A responsabilidade civil do Estado por omissão na pandemia de Covid-19

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RESUMO:

O presente trabalho tem por objetivo empreender um estudo sobre a responsabilidade civil do Estado por sua atuação na pandemia de Covid-19. Foi analisada a responsabilidade civil do Estado, sua evolução, fundamentos, pressupostos e excludentes, a modalidade de responsabilização por omissão e, por fim, breve explanação sobre o contexto da pandemia e casos em que pode ter havido a omissão no que tange ao do coronavírus no Brasil. Ao final, concluiu-se que os casos de omissão devem ser analisados em suas particularidades, a fim de averiguar se há, de fato, a responsabilidade do ente público e se esta gera o dever de indenizar ou ressarcir ou se o evento danoso alberga uma das excludentes da responsabilização estatal.

Palavras-chave: responsabilidade civil; Estado; omissão; covid-19; pandemia.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo possui como objetivo compreender em que ponto os riscos da pandemia da Covid-19 deixaram de ser inevitáveis e passaram a decorrer de atos omissivos da administração pública, caracterizando, portanto, a responsabilidade civil estatal por omissão. Visando tal fim, é necessário a análise dos seguintes objetivos específicos: a) verificar o conceito, requisitos e excludentes da responsabilidade civil do Estado; b) identificar quando há casos de responsabilidade estatal por omissão; c) analisar a responsabilidade civil do Estado por omissão dentro do contexto da pandemia da Covid-19.

A problematização da pesquisa é guiada pela relevância social do tema e a necessidade de evidenciar que a responsabilidade civil estatal por omissão depende da verificação dos requisitos que demonstre tal responsabilidade. Além disso, é necessário que não se enquadrem dentro dos fatores de excludente dessa forma de responsabilidade.

A hipótese é formulada pela possibilidade de responsabilização estatal por omissão – desde que se verifique a presença dos requisitos necessários e não incidam as excludentes de ilicitude no caso concreto – no contexto dos desafios enfrentados pela sociedade frente a pandemia da Covid-19 e a falta de importância dada ao tema pelo Estado.

2 NOÇÕES GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Antes de adentrar, de fato, no tema proposto, é necessária uma breve contextualização das principais características da responsabilidade civil do Estado. Desse modo, faz-se necessário a análise do conceito, evolução, fundamentos, pressupostos e os fatores excludentes da responsabilidade estatal.

2.1 CONCEITO, EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado é compreendida como o dever de reparar danos provenientes da ação omissiva ou comissiva da atividade estatal (OLIVEIRA, 2020).

Para que se chegasse a tal definição, essa matéria passou por algumas transformações, pois era observada uma falha no sentido do dever de reparar os danos causados por ações ou omissões estatais. Assim, tal responsabilidade evoluiu desde a teoria da irresponsabilidade absoluta até a responsabilidade objetiva.

Na fase da irresponsabilidade absoluta era impossível atribuir o dever de indenizar ao governante, tendo em vista que ele era detentor de todos os poderes, que se acreditava serem divinos à época. Essa fase decaiu a partir do advento das revoluções burguesas e o surgimento dos princípios da legalidade e da separação dos poderes. Essa teoria jamais vigorou no Brasil (OLIVEIRA, 2020).

Já a responsabilidade subjetiva consiste na responsabilização do Estado fundamentada na culpa (individual ou anônima) dos agentes públicos. Na culpa individual é necessário a identificação do agente público e a demonstração de sua culpa; e na culpa anônima não é necessária a identificação do agente, basta demonstrar que o serviço público se mostrou falho. Tal teoria foi consagrada nas Constituições de 1934 e 1937 (OLIVEIRA, 2020).

Portanto, é notório que ambas teorias que compõem a responsabilidade subjetiva são baseadas na culpa, ou do agente individual ou do serviço público. A responsabilidade civil objetiva está presente no nosso ordenamento jurídico atualmente e consiste na dispensa da vítima de provar culpa para receber a reparação pelos danos experimentados em virtude de ação do Estado (OLIVEIRA, 2020).

Tal teoria é fundamentada pelo artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, afirmando que:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).

2.2 FUNDAMENTOS, PRESSUPOSTOS E EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado está amparada pelo fundamento do risco administrativo – adotada pela Constituição Federal – o Estado será responsabilizado por danos que causar a terceiros independentemente de culpa, entretanto, é permitido alegar as excludentes de responsabilidade, diferentemente da teoria do risco integral que afasta tal possibilidade (OLIVEIRA, 2020).

Assim, para que haja a configuração da responsabilidade objetiva do Estado é necessário a presença de três elementos: o fato administrativo, o dano e o nexo causal. O fato administrativo corresponde à atuação do agente público, sendo ela comissiva ou omissiva. O dano pode ser definido como a lesão ao bem jurídico da vítima e o nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a lesão sofrida pela vítima e a atuação do agente público (OLIVEIRA, 2020). Há diversas teorias que tentam definir o nexo de causalidade, porém nenhuma é suficiente. Sendo necessário sempre a análise do caso concreto para a aplicação de alguma das teorias apresentadas pelos doutrinadores.

Além disso, a teoria do risco administrativo afirma que o Estado pode se defender da responsabilidade de indenizar por meio da exclusão do nexo de causalidade, que comprove que a atuação do Estado nada tem a ver com a lesão sofrida pela vítima. Assim, são excludentes do nexo causal o caso fortuito ou de força maior, fato exclusivo da vítima e fato de terceiro (OLIVEIRA, 2020).

Assim, o caso fortuito ou de força maior corresponde aos fenômenos humanos ou naturais imprevisíveis que causam danos às pessoas (OLIVEIRA, 2020). Dessa forma, observa-se que não há a atuação do agente público, excluindo – portanto – o nexo causal e a responsabilização civil do Estado.

Já o fato exclusivo da vítima é quando o dano é causado pela própria vítima. É importante salientar a análise do caso concreto, pois o Estado somente se afastará da responsabilidade se for comprovado a imprevisibilidade e inevitabilidade do dano (OLIVEIRA, 2020).

O Fato de terceiro é quando o dano é causado por alguém que não tem relação com o Estado (OLIVEIRA, 2020). Excluindo – portanto – o nexo causal e a responsabilidade estatal. Assim, por meio da teoria do risco administrativo é permitido ao Estado alegar tais excludentes de responsabilidade, já que desconfiguram o nexo causal por não haver a conexão da atuação do agente público e o dano sofrido pela vítima.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO

Como já explicado anteriormente, a responsabilidade civil do Estado está atrelada à obrigação que o poder público possui em reparar os danos causados à terceiros, devido a ocorrência de suas condutas comissivas ou omissivas, que vieram a ferir outras pessoas durante a realização de suas atividades. Assim, busca-se agora evidenciar as características por trás da responsabilidade civil por omissão, que ocorre quando o Estado deixa de agir para impedir que determinado dano aconteça.

Para isto, verifica-se primeiro quais são os requisitos necessários para que se caracterize a responsabilidade civil do estado por omissão, sendo: o dano sofrido, o nexo de causalidade e a conduta estatal. O dano sofrido diz respeito à lesão de um bem que possui proteção jurídica, sendo provido de condutas lícitas ou ilícitas; o nexo de causalidade se refere a relação presente entre o fato ocorrido e o dano consumado devido a omissão estatal, ensejando responsabilidade do Estado; e a conduta estatal, que verifica a qualidade do agente que representa o Estado durante a realização de um ato (DE ARAÚJO, 2018).

Dito isto, antes de tudo, é preciso ter em mente que nem toda situação de omissão do Estado enseja a obrigação de reparar danos, pois é imprescindível que haja primeiro uma comprovação na qual se demonstre a obrigação de fazer que o Estado tinha para tal caso. Nesse sentido, Araújo (2018, p. 107) afirma que:

No entanto, para que reste configurada a omissão ensejadora da responsabilidade, essa precisa estar ligada a um dever-fazer do Estado. Ou seja, o Estado só responde por omissão quando deveria atuar e não atuou, quando descumpre um dever legal de agir. Trata-se, portanto, de comportamento ilícito, que pode ser individualizado na pessoa de um funcionário ou de forma genérica, no caso em que se caracteriza a faute de servisse.

Logo, para que seja evidenciada a omissão do Estado faz-se necessário a comprovação do seu dever-fazer em cada situação, pois, do contrário, o Estado acabaria sendo afetado injustamente em casos na qual o mesmo não possui nenhuma vinculação de obrigação. Desse modo, deve-se averiguar o nexo de causalidade na participação do Estado.

Torna-se importante estudar a responsabilidade civil por omissão em virtude de muitos dos casos de eventos mais danosos cometidos contra terceiros estarem ligados à inércia do Estado em ter realizado alguma atividade para evitar que o dano se consumasse. A respeito disso, Farias, Braga Netto e Rosenvald (2015, p. 1054) discorrem:

O não agir, ou o agir precário ou ineficiente, pode lesionar, moral e materialmente, o cidadão (pensemos, para ficar numa situação tristemente comum, na mãe que vê seu filho falecer, na porta de um hospital público, porque não há vagas ou não há médicos). O Estado também pode responder pela omissão de não fiscalizar (pode, por exemplo, ser responsabilizado solidária ou subsidiariamente porque não fiscalizou o prédio que desabou, matando e ferindo pessoas; pode ser responsabilizado porque não fiscalizou como deveria a empresa que causou terrível dano ambiental, ou autorizou determinada atividade que não deveria ter autorizado). São muitos os modos através dos quais a omissão estatal poderá ser danosa. O Estado, por exemplo, ao receber um preso, fica responsável por sua integridade física e moral. Se ocorrem danos na prisão, causados, não por agentes estatais (carcereiros, policiais, agentes penitenciários, mas por outros detentos, o Estado responde. A omissão estatal, no caso, é evidente, e o nexo causal, muito claro. O Estado pode ser responsabilizado por ter se omitido em cuidar das estradas, desde que essa omissão esteja ligada, em linha causal, ao dano (a perícia demonstra que o buraco na curva foi a causa do acidente que vitimou o casal, por exemplo).

Com isso, evidencia-se a necessidade de discussão a respeito da responsabilidade civil por omissão, haja visto os diversos casos em que ela se mostra presente em nossa sociedade conforme listado segundo os autores acima.

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Por fim, busca-se trazer o enquadramento da responsabilidade civil do Estado no que se refere a teoria subjetiva ou objetiva do assunto. Para alguns autores a omissão estatal estaria configurada de acordo com a teoria subjetiva e, desse modo, o dever de obrigação de indenização em conduta omissiva só se realizaria se presente o elemento subjetivo de culpa, admitindo-se a aplicação de culpa anônima (MARINELA, 2018). Por outro lado, alguns autores defendem a perspectiva da teoria objetiva, tendo por base o texto legal do Art. 37, § 6, da CF, em que consideram a omissão estatal como sendo causa suficiente de dano, independente da presença de culpa. (DE ARAUJO, 2018).

Apesar da divergência entre as doutrinas apresentadas sobre qual corrente a omissão estatal está configurada, deve-se estar atento ao fato de que a culpa não constitui o principal elemento para verificar se está presente a obrigação do Estado em seu dever de fazer. Isto acontece, pois, a referência principal para determinar a obrigação do estado se encontra presente no nexo de causalidade, independente se adotado a teoria subjetiva ou objetiva, haja visto que mesmo presente a caracterização de culpa ou não, o Estado não se responsabiliza por situações na qual não está comprovada a sua necessidade de participação por meio do nexo de causalidade. Isto posto, cabe verificar de que modo se opera a omissão estatal no enfrentamento da pandemia de coronavírus no Brasil.

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E A PANDEMIA DE COVID-19

A pandemia figura como umas das maiores crises sanitárias já enfrentadas pelo Brasil. Com os primeiros casos identificados no final de 2019, o coronavírus logo ganhou destaque mundial como um desafio aos sistemas de saúde de todo o mundo, principalmente em função da amplitude do contágio da doença e rapidez com que se alastrou (SÁ, 2020).

No Brasil, o primeiro caso foi registrado em fevereiro de 2020, quando um morador de São Paulo que retornava da Itália, à época um dos maiores pontos de contágio mundiais, procurou uma unidade de saúde e recebeu o diagnóstico da infecção pelo vírus da Covid-19 (O GLOBO, 2021). A Organização Pan-Americana de Saúde pontua que:

A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. Outros sintomas menos comuns e que podem afetar alguns pacientes são: perda de paladar ou olfato, congestão nasal, conjuntivite, dor de garganta, dor de cabeça, dores nos músculos ou juntas, diferentes tipos de erupção cutânea, náusea ou vômito, diarreia, calafrios ou tonturas.

Apesar de os efeitos mais graves da doença se revelarem em idosos e pessoas com comorbidades, a realidade fática do país já evidenciou que todos estão vulneráveis à infecção pelo vírus que, quando agravado, lamentavelmente resulta na morte dos infectados. Destarte, é cristalino que a covid-19 acometeria a população brasileira, logo após acometer diversos países, sendo pouco crível que alguma nação pudesse conter todos os efeitos da pandemia (BISNETO; SANTOS; CAVET, 2020). Contudo, nem todos os eventos da pandemia podem ser tidos como inesperados e, por isso, inevitáveis. É certo que equipamentos de proteção, conscientização da população e ampliação da capacidade do sistema de saúde nacional, o SUS, figuram como diferencial no combate à doença.

Assim, o presente trabalho busca entender em que ponto os riscos da pandemia deixaram de ser inevitáveis e passaram a decorrer de atos omissivos da Administração Pública. A controvérsia reside na possibilidade de responsabilizar o Estado por danos advindos de omissões na implementação ou efetivação do combate e prevenção à pandemia, como na insuficiência de vacinas para a população, incitação ao descumprimento de regras de isolamento e insuficiência no fornecimento de equipamentos aos profissionais da saúde que atuaram na linha de frente da doença.

Para que se demonstre a ocorrência ou não de omissão pelo ente público, é necessária a verificação da presença dos requisitos da ocorrência de conduta (lícita ou ilícita), dano e nexo causal, vez que o ordenamento jurídico brasileiro adota a Teoria da Responsabilidade Objetiva que para restar comprovada a responsabilidade basta mera relação causal entre o comportamento de um agente público e o dano (CARVALHO, 2022).

Quanto ao ato ilícito ou antijurídico praticado pelo Estado, esclarece Silva (2019, p. 187- 188) que:

A antijuridicidade por omissão somente poderia ser observada quando da existência da violação de um dever de ação, isto é, uma conduta devida que não se cumpriu. Ainda que se admita, como tratado acima, que esses deveres de conduta podem não estar previstos, expressamente, pelas regras jurídicas, é importante, para um mínimo de segurança jurídica, que existam parâmetros para sua definição, impedindo a generalização absoluta de um dever de atuar, pois impossível admitir que as pessoas estejam a todo o tempo obrigados a evitar qualquer tipo de dano em relação a quem quer que seja.

Partindo do pressuposto de que a saúde é garantia assegurada constitucionalmente enquanto direito de todos e dever do Estado, bem como a redução do risco da doença e de outros agravos, conforme art. 196 da Constituição Federal (1988), tal direito figura como fundamental à vida e à dignidade da pessoa humana e, uma vez que o Estado deixa de assegurar tal direito ou o faz de modo insuficiente, incorre em conduta omissiva e, consequentemente, ato ilícito. Tal conduta é verificada em diversas frentes, desde a ausência ou ineficácia do dever de fiscalizar e coibir aglomerações (omissão), até a atuação orquestrada propagação de notícias falsas sobre a vacinação e medicamentos eficazes no tratamento e incitação à violação às medidas de combate e controle da doença (OLIVEIRA; MOREIRA, 2021).

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Assim, é possível inferir que, no caso concreto, se o Estado não seguiu recomendações médicas e científicas a fim de adotar medidas de combate e enfretamento à pandemia, como o uso de máscaras, vacinas e isolamento domiciliar, incorre no desrespeito de um dever previsto constitucionalmente, o de garantir o direito a saúde e evitar danos a todos, do que resta demonstrada clara violação ao princípio da legalidade e, consequentemente, atuação omissa.

Noutro giro, o dano é elemento primordial para que seja verificada a responsabilidade do Estado por omissão, pois, conforme ensina Carvalho (2022, p. 374), “para que haja a responsabilização do ente público, não basta provar a existência de prejuízo, uma vez que é indispensável que se trate de dano jurídico”. Assim, o dano atingirá um bem tutelado pelo direito para que se reconheça o dever de indenizar ou ressarcir. Se não há dano, inexiste a lesão de direito a ser reparada e, portanto, a responsabilização.

Quanto aos danos imputáveis ao Estado na pandemia, ensinam Oliveira e Moreira (2021) que:

Pedidos de indenização que se fundamentarem em prejuízos decorrentes de políticas públicas de quarentena e de distanciamento social, por exemplo, são dos mais problemáticos. Consideramos que uma diretriz geral para esses casos será o reconhecimento de que, mesmo diante da legalidade da atuação estatal comprovada e previamente alinhada à observância de parâmetros técnico-científicos nas normas que impuseram paralisação de atividades, ainda assim poderão ocorrer danos anormais e especiais a alguns segmentos econômicos, os quais, em tese, comportarão o dever estatal de indenizá-los em face de específicas situações.

Assim, nos casos de dano causado pelo Poder Público caberá à vítima afetada demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano sofrido, além da violação do bem jurídico, como visto alhures, devendo o caso concreto ser analisado à luz de suas particularidades. Caso em que pode ser vindicada tal responsabilização é a ausência de leitos nos hospitais para pacientes internados com covid, o que acaba por gerar longas filas de espera por leitos levando o paciente, em muitos casos, a falecer na espera do tratamento e estrutura adequados (JUCÁ, 2020), do que resta caracterizado o dano sofrido (a morte do paciente) e a violação ao bem jurídico tutelado (o direito à vida e à saúde).

Entendimento semelhante pode ser aplicado aos danos causados em virtude da negligência estatal decorrente de condições insalubres de trabalho e má distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras adequadas e álcool em gel, aos agentes públicos que atuaram no combate da pandemia (OLIVEIRA; MOREIRA, 2021)

Por fim, o nexo de causalidade vai delimitar os parâmetros em que haverá ou não responsabilização do Estado por condutas omissivas na pandemia. Assim, leciona Carvalho (2022, p. 375):

Como regra, O Brasil adotou a teoria da causalidade adequada, por meio da qual o Estado responde, desde que sua conduta tenha sido determinante para o dano causado ao agente. [...] interrompe-se o nexo de causalidade e, consequentemente, se exclui a responsabilidade do Estado todas as vezes em que atuação do agente púbico não seja suficiente, por si só, a ensejar o dano ora reivindicado.

Nessa relação de causalidade há duas funções: indenizar o efetivo do dano, imputando as consequências jurídicas a quem o pratica, e determinar a extensão do prejuízo para proporcionar reparação à vítima (FARIAS; BRAGA NETTO; ROSENVALD, 2015, p. 459).

No contexto da pandemia de covid-19, entende-se que o nexo causal restara evidenciado apenas quando o ato ilícito imputado à conduta do Estado for a causa do dano e simultaneamente inexistir a interrupção de tal requisito, o que ensejaria umas das hipóteses de excludente da responsabilização conforme visto em tópicos anteriores. Como exemplo, se for provado que a conduta do Estado no enfrentamento à pandemia foi insuficiente – deixando de atender a recomendações médicas e sanitárias, demora excessiva e injustificada na oferta das vacinas ou a falta de leitos hospitalares – e isso for causa determinante ao evento danoso caracterizado pelas milhares de mortes e incapacitações ocorridas, na medida em que deixou de cumprir dever constitucional e violou princípios da Administração Pública, ter-se-ia configurada a responsabilidade por omissão do Estado (OLIVEIRA; MOREIRA, 2021).

Contudo, tais eventos devem ser analisados minuciosamente, considerando as peculiaridades do caso concreto e as hipóteses de excludente de ilicitude que possam estar presentes, como caso fortuito ou de força maior, fato exclusivo da vítima e fato de terceiro, a fim de que se verifique se o Estado foi de fato omisso e não o idealizar com segurador universal e responsável por toda e qualquer evento danoso que acometa a sociedade.

5 CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo principal realizar uma pesquisa a respeito da responsabilidade civil do Estado por omissão na pandemia de COVID-19, devido ao panorama de proporções mundiais que a doença tomou. Para tanto, inicialmente realizou-se uma contextualização sobre a responsabilidade civil do Estado, demonstrando seu conceito, evolução e os fundamentos que a caracterizam. Logo após, verificou-se o conceito de omissão aplicado à responsabilidade civil do Estado, e por fim, relacionou-se tal omissão para investigar sua presença durante a pandemia de COVID-19.

Como resultado, tem-se que apesar de a pandemia de COVID-19 ter sido um acontecimento recente, e de tal forma, surgindo de forma inevitável e inesperada, ainda assim ensejaria a responsabilidade civil do Estado por omissão devido a sua negligência em realizar medidas efetivas e necessárias para conter os avanços da doença. Isto se tornou claro ao ter sido evidenciado os casos em que o Estado não agiu para garantir o direito constitucional da saúde, tal como quando se mostrou inerte em adotar condutas que coibiriam a realização de aglomerações, não se predispor na compra de vacinas, e na insuficiência de fornecer materiais de equipamento hospitalar necessários ao combate da doença. Desse modo, conclui-se que há de fato a possibilidade de responsabilização do Estado por omissão devido suas atitudes tomadas na pandemia da COVID-19.

REFERÊNCIAS

BISNETO, Cícero Dantas; SANTOS, Romualdo Baptista dos; CAVET, Caroline Amadori. Responsabilidade civil do Estado e pandemia da COVID-19. Revista Iberc, v. 3, n. 2, p. 71-92, 10 jul. 2020. Disponível em: https://revistaiberc.responsabilidadecivil.org/iberc/article/view/111. Acesso em 13 dez. 2022.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2022]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 11 dez. 2022.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 10. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: JusPODIVM, 2022. 1504 p.

DE ARAÚJO, Eugênio Rosa. A responsabilidade civil do Estado por omissão e suas excludentes. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, nº, v. 69, p. 105, 2018. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1240456/Eugenio_Rosa_de_Araujo.pdf. Acesso em: 11 dez. 2022.

FARIAS, Cristiano Chaves de; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto; ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2015. 1276 p.

JUCÁ, Beatriz. Mais de 4.000 pessoas com covid-19 morreram à espera por um leito de UTI em seis Estados brasileiro. El País. São Paulo, ago. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-26/mais-de-4000-pessoas-com-covid-19-morreram-a-espera-por-um-leito-de-uti-em-seis-estados-brasileiros.html. Acesso em: 14 dez. 2022.

MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Sarava Educação, 2018. 1.060 p.

O GLOBO. Linha do tempo mostra os principais fatos da pandemia no Brasil: primeiro caso da covid-19 no país foi registrado há um ano. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/linha-do-tempo-mostra-os-principais-fatos-da-pandemia-no-brasil-24897725. Acesso em: 10 dez. 2022.

Oliveira, Gustavo Henrique Justino de; Moreira, Matheus Teixeira. Covid-19 e (ir)responsabilidade civil do Estado no Brasil. Revista Consultor Jurídico, set. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-05/publico-pragmatico-covid-19-irresponsabilidade-civil-estado-brasil. Acesso em: 08 dez. 2022.

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SÁ, Dominichi Miranda de. Especial Covid-19: Os historiadores e a pandemia. Fundação Oswaldo Cruz Notícias, 2020. Disponível em: https://www.coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1853-especial-covid-19-os-historiadores-e-a-pandemia.html?tmpl=component&print=1&page=. Acesso em: 10 dez. 2022.

SILVA, Rafael Peteffi da. Antijuridicidade como requisito da responsabilidade civil extracontratual: amplitude conceitual e mecanismos de aferição. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 18, n. 6, p. 169-214, mar. 2019. Disponível em: http://ojs.direitocivilcontemporaneo.com/index.php/rdcc/article/view/568. Acesso em: 12 dez. 2021

Sobre os autores
Rodrigo Licar Costa

Graduando em Direito Bacharelado pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

Luis Gustavo Clarentino Dias

Graduando em Direito Bacharelado pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).︎

Arilson Pereira do Nascimento Junior

Graduando em Direito Bacharelado pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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