesão interna do país. Algumas vozes políticas e jurídicas argumentam que tal tratamento especial para a Irlanda do Norte ameaça a soberania do Reino Unido sobre esse território[36].

Além disso, a aplicação prática do Protocolo tem impactos significativos no comércio e na circulação de mercadorias entre a Irlanda do Norte e as outras regiões do Reino Unido. A necessidade de conformidade com regulamentações distintas para o comércio com a UE, especialmente em termos de padrões de qualidade e regras alfandegárias, criou obstáculos comerciais e burocráticos. Isso pode levar a atrasos nas entregas, aumento de custos para as empresas e possíveis perturbações no fluxo de comércio.

Além das questões comerciais, o Protocolo também suscita preocupações sobre a preservação da paz e da estabilidade na região da Irlanda do Norte. O temor de que o Protocolo possa criar divisões políticas e sociais novamente, reacendendo tensões e conflitos do passado, é uma das principais preocupações[37]. Do ponto de vista jurídico, o Protocolo levanta questões sobre a harmonização das leis e regulamentações entre o Reino Unido e a UE para garantir a operacionalização fluida da fronteira comercial. Adicionalmente, a natureza das relações futuras entre a Irlanda do Norte e a UE também é alvo de debates, já que a região pode seguir regras do mercado único em alguns setores, o que a mantém parcialmente vinculada ao arcabouço legal da UE. No contexto político, é importante destacar que as tensões em torno do Protocolo da Irlanda/Norte têm sido uma das fontes de divisões internas no Reino Unido, gerando debates acalorados no parlamento e entre os partidos políticos. A abordagem para resolver essas questões, que envolvem equilibrar interesses políticos, econômicos e de segurança, permanece um desafio constante.

 

8.      Análise nas mudanças das relações internacionais e influência global

O Brexit teve um impacto profundo nas relações internacionais do Reino Unido e na sua posição como ator global. Antes de deixar a União Europeia, o Reino Unido desempenhava um papel de destaque no cenário internacional, exercendo influência significativa nas políticas e decisões da UE. Sua participação ativa em assuntos globais e sua capacidade de articular uma abordagem comum com outros Estados membros da UE contribuíam para a sua influência.

Contudo, após a decisão de sair da UE, o Reino Unido precisou enfrentar desafios significativos ao redefinir sua posição no mundo. A saída da UE significou que o Reino Unido perdeu o acesso direto e privilegiado a mercados e acordos comerciais que a UE mantinha com outras nações. Isso exigiu a busca de novas parcerias comerciais e acordos bilaterais com países ao redor do globo, a fim de mitigar os impactos econômicos da separação da UE[38]. No campo da política externa, o Brexit também exigiu uma revisão profunda das prioridades do Reino Unido e da maneira como ele abordaria questões internacionais. Enquanto parte da UE, o país estava inserido em uma rede diplomática abrangente, que o permitia trabalhar em conjunto com outros membros da UE para enfrentar desafios globais, como segurança, mudanças climáticas e crises humanitárias. Com a saída da UE, o Reino Unido precisou adotar uma abordagem mais independente e buscar novas alianças para continuar exercendo influência no cenário mundial[39].

A relação do Reino Unido com a Rússia também sofreu mudanças após o Brexit[40]. Antes da separação da UE, o Reino Unido costumava coordenar suas ações com outros membros da UE para lidar com questões relacionadas à Rússia, como sanções econômicas e questões de segurança regional. Com a saída da UE, o Reino Unido precisou forjar sua própria abordagem para lidar com a Rússia, ao mesmo tempo em que mantinha um alinhamento com seus parceiros europeus. O Reino Unido buscava ser um ator relevante e influente não apenas na Europa, mas também em outras regiões do mundo. A separação da UE implicou a necessidade de reafirmar sua presença em fóruns multilaterais, como as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e outras instâncias internacionais. Essa redefinição do papel global do Reino Unido demandou esforços para demonstrar seu compromisso com a cooperação internacional e a busca de soluções conjuntas para problemas globais.

 

9.      Conclusão

Em conclusão, o Brexit foi um evento marcante na história do Reino Unido e da União Europeia, com impactos significativos na economia e na política. Desde o referendo em 2016, quando os britânicos votaram por uma estreita margem a favor do Brexit, o país tem enfrentado um longo e complexo processo de negociações, desafios e mudanças estruturais. Do ponto de vista político, o Brexit refletiu profundas divisões dentro da sociedade britânica. As questões de soberania, identidade nacional e controle das fronteiras foram intensamente debatidas ao longo do processo. De um lado, os defensores do Brexit argumentaram que a saída da UE permitiria ao Reino Unido recuperar sua independência política, fortalecer suas instituições democráticas e retomar o controle de suas políticas internas. Por outro lado, os opositores argumentaram que a integração na UE trouxe benefícios econômicos e culturais, além de facilitar a livre circulação de pessoas, bens e serviços.

As negociações entre o Reino Unido e a UE foram longas e árduas, com questões espinhosas como os direitos dos cidadãos, a fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda e os termos comerciais sendo pontos de conflito. O estabelecimento do Protocolo da Irlanda/Norte foi uma tentativa de resolver a questão da fronteira na ilha da Irlanda, mas também gerou tensões políticas e comerciais internas no Reino Unido. No âmbito econômico, o Brexit trouxe consigo incertezas e impactos significativos. A desvalorização da libra esterlina afetou os preços dos produtos importados, contribuindo para a inflação e pressionando o poder de compra dos cidadãos. As empresas, em particular as que dependiam do comércio com a UE, enfrentaram desafios para se adaptar às novas regras e regulamentos comerciais. Muitas empresas relocaram parte de suas operações para países membros da UE para evitar barreiras comerciais e manter acesso ao mercado único. Além disso, a saída da UE resultou em mudanças na liberdade de circulação de pessoas, afetando a mão de obra e o recrutamento em setores como saúde, educação e agricultura. A escassez de mão de obra em algumas indústrias trouxe à tona a necessidade de repensar as políticas de imigração e capacitação da força de trabalho.

A decisão do Reino Unido de se separar da UE também afetou a identidade europeia dos britânicos. Durante décadas, a pertença à UE desempenhou um papel importante na forma como os cidadãos britânicos se viam como parte de uma comunidade europeia mais ampla. Com o Brexit, muitos cidadãos sentiram-se divididos entre sua identidade britânica e a sensação de pertencer a uma comunidade europeia compartilhada. Além disso, o Brexit levantou questões sobre a viabilidade do projeto europeu como um todo. A saída de um dos principais membros da UE suscitou debates sobre a necessidade de reformas institucionais e a forma como a UE lida com as preocupações e demandas dos seus Estados-membros. No contexto global, o Brexit também teve repercussões. O Reino Unido buscou redefinir sua posição no cenário internacional, estreitando laços com outras nações e buscando novos acordos comerciais. No entanto, a saída da UE enfraqueceu sua influência como bloco e dividiu a voz europeia em questões globais.

Portanto, as consequências dessa decisão histórica continuam a ser objeto de debate e análise. A polarização política e as divisões na sociedade britânica evidenciaram desafios para a democracia representativa e para a coesão nacional. Enquanto alguns argumentam que o Brexit abriu novas oportunidades para o Reino Unido moldar seu próprio destino e redefinir sua identidade global, outros veem os custos econômicos e sociais como motivo de preocupação. O caminho pós-Brexit exigirá uma abordagem cuidadosa para equilibrar interesses diversos e promover a unidade interna. Além disso, a necessidade de reformas e uma reflexão sobre a relação entre as instituições europeias e os Estados-membros tornaram-se temas centrais. À medida que o Reino Unido inicia uma nova fase fora da União Europeia, será fundamental aprender com os erros e acertos do processo do Brexit. A busca por uma cooperação construtiva entre o Reino Unido e a UE deve permanecer como um objetivo importante para enfrentar os desafios globais, promover a prosperidade econômica e preservar a paz e estabilidade na região. A história dirá o legado do Brexit, e é essencial que lições valiosas sejam extraídas dessa experiência para orientar o futuro do Reino Unido e da Europa.

 


REFERÊNCIAS

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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