O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E A INFUÊNCIA DA CULTURA ORGANIZACIONAL NA GESTÃO PÚBLICA – DIFICULDADES E AVANÇOS
ISRAEL PINHEIRO ROCHA COSTA[1]
RESUMO
No cenário administrativo têm surgido nos últimos anos inúmeras teorias organizacionais que contribuem para o amadurecimento da ciência administrativa e consequentemente para o sucesso de inúmeras organizações que utilizam a visão da administração para o alcance de seus objetivos. A abordagem cultural das organizações surgiu com a finalidade de também contribuir para o enriquecimento da administração, trazendo luz para as diversas relações de poder que constantemente acontecem dentro das organizações públicas. Estas relações que muitas vezes mascaram uma relação maior entre dominados e dominadores, é próprio do sistema capitalista. Assim, abordagem cultural e especificamente a cultura organizacional reflete esta dominação no âmbito da gestão pública. Com isso, percebe-se a importância de diversos gestores de se compreender a cultura organizacional para que se possam estabelecer estratégias de gestão da cultura, e reconhecer os efeitos, a influência da mesma, e com isso, esclarecendo a dimensão que o poder cultural simbólico emite sobre os componentes nestas organizações.
Palavras-chave: Administração pública. Cultura organizacional. Gestão estratégica.
INTRODUÇÃO
A produção de pesquisas sobre cultura organizacional nos últimos anos tem penetrado no cenário teórico, trazendo enormes contribuições a ciência administrativa. O presente artigo busca entender a influência da cultura organizacional sobre a gestão pública, de forma a contribuir também para com crescimento acadêmico sobre o tema.
Neste sentido, aponta-se as questões que direcionam os caminhos deste artigo:
· É possível uma conciliação entre gestão pública e cultura organizacional?
· Como se apresenta o elemento simbólico da cultura organizacional na gestão pública?
· Quais as principais dificuldades e os avanços na gestão estratégica e a cultura organizacional no setor público?
Este cenário de elementos simbólicos envolve as organizações públicas, requerendo maiores pesquisas sobre esta temática. Isto porque, mesmo na gestão pública se observa uma intensa relação entre as pessoas nas diversas relações de poder, bem como na dimensão simbólica da cultura organizacional.
A identificação das influências da cultura organizacional na gestão pública representa um instrumento de grande importância para o setor governamental. Portanto, esta pesquisa serve para analisar e demonstrar o quanto a dimensão simbólica nos entes e órgãos públicos influenciam em sua gestão. Um modelo de gestão consciente das influências da cultura organizacional pública será capaz de formular estratégias de ações adequadas a sua cultura interna, criar meios que diminuam o choque de visão na relação servidores públicos e gestores, diminuindo o impacto da cultura na gestão pública.
Por tudo, consideram-se relevante desenvolver um estudo comparativo que demonstre as influências da cultura organizacional na gestão pública gerencial que certamente também contribuirá no aprofundamento sobre cultura organizacional.
Neste cenário, o objetivo principal deste artigo é, pois, demonstrar a influência da cultura organizacional na gestão pública brasileira.
A metodologia científica adotada para buscar este objetivo foi a pesquisa bibliográfica, realizada a partir de uma análise teórica crítica e sistemática de conteúdos publicados da literatura especializada sobre este tema.
O Referencial teórico adotado para o embasamento do artigo segue a vertente teórico-metodológica de autores selecionados, que trabalham com a temática de cultura organizacional e suas interfaces, inclusive com a gestão pública, delimitando estes para uma melhor apresentação do artigo.
Desenvolvimento
Para entendermos a cultura organizacional é preciso antes, esclarecer o que vem a ser cultura e sua influência sobre as organizações, em especial as públicas. Numa visão antropológica, alega-se que a separação conceitual da vinculação humano - natureza somente acontece quando os humanos definem uma regra ou norma humana, definida como lei universal, tendo assim o surgimento da cultura. Ao se afirmar isto, compreende-se que por ela (cultura) as pessoas atribuem significações novas a sua realidade.
Conforme TAVARES (1999) em toda organização ou grupo de pessoas que se relacionam e interagem ordenadamente na busca de um alvo comum, identifica-se o conceito de cultura, mesmo nas organizacionais públicas, em todos os seus modelos históricos: patrimonialista, burocrática e gerencial.
Os efeitos da globalização e das mídias sociais levam as organizações públicas a direcionar seus produtos e serviços a um público alvo que interpreta a realidade diferente a da sua localização, promovendo nos membros da organização o chamado choque cultural, conforme BARBOSA (1999). Assim, a globalização trouxe à tona ao serviço público a análise cultural das organizações, que “só será conhecida se soubermos reconhecer a ideologia hegemônica na organização observada” como apontado por Srour (1998, p. 177).
A gestão pública realiza quase todo seu processo produtivo dentro de organizações, passando boa parte de seus processos no âmbito das mesmas, semelhante neste aspecto a toda as organizações privadas
Por isso, considera-se a nossa sociedade composta deste tipo singular de conjunto de pessoas e recursos. “Qualquer organização é composta de duas ou mais pessoas que interagem entre si, por meio de relações recíprocas, para atingir objetivos comuns” (CHIAVENATO, 2000, p. 43). Assim, existe um número variado, tais como empresas privadas e diversos órgãos públicos.
Para MAXIMIANO:
Uma organização é uma combinação de recursos que procura deliberadamente realizar algum tipo de objetivo (ou conjunto de objetivos). São nas organizações que se encontra o principal cenário de interação do processo administrativo, e que todas as organizações são sistemas (embora nem todos os sistemas sejam organizações). (2000, p. 91)
Além disso, “as organizações são propositadas e planejadamente construídas e elaboradas para atingir determinados objetivos, e também são reconstruídas, isto é, reestruturas e redefinidas, na medida em que os objetivos são atingidos ou na medida em que se descobrem meios melhores para atingi-los com menor custo e menor esforço” (CHIAVENATO, 2000, p. 44).
Cultura e gestão pública são termos que com a globalização cada vez mais têm despertado caloroso debate teórico sobre as influências de ambos.
Assim, identificamos que raças e étnicas, ou suas combinações, não são as únicas que produzem cultura, classes sociais, instituições e organizações, também produzem, bastando observar o surgimento nos últimos anos sobre esta abordagem, principalmente a organizacional, que se enquadra como um tipo particular de cultura, constituindo “daquilo que a literatura denomina de cultura de empresa (corrente francesa) ou cultura organizacional (corrente norte-americana)”. (GONÇALVES, 1998 p. 17)
Entretanto, mesmo com as inúmeras e diversas culturas geradas dentro das sociedades, principalmente com o advento moderno da globalização, existe uma tendência de uniformização das classes dominantes e médias do mundo. Uniformidade que é bastante percebida nas organizações, onde a ideologia dominante compõe manifestações semelhantes. Por sua vez, as sociedades e as organizações também, filtram e acrescentam seu próprio modo de observar estas ideologias, conforme nos relata MOTTA & CALDAS (1997).
Particularidades estas, das organizações que nos leva a entender que a cultura organizacional exprime a identidade da organização, que é construída ao longo do tempo e para seu surgimento é necessária à permanência do grupo social constituinte da organização, a fim de que as interações externas e internas da organização produzam sua própria e singular cultura, conforme FLEURY e FISCHER (1992).
A expressão cultura de empresa de cultura organizacional no atual contexto de reestruturação produtiva, remete-se a elementos como cooperação, participação, consenso e democratização nas relações de trabalho, tal como afirmativa. (Teal apud GONÇALVES, 1998, p. 17)
Cury contextualiza cultura organizacional “como um conjunto de “pressupostos” processo tais, com normas, valores, recompensas e poder, sendo atributo intrínseco à organização” (1994, p. 290). Assim, entende-se que a cultura organizacional é inerente a cada empresa ou órgãos públicos, tendo as mesmas uma dimensão simbólica que envolve qualquer organização.
Cada cultura organizacional é decifrável, ainda que, moldada nas argolas das representações imaginárias e dos símbolos, das imagens e das ideias, configura relação de saber que conjugam relações de hegemonia e conformidade, e relações de influência e adesão entre agentes coletivos bem definidos. (SROUR, 1998, p. 168).
Com relação a seus conceitos, a cultura empresarial, ainda apresenta várias definições, FREITAS (1991), aponta algumas:
· A cultura organizacional é a influência do contexto cultural da sociedade, sendo estas influências transpostas para o âmbito da organização pelos seus membros, os quais organizam suas atividades com base nos elementos transpostos;
· Cultura organizacional é o agrupamento de produtos concretos através dos quais o sistema é estabilizado e perpetuado, sendo tais produtos os mitos, sagas, sistemas de linguagem, metáforas, símbolos, cerimônias, rituais, sistema de valores e normas de comportamento;
· Cultura organizacional é o sistema de significados aceites de forma pública e coletiva por um determinado grupo num determinado tempo. Tal sistema de termos, formas, categorias e imagens interpretam para as pessoas as suas próprias situações;
Embora todos os conceitos tenham enriquecido o tema existe ainda o estabelecido por SCHEIN (apud FREITAS, 1991), que propõe ser a cultura organizacional um modelo de pressupostos básicos (basic assumptions) que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com problemas de adaptações externa e integração interna, sendo sua validade em função de sua eficácia, e a partir daí ensinados aos demais membros como a forma de lidar com àqueles problemas.
Os pressupostos são eles próprias respostas aprendidas, originadas em valores esposadas, mas, como um valor leva a um comportamento, e como tal comportamento começa a resolver problemas, esse valor é gradualmente transformado num pressuposto crescentemente internalizado como verdade (TAKENFOR GRANTED), ele sai do nível da consciência. Ou seja, passa a ser uma verdade inquestionável.
(SCHEIN apud FREITAS, 1991, p. 07-09)
Todas estas funções relacionadas a cultura é um somatório de elementos integrados que compõem um produto final. A essência da cultura é, em grande parte, ideacional, abstrata e comportamental confirmando o que relatou Fleury (1992). Um elemento importante para compreender a influência da cultura organizacional na gestão pública é o fenômeno chamado clima organizacional.
Os conceitos de cultura e clima organizacionais não são intercambiáveis, o clima organizacional “consiste em capturar a ‘temperatura social’ que prevalece na organização num instante bem preciso”. (SROUR, 1998, p. 176). Para este autor o clima é subjetivo, não representando as regularidades “simbólicas da coletividade”, indicando apenas um estado da cultura organizacional.
A cultura organizacional envolve um conjunto de valores expressos em elementos simbólicos, e percebe-se a sua influência tanto na dimensão simbólica sobre a gestão pública quanto nos elementos que agregam valores organizacionais. Estes impactos diretamente o gerenciamento das organizações, promovendo uma síntese da organização.
No que se refere a dimensão simbólica, TAVARES (1999) explica que nas organizações o universo simbólico das organizações não se resume a símbolos de poder, mesmo sendo mais abundante. Existem os de posição no mundo (logotipo ou logomarcas, cores identificadores, uniformes ‘fora do ambiente externo’, slogans, a imagem do ente público, e o produto).
Qualquer organização está inserida dentro de um sistema cultural maior, em que uma empresa, uma filial ou qualquer instituição desse tipo, funcione no âmbito do sistema cultural da sociedade a qual está inserida segundo LONGENECKER (1981). Por isso, os traços culturais de uma determinada sociedade e principalmente as características culturais nacionais influenciam diretamente na gestão empresarial.
É possível gerenciar a cultura de uma organização como sugeriu Pettigrew (apud FLEURY e FISCHER, 1992). Porém encontram-se algumas dificuldades visto que a cultura da organização representa valores e pressupostos expressos em elementos simbólicos, que ordenam, atribuem significados e constroem a identidade da organização, conforme Gonçalves (1998) torna-se complexo uma ação administrativa, principalmente no que se refere a organizar e avaliar a cultura.
A manutenção do padrão cultural vigente através de planejamento e controle administrativo torna mais possível a gestão da cultura organizacional, investindo-se no desenvolvimento dos mitos e rituais ou das práticas organizacionais (como, por exemplo, seminários para integração ou programas de treinamento) mantendo os valores básicos da organização.
Entretanto ressaltam-se as dificuldades para gerenciar a cultura da organização, principalmente no aspecto avaliativo e da organização, porque como a empresa está inserida dentro de um sistema cultura maior é extremamente difícil estabelecer mudanças culturais, sendo mais fácil modificar o quadro de colaboradores, atraindo aqueles identificados com a cultura desejada.
Expostos todas as dificuldades para gerenciar a cultura organizacional, ressalta-se ainda que este processo administrativo dependa fundamentalmente das ferramentas da gestão de recursos humanos para o alcance do êxito nesta questão. Nisto esta área organizacional sofre influência direta da cultura, servindo de instrumento para a mesma.
Para SROUR (1998) no centro das culturas organizacionais se encontram ideologias, que modelam as relações sociais no cenário organizacional. Relações estas que a Gestão pública tentará amenizar, impedir o surgimento de conflitos na relação capital-trabalho, segundo FLEURY & FISCHER (1992). Assim as políticas governamentais procuram abordar a cultura da organização para modelá-la conforme os padrões da ideologia do capital.
Conclusão
No atual cenário da gestão pública, a cultura organizacional trouxe inúmeras contribuições para a compreensão das organizações, modificando sua forma de atuação, interação e controle social.
Estas contribuições proporcionaram aos gestores se posicionarem de forma adequada na elaboração da sua missão, visão dos seus objetivos, dos seus valores, das suas estratégias sempre reconhecendo a importância do fator interno, que a cultura organizacional traz. Cultura esta que é em grande parte, ideacional, abstrata e comportamental, englobando elementos como valores, crenças, atitude, normas, símbolos e que se envolve também com a cultura local onde está inserida.
Assim, entendem-se os efeitos da cultura organizacional sobre a gestão pública brasileira. Artigo este que não tem a intenção de ser exaustiva, mas que contribui apontando algumas influências como a dimensão simbólica que as pessoas tem da organização, do mascaramento das relações de poder na forma de produção capitalista, em que tanto os servidores efetivos, temporários e terceirizados são cooptados pela ideologia dominante que pauta a gestão pública brasileira.
Além disso, percebe-se que certas condutas, atitudes e valores considerados imorais ou ilegais, tais como o paternalismo, o assistencialismo, burocratismo, autoritarismo e outros elementos negativos que muitas vezes constitui as gestões públicas brasileiras estão estreitamente ligadas, sua gênese e conservação, aos efeitos e influência da cultura organizacional patrimonialista que ainda deixa traços no Brasil, mesmo após as reformas burocráticas e gerencial.
Percebe-se também que este tipo singular de cultura influência na política de recursos humanos das organizações, pois são esse quem lidam direto com a gestão da cultura. A figura do herói, do líder carismático foi outra influência significativa, pois este componente cultural serve como combustível para a produtividade dos trabalhadores, servindo de modelo, bem como mascarar as dificuldades gerenciais.
Neste trabalho é possível constatar-se a relevância do estudo sobre a cultura organizacional, identificando na influência ativa e direta na gestão pública, mesmo a do modelo gerencial. Ressalta-se que a mesma serve de instrumento manipulatório nas relações capitalistas entre governo e trabalhadores e que oculta a exploração destes últimos pela dimensão simbólica, a qual também serve para mascarar os conflitos do modelo econômico-político vigente.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Lívia. Igualdade e meritocracia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
CHIAVENATO, Idalberto. Recursos humanos. Ed. Compacta, São Paulo: Atlas, 1998.
CURY, Antonio. Organizações e métodos. São Paulo: Atlas, 1994.
FLEURY, Maria Teresa Leme & FISCHER, Rosa Maria. Cultura e poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1992.
FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma? Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
____________. Cultura organizacional: formação, tipologias e impactos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1991.
GONÇALVES, Alicia Ferreira. Cultura de participação no setor de telemática, Campinas: Editora Unicamp, 1998.
LONGENECKER, Justin G. Introdução à administração. São Paulo: Atlas, 1981.
MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Introdução à administração. São Paulo: Atlas, 2000.
MOTTA, Fernando C. Prestes e CALDAS, Migues Prestes (org). Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Atlas, 1997.
OLIVEIRA, Marco Antônio G. Cultura organizacional. São Pualo: Nobel, 1988.
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. São Pualo: Atlas, 1998.
TAVARES, Maria das Graças de Pinho. Cultura organizacional: uma abordagem antropológica. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.
[1] Formado em Administração pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Pós-graduando MBA Executivo em Gestão Pública – UCAM. É administrador do Ministério da Saúde.