Longa e duradoura é a discussão sobre qual a finalidade da pena. Uns a defendem como única e exclusivamente meio de retribuir o mal praticado pelo indivíduo contra a sociedade. Outros, como instrumento usado pelo Estado para reeducar o sujeito sob sua custódia, e posteriormente introduzi-lo uma vez mais à sociedade. Há ainda, aqueles que a enxergam sob a ótica da sociedade, para, usando do exemplo de outros, prevenir o cometimento de novos delitos.
Afora as discussões, certo é que a existência da privação de liberdade tem sido o meio mais usado como pena no Brasil. Em certa medida menos prejudicial que aquelas consistentes em trabalho força e mesmo dos suplícios, tal modalidade de pena é vista como único e mais eficiente meio de “combate à criminalidade”, de modo que a sociedade clama cada vez mais por “penas mais duras” e que os estabelecimentos penais sejam entupidos de “bandidos”.
Na data desta publicação, conforme dados fornecidos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o Estado do Rio Grande do Norte apresenta 27 estabelecimentos prisionais com capacidade total para 6388 detentos, entretanto comporta 8360, isto é, são mais de 1972 presos para além da capacidade dos estabelecimentos. E mais, ainda existem aqueles que por falta de espaço e pelo encarceramento em massa estão sob monitoramento eletrônico, somando quase 4000 monitorados e mais 4414 em prisão domiciliar.
Ora, em um estado carcerário falido, em que as celas passam a comportar mais pessoas para além do que foram projetadas, e considerando a situação natural de insalubridade decorrente da privação de liberdade e correlacionadas com questões fisiológicas da pessoa humana, é dever dos criadores/operadores do Direito estarem atentos à preservação das condições mínimas de dignidade.
E é nesse sentido que surgem diplomas como o Pacto de São José da Costa Rica, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Lei de Execuções Penais (lei n° 7.210 de 1984), todos com disposições referentes à garantia de dignidade na aplicação de penas, seja ela privativa de liberdade, seja restritiva de direitos.
O Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 5°, parte 2, deixa bem claro que a pessoa em situação de liberdade restringida é pessoa humana, indo de encontro com o difundido pensamento de que tais sujeitos sequer seriam pessoas, mas sim objetos. Como bem diz a referida disposição, “ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.
Ainda, no âmbito nacional, a Constituição da República solidifica a integridade física e moral da pessoa presa como direito fundamental, em seu artigo 5°, inciso XLIX. Bem como a Lei de Execução Penal (lei n° 7210 de 1984), dispondo como dever das autoridades intramuros e extramuros e direito da pessoa privada de liberdade, o respeito à sua integridade física e moral, em consonância com o diploma maior da República.
É perceptível que o sistema jurídico-carcerário brasileiro não carece de normas definidoras de direitos da pessoa presa, não residindo aí o problema vivido nos sistemas carcerários em âmbito nacional. A mazela do sistema é identificada no pouco caso das autoridades públicas em proporcionar uma “estadia” humanizada em seus presídios, e, menos ainda, concretizar a norma. O Estado é falido.
Como se não bastasse, as autoridades e todo o sistema judicial, tendo como pretexto o “clamor social” por justiça, aplicam a sem medidas penas restritivas de liberdade consistentes em recolhimento ao cárcere. Aumentando desenfreadamente o número de indivíduos por celas e prejudicando a função ressocializadora que tantos defendem entre seus pares.
Disto, surge o que vem sendo chamado de Estado de Coisas Inconstitucionais relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Quanto ao tema, tramita perante o Supremo Tribunal Federal, a mais de sete anos, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) de n° 347, para tratar deste problema. Porém teve como única medida concreta até o momento, qual seja, o deferimento de liminar pelo pleno que ordenou a realização de audiências de custódia em todos os presídios do país. O que se mostrou insuficiente para solucionar o caso, mas, usando da boa-fé que nos é devida, já é um bom início.
Essas e outras iniciativas que partem da própria sociedade são caminhos sendo abertos para a construção de uma nova realidade. Porém não podemos esperar que tudo seja resolvido de uma única vez, de modo a ser necessário tempo, muito tempo. Até lá é necessário ser alcançado um indivíduo por vez, usando para isso os instrumentos da advocacia.
Portanto, contrate um advogado de sua confiança que demonstre sensibilidade quanto ao tema e domínio dos assuntos envolvidos na temática. Para que, mesmo não podendo resolver o problema por completo, você e seu familiar tenham a dor causada pelo cárcere diminuída.
Publicado originalmente em: https://kawanikcarloss.com.br/tratamento-da-pessoa-privada-de-liberdade