É frequente cenas de pessoas sendo abordadas em estabelecimentos comerciais por estarem furtando produtos expostos. Ainda, como é habitual para a manutenção da segurança dos referidos estabelecimentos, verifica-se a existências de sistemas de monitoramento associados à presença de agentes internos, normalmente conhecidos como “prevenção de perdas”, que estão constantemente circulando no ambiente comercial.
Disto surgiu grande discussão nos tribunais superiores quanto à aplicabilidade da teoria do Crime Impossível a tais situações, visto que se tornou praticamente impossível haver a inversão efetiva da posse1 do bem subtraído pois, antes mesmo de o agente delituoso sair do estabelecimento, já é abordado por seus funcionários que impedem a fuga e recuperam o produto.
Pois bem, de início é necessário entender do que se trata o crime impossível.
Insculpido legalmente no sistema jurídico brasileiro no artigo 17 do Código Penal, com redação a dizer que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”, age como excludente de tipicidade. Pois as situações explicitadas no dispositivo – quando o meio for absolutamente incapaz ou a absoluta impropriedade do objeto – estão intimamente ligadas ao conceito de tipicidade.
Isso porque a tipicidade, elemento do fato típico, divide-se em tipicidade material (lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado) e tipicidade formal (presença dos elementos formadores do tipo penal), e são fatalmente afetados pela ineficácia do meio e impropriedade do objeto.
Não sem razão, pois quando da ineficácia absoluta do meio não existirá tipicidade material, haja vista que o bem jurídico tutelado sequer estará ameaçado pela conduta criminosa, seria, em exemplo simplório, como tentar cortar uma barra de aço com tesoura, causa ranhuras, mas não põe em perigo real. Seguindo raciocínio semelhante, a impropriedade absoluta do objeto tanto pode estar como excludente da tipicidade material como da formal, pois ocorre quando elementar do tipo sequer existe ou mesmo quando por suas próprias característica torna impossível a consumação do delito.
Exemplo claro, e muito usual entre os doutrinadores, de tal modalidade, isto é, impropriedade absoluta do objeto, é a mulher que, acreditando estar grávida, ingere substância abortiva com intuito de pôr fim à gestação. Entretanto, dias após a ingestão da substância, continua a apresentar os mesmos indicativos que a levaram a acreditar estar grávida, e ao procurar assistência médica descobre que se tratava de distúrbios hormonais, não existindo gravidez.
De modo que inexistirá o crime do artigo 124 do Código Penal, pois o referido delito tem como objeto material o feto. De maneira que sua inexistência – e, portanto, a impropriedade do objeto – acarretará a atipicidade formal da conduta, por falta de elementar do tipo.
Em uma ou outra situação, quando a ineficácia do meio ou impropriedade do objeto forem totais a tipicidade será afastada e inexistirá crime, de outro modo, quando forem relativas o sujeito responderá nos moldes do artigo 14 do Código Penal, isto é, na modalidade tentada.
Diante do aqui exposto, voltemos à questão dos furtos em estabelecimentos comerciais fortemente monitorados. Pois bem, diante desse “forte” sistema de segurança muitos advogados passaram a recorrer às Cortes Superiores buscando a declaração de inexistência de delito quando o furto fosse praticado em tais situações, por presumirem desde logo a impossibilidade da consumação do tipo penal, pois o produto estaria totalmente resguardado.
Entretanto, em sede de recurso repetitivo o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o “sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior do estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do furto”, constante da Súmula de n° 567, deste mesmo tribunal.
Fazendo-nos entender aquilo que é já sedimentado no direito, quero dizer, cada caso é um caso e deve ser analisado em concreto considerando suas particularidades, para que a tese a ser aplicada ao processo seja a mais adequada, de modo a trazer os melhores benefícios que a lei dispõe ao réu.
Para isso, é necessária a contratação de um advogado entendedor do assunto e possuidor de olhar crítico para com o processo. Característica daquele que não só quer o benefício econômico de sua contratação, mas que estará lado a lado de seu cliente e fara da luta dele a sua luta.
Publicado originalmente em: https://kawanikcarloss.com.br/saiba-o-que-e-um-crime-impossivel
Fica a ressalva sobre qual o momento em que ocorre a consumação do crime de furto (constante do art. 155 do CP), a ser abordado em publicação posterior.︎