As empresas transnacionais (ETNs) são as sociedades, ainda que formadas por um único indivíduo, com constituição em determinado país, cuja atividade e estabelecimento alcança outros Estados. Os produtos (bens e serviços) e fatores de produção (terra, capital e trabalho) das ETNs circulam em outros territórios na mesma região ou no mundo inteiro e são objeto de regulamentação para proteção da concorrência nacional e da ordem jurídica (Albuquerque, 2019; Barza, 2015; Ferraz, 2012).
A atuação da ETN será direta quando houver o reconhecimento ou constituição no território do Estado que tenha interesse econômico e quando há a facilitação da mobilidade para atos empresariais isolados. Nesse caso, a ETN ingressará – nos moldes da legislação disponível sobre direito de estabelecimento e de circulação – no Estado receptor, que pode ser mais flexível ou rígido, como forma de controle e de incentivo a sua economia. Para tanto, será originada nova sociedade empresarial, constituída filial e sucursal ou, ainda, formado grupos de sociedades, consórcios e joint venture (Albuquerque, 2019; Barza, 2015; Ferraz, 2012).
A atuação indireta da ETN é caracterizada pela circulação de bens e serviços (produtos) e de terra, capital e trabalho (fatores produtivos), sem o ingresso da ETN no território do país receptor para atos isolados ou para seu estabelecimento. Tal cenário é facilitado pelo desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, sobretudo quanto à rede mundial de computadores (Albuquerque, 2019; Barza, 2015; Ferraz, 2012).
Nesse contexto, mencione-se que o Grupo Mercado Comum – GMC, por intermédio da Resolução nº 24/1992, criou a Reunião Especializada de Ciência e Tecnologia, que promove o estudo dos aspectos vinculados à matéria. Ainda que não conste no nome da Reunião Especializada, o tema de inovação também está presente em seus debates, como demonstra o Programa de Trabalho do período de 2023-2024, nos moldes da Ata nº 02/2022, da LXVI Reunião Ordinária.
O cenário de inovação contribui para o desenvolvimento macroeconômico, que, por sua vez, é fomentado pelo regionalismo jurídico, transformando o ambiente de integração como propício ao exercício da atividade empresarial pelas ETNs. No território dos Estados do Mercado Comum do Sul – Mercosul, há o fomento à circulação da atividade empresarial por meio do Acordo sobre Facilitação de Atividades Empresariais, celebrado no dia 15 de fevereiro de 1996.
Importante mencionar que o Acordo sobre Facilitação de Atividades Empresariais restringe sua regulação ao empresário, indivíduo que atua nos setores de serviços, comércio e indústria. As ETNs atuam diretamente nos Estados receptores por intermédio de seus empresários, que são investidores, membros de diretoria, administradores e gerentes, para visita ou residência, temporária ou permanente.
Quanto à atuação de ETN no Brasil, o artigo 278 da Lei Brasileira nº 6.404, de 15/12/1976, prevê o instituto do consórcio, formado por “companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não”, “para executar determinado empreendimento”. Some-se a essa disposição, o que diz o artigo 1.134 do Código Civil Brasileiro pelo qual a sociedade estrangeira pode ser estabelecida no país e, ainda, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
O Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra-Mercosul também prevê o instituto joint venture que, em síntese, caracteriza-se como uma empresa conjunta. Há, ainda, o instituto de grupo de sociedades que pode ser reunida em relação horizontal, sob um mesmo objetivo empresarial, ou em uma relação vertical, subordinado a uma unidade controladora (Albuquerque, 2019; Barza, 2015; Ferraz, 2012).
O artigo II do Acordo sobre Facilitação de Atividades Empresariais prevê a atividade de investidor como de natureza empresarial. No dia 7 de abril de 2017, foi celebrado o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra-Mercosul. Neste instrumento, foi regulada a livre transferência – sem restringir a atuação da ETN à modalidade direta ou indireta – e definido o investimento como a empresa caracterizada pelo “comprometimento de capital, pelo estabelecimento de interesse duradouro, pela expectativa de ganho ou lucro e pela assunção de riscos”.
Ainda que possa ser realizado por atuação direta ou indireta da ETN, o investimento será classificado como direto ou indireto de acordo com a proporção do controle da transnacional na gestão da empresa nacional. A modalidade direta denota maior participação financeira e administrativa e a indireta resulta em uma aplicação de menor capital do exterior, sem ingerência formal significativa nas decisões e ações (Albuquerque, 2019; Barza, 2015; Ferraz, 2012).
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (Organization for Economic Cooperation and Development – OECD) criou o Código de Liberalização de Movimento de Capitais. O instrumento conceitua o investimento direto como a participação destinada a estabelecer relações econômicas duradouras e que permitam exercer influência na gestão da empresa nacional.
No caso do investimento indireto há a aplicação de recurso do exterior, mas não resulta em controle da empresa nacional. É o caso do que o Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra-Mercosul considera como instrumentos de dívida pública, de carteira ou de portfólio, reclamações pecuniárias e obrigações econômicas antes do estabelecimento do capital (Albuquerque, 2019; Barza, 2015; Ferraz, 2012).
Quanto ao investimento do exterior no Brasil, foi publicado o Decreto Presidencial de 09 de dezembro de 1996. Neste instrumento normativo foi reconhecido o interesse brasileiro na aquisição, por pessoas físicas e jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior, de ações sem direito a voto de instituições financeiras com sede no País, de capital aberto. Nesse caso, não há restrições quanto à atuação direta ou indireta da ETN.
Ademais, tem-se a Lei Brasileira nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021, que institui o Marco Legal do Câmbio e regula o capital brasileiro no exterior e o capital estrangeiro no país. Neste instrumento, o artigo 9º prevê que, ao capital estrangeiro, será dado “tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições”. Nessas condições, há abertura ampla para que o investimento do exterior seja admitido no Brasil.
A previsão de igualdade entre capital estrangeiro e nacional também foi estabelecido no Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra-Mercosul. No artigo 5º, há previsão de que “um Estado Parte outorgará aos investidores de outro Estado Parte e a seus investimentos tratamento não menos favorável do que o outorgado, em circunstâncias similares, aos seus próprios investidores e seus investimentos”.
Também há expressa disposição no Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra-Mercosul de que cada Estado “garantirá que suas leis, regulamentos e atos administrativos de aplicação geral sobre qualquer assunto coberto” “sejam publicados, e fará seus melhores esforços para colocá-las à disposição em formato eletrônico”. Tal prática contribui para que haja igualdade de condições de investimento em virtude da facilitação do acesso à informação.
Há a consolidação da atuação das ETNs na relação entre os países e seus setores privados, para cumprimento do propósito da região de fortalecimento macroeconômico. O instrumento normativo mercosulino atribuiu ao investimento o papel de “promoção do desenvolvimento sustentável, do crescimento econômico, da redução da pobreza, da criação de empregos, da expansão da capacidade produtiva e do desenvolvimento humano”.1
Referências
ALBUQUERQUE, Gabriel Sá Barreto Corsino de Albuquerque. Investimentos estrangeiros e propriedade intelectual: uma análise dos Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs) à Luz do Caso Philip Morris vs. Uruguai. 2019. 70 p. Monografia (Bacharelado em Direito) – Faculdade de Direito de Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2019.
BARZA, Eugênia Cristina Nilsen Ribeiro. A atuação empresarial transnacional: conceito, formas de atuação, efeitos e perspectivas para a regulamentação. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito de Recife, Recife, v. 87, n. 2, p. 49-71, jul./dez. 2015.
FERRAZ, Daniel Amin. O grupo de sociedades: mecanismo de inserção da empresa transnacional na nova ordem econômica internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 9, n. 1, p. 15-25, jan./jun. 2012.
O trabalho foi apresentado para avaliação da disciplina “Direito Internacional Privado e Globalização”, ministrada pela professora Dra. Eugenia Cristina Nilsen Ribeiro Barza, no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE, no primeiro semestre de 2023.︎