A Lei n.º 4.886/65 – Lei do Representante Comercial –, em seu art. 32, §4º, prevê que as comissões do representante comercial deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias. In verbis:
Art. 32. O representante comercial adquire o direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas. [...]
§ 4° As comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias.
A partir da interpretação do referido dispositivo legal, surgiu, na jurisprudência, discussão acerca da possibilidade – ou não – de as partes pactuarem, no Contrato de Representação Comercial, a exclusão do valor de determinadas verbas – a exemplo do frete –, da base de cálculo da comissão.
Relativamente ao frete, o argumento de defesa da linha interpretativa permissiva do desconto era de que referido valor não integraria o valor da mercadoria, e seria, portanto, válida a previsão de desconto de tal valor da base de cálculo das comissões.
Contudo, esse entendimento viola frontalmente a legislação atinente à matéria, eis que o espírito da previsão legal supracitada é, justamente, proteger o representante contra abatimentos indevidos da base de cálculo das comissões. Neste contexto, a representada não pode efetuar descontos, sob pena de enriquecer ilicitamente às custas dos Direitos do representante.
Percebe-se, da redação do artigo supramencionado, que a Lei se refere ao preço total da mercadoria, que será, obviamente, aquele constante na Nota Fiscal, eis que a legislação não faz distinção entre esse e o preço líquido da mercadoria. Assim, a Lei veda descontos no valor da mercadoria para fins de base de cálculo das comissões, ao prever, expressamente, que as comissões deverão ser calculadas pelo “valor total das mercadorias”.
Portanto, ainda que conste expressamente no contrato a possibilidade de exclusão do valor do frete da base de cálculo, referida cláusula seria ilegal e abusiva. A cláusula violaria frontalmente o art. 32, §4º, da Lei n.º 4.886/65 e, ainda, vai de encontro à jurisprudência dos Tribunais Pátrios, inclusive, do Superior Tribunal de Justiça.
Os Tribunais Pátrios, ao julgarem a matéria, já se manifestaram pela impossibilidade de descontar da base de cálculo das comissões em contratos de representação do valor a título de frete, justamente em razão da vedação legal do referido dispositivo.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo:
APELAÇÃO AÇÃO DE COBRANÇA CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL Rescisão imotivada e sem aviso, a ensejar as indenizações previstas na Lei n.º 4886/65 Desconto das comissões a título de frete. Impossibilidade Vedação legal. Comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias. Precedentes deste E. Tribunal Sentença de procedência da ação mantida. Recurso de apelação improvido. (Apelação Cível n.° 0018855-82.2011.8.26.0344, 37ª Câmara de Direito Privado. TJSP. Rel.: Des. Leonel Costa, DJ 06.08.2012)
Representação comercial - Comissão - Desconto do valor do frete e das vendas não concretizadas, com a devolução da mercadoria, assim como vendas com mercadorias de simples remessa - Inadmissibilidade - Cláusula contratual que não exclui o frete do montante do cálculo da comissão, assim como a devolução de mercadorias ou a simples remessa de mercadorias, como gratificação ao comprador, tratam-se essas duas últimas circunstâncias de fatos supervenientes à venda, estranhos, portanto, ao direito da autora ao recebimento da comissão em face da venda - Rescisão do contrato pela representada, sem apontar justa causa e aviso prévio - Ação que deve ser julgada Integralmente procedente - Recurso improvido. (Apelação Cível n.° 9126422-67.2000.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado. TJSP. Rel. Des. Cunha Garcia, DJ 03.03.2006)
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do mesmo modo, entende pela impossibilidade de descontar o frete da base de cálculo das comissões. E, ainda, entende pela impossibilidade de descontar o valor a título de impostos ou outras despesas da base de cálculo das comissões, sob pena de infração ao art. 32, §4º, da Lei n.º 4886/65. Nesse sentido:
[...] Desconto de impostos e outras despesas sobre a base de cálculo das comissões. impossibilidade. Infração ao disposto no art. 32, § 4º, da Lei nº 4.886/65. Os impostos que integram o valor das mercadorias não podem ser excluídos da base de cálculo das respectivas comissões, devendo ser alcançada à representante a diferença daí proveniente, com os consequentes reflexos nas parcelas indenizatórias. IV. [...]. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível n.º 70056676471, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 04/12/2014)
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.162.985/RS, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, esclarece que “a lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão do representante, entre o preço líquido da mercadoria - excluídos os tributos -, e aquele pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida e que consta na nota fiscal”.
E, ainda, a Relatora Ministra Nancy Andrighi, citando Carlos Alberto Hauer de Oliveira, expõe que:
“a base de cálculo das comissões deve necessariamente ser o valor total das mercadorias (art. 32, §4º), o que restringe a possibilidade de as partes preverem a melhor sistemática para a justa remuneração, impedindo, p.ex., que se deduzam da base de cálculo despesas determinadas, tais como alguns tributos, frete, embalagem, mesmo que haja suficiente justificativa econômica para tal”. (grifo nosso).
No mesmo sentido, citam-se outros julgados do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMPLEMENTAÇÃO DE COMISSÃO. BASE DE CÁLCULO.
1. Ação de cobrança de diferenças de comissões de representação comercial.
2. A jurisprudência desta Corte perfilha entendimento segundo o qual o valor das mercadorias a que faz referência o art. 32, § 4º, da Lei 4.886/65 - e que serve como base de cálculo para o cálculo da comissão devida ao representante comercial - corresponde ao valor dos produtos no momento em que realizada a venda, considerando-se o preço lançado na nota fiscal, nele incluídos o valor dos tributos e qualquer outros que tenham constado da nota fiscal, como, eventualmente, o frete. (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.755.097/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/12/2019, DJe de 5/12/2019.)
[...] 1. No que tange ao artigo 32, § 4º, da Lei 4.888/65, "[a] melhor interpretação a ser conferida ao aludido dispositivo é no sentido de que a comissão deve ser calculada com base no preço da mercadoria no momento da venda intermediada pelo representante, o que corresponde ao valor total do produto até essa fase da comercialização". (REsp 756115/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 13/02/2012) 2. Tendo em vista a interpretação conferida ao dispositivo pelo STJ, descabe o abatimento dos impostos da base de cálculo da comissão. 3. Agravo regimental não provido. (Quarta Turma, EDcl no REsp 998.591/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 29/08/2012)
COMERCIAL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMISSÃO. LEI Nº 8.420/1992, ART. 32, § 4º. BASE DE CÁLCULO. IPI. INCLUSÃO. PREÇO FINAL DO PRODUTO. 1 - Nos termos do artigo 32, § 4º, da Lei nº 8.420, de 8 de maio de de 1992, que introduziu modificações na Lei n. 4.886, de 9 de dezembro de 1965, diploma que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos, "as comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias". 2 - A melhor interpretação a ser conferida ao aludido dispositivo é no sentido de que a comissão deve ser calculada com base no preço da mercadoria no momento da venda intermediada pelo representante, o que corresponde ao valor total do produto até essa fase da comercialização. [...] 4 - Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 756.115/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, DJe 13/02/2012).
[...]. 2.- Nos contratos de representação comercial, a comissão deve ser calculada com base no preço da mercadoria no momento da venda intermediada pelo representante, o que corresponde ao valor total do produto. Precedentes. Incidência da Súmula n. 83/STJ. 3.- Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 477.139/MS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 27/05/2014, DJe 13/06/2014) (grifei)
[...] 4. Discussão acerca da inclusão do valor dos tributos na base de cálculo da comissão do representante comercial. 5. A lei não faz distinção, para os fins de cálculo da comissão do representante, entre o preço líquido da mercadoria - excluídos os tributos -, e aquele pelo qual a mercadoria é efetivamente vendida e que consta na nota fiscal. 6. O preço constante na nota fiscal é o que melhor reflete o resultado obtido pelas partes (representante e representado), sendo justo que sobre ele se apoie o cálculo da comissão. Precedentes. 7. Recurso especial de ILHÉUS COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA. desprovido. 8. Recurso especial de SHERWIN WILLIAMS DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA conhecido em parte e, nesta parte, desprovido. (REsp 1162985/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/06/2013, DJe 25/06/2013) (grifei)
Percebe-se que o entendimento jurisprudencial inibe a prática de descontar, não só o frete, mas, sim, uma série de custos e despesas do valor da base de cálculo das comissões, tais como valores relativos a tributos, despesas de embalagem etc..
Portanto, as comissões dos representantes comerciais devem ser calculadas pelo valor total da mercadoria, compreendido este como o valor total da Nota Fiscal; e, assim, o frete não pode ser descontado da base de cálculo, sob pena de violar frontalmente o art. 32, §4º da Lei n.º 4.886/65.