O estado e o dever de respeito à vedação de retrocesso social

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O ESTADO E O DEVER DE RESPEITO À VEDAÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL

Tatiana Conceição Fiore de Almeida1

Resumo: O presente estudo se propõe a demonstrar como a hermenêutica jurídica contemporânea o Estado Democrático de Direito no plano jurídico, e como esse conceito vive-se, atualmente, um momento de profunda reformulação desse Constitucionalismo social, tomando como paradigma pós-positivista, importantes princípios de interpretação das regras jurídicas, como a vedação do retrocesso social, impedem o esvaziamento de normas de proteção social já realizada no plano infraconstitucional.

Palavras-Chaves: hermenêutica jurídica, estado democrático, vedação do retrocesso social, reserva do possível, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana

Introdução

Nos termos do preâmbulo da Constituição Cidadã de 1988, por ter a ampla participação popular durante sua elaboração e a constante busca de efetivação da cidadania, foi instituído um Estado Democrático destinado a assegurar os seguintes valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias: a) o exercício dos direitos sociais e individuais; b) a liberdade; c) a segurança; d) o bem-estar; e) o desenvolvimento; e) a igualdade; e f) a justiça.

Sendo democrática a declaração de princípios e defesa dos direitos individuais é possível distinguir entre normas declaratórias, que estabelecem direitos que são bens e vantagens constitucionalmente previstos, e normas assecuratórias, que fixam garantias, isto é, meios ou recursos destinados a assegurar o pleno exercício de direitos fundamentais ameaçados ou a promover sua justa reparação caso já violados.

Os direitos fundamentais nascem com a pessoa humana e o acompanham até o fim de sua existência, a ninguém, nem mesmo o seu titular é facultado despojar-se de tais direitos considerados personalíssimos e indisponíveis, o que daí denota-se que estão associados à dignidade da pessoa humana, e considerá-los em caráter relativo, coloca em risco e na berlinda o principal princípio de um Estado Social e de Direito e o verdadeiro alcance do princípio do não retrocesso trata-se de verdadeira blindagem e proteção a esses direitos, inteligência do próprio artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição estabeleceu que não fosse objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias fundamentais.

Importante esclarecer que só um método interpretativo constitucional dos direitos fundamentais em harmonia com os postulados do Estado Social e Democrático de Direito pode iluminar e guiar a reflexão do jurista para a resposta alternativa acima esboçada tem por si a base de legitimidade haurida na tábua dos princípios gravados na própria Constituição arts. 1º (fundamentos), 3º (objetivos fundamentais) e 170 (ditames da justiça social), e tornam irrecusavelmente inconstitucional toda inteligência restritiva da locução jurídica, “direitos e garantias individuais” das cláusulas pétreas, as quais não podem servir de argumento nem de esteio à exclusão dos direitos sociais.

Devemos destacar que a tese de existência e valoração vinculada à dignidade da pessoa humana do princípio do não retrocesso social tem sentido contrário o preconizado princípio da reserva do possível de nuança desconectada da relevância e fundamentalidade dos direitos sociais, e justificador da omissão estatal no que se refere à efetivação de políticas públicas falsamente justificadas por fatores de ordem econômica.

A emprego do princípio da reserva do possível especialmente em países periféricos ou em desenvolvimento acaba por justificar discursos de cunho neoliberal autorizador da ação política que visa o cumprimento de medidas retrocessivas que afrontam o Estado Social Democrático de Direito muitas vezes sob alegações e falsas premissas de ausência de aportes financeiros, que se revelam de fato por alocação de recursos equivocadas dissociada de políticas públicas destinadas à consecução do princípio da dignidade da pessoa humana e distantes das reais necessidades dos cidadãos.

O Estado de Direito contempla em sua essência o princípio do não retrocesso social, por tornar possível a concretização da segurança jurídica, e a materialização de todas as atividades estatais, quer seja de natureza legislativa, onde a atuação do legislador deve se pautar nos fundamentos e estruturas definidas pela constituinte originário e nos valores da sociedade; seja nas de natureza administrativa na concepção e efetivação de políticas públicas de inclusão e erradicação das mazelas que permeiam a sociedade, e por fim, nas funções dos judiciários, de verdadeiro guardião do Estado de Direito através de medidas corretivas às ações que visem macular o princípio da dignidade da pessoa humana.

Diante dessa interpretação constitucional, o artigo abordará o Estado e seu dever de respeito ao princípio de vedação e retrocesso, preservando a margem de conformação das leis, o que lhe permite, em casos específicos e sensíveis, restringir ou condicionar determinado padrão normativo já consolidado, desde que não se retroceda a um patamar inferior ao do “nível mínimo” de proteção constitucionalmente requerida e não se ofenda o princípio da proibição da proteção insuficiente.

  1. HERMENÊUTICA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A reviravolta pela qual passa o constitucionalismo brasileiro não é um fenômeno isolado, mas decorre de um novo paradigma jurídico, o pós-positivismo, cuja compreensão exige uma breve digressão histórica sobre a ciência do direito. Em radical contraponto ao jus naturalismo, surgiu, ao final do século XVIII, o movimento da codificação do direito e, com ele, ascendeu-se o positivismo jurídico.

Hans Kelsen, seu maior expoente, buscou conferir cientificidade ao direito, tentou aproximá-lo das ciências naturais e, desvinculando o direito da moral, proclamou a validade estritamente formal das regras jurídicas. Por conseguinte, o papel das Constituições restringia-se a organizar o Estado, a conferir direitos individuais e a estabelecer o procedimento de formulação das regras infraconstitucionais, servindo, pois, de norma fundamental de validade destas.

Ocorre que tal fetichismo pela lei, absolutamente desvinculado do conteúdo ético das normas jurídicas, entrou em decadência em meados do século XX, quando se percebeu que ele era capaz de legitimar práticas francamente degradantes da dignidade da pessoa humana, como o nazi fascismo. Daí surgiu à necessidade de se reaproximarem direito e ética.

Inicialmente, o positivismo crítico instituiu princípios gerais de direito, nitidamente ligados ao ideal de justiça, como forma de podar os excessos da letra fria da lei, o que chamamos em vinculação da própria validade das normas jurídicas ao conteúdo axiológico das mesmas e à sua conformação com os princípios materiais da Constituição, que traduzem os valores supremos de determinada sociedade. É esse cenário que se tem denominado pós-positivismo.

Outro fator que concorreu para a reformulação da hermenêutica jurídica foi a constatação da baixa densidade normativa dos princípios constitucionais, as normas inseridas na Magna Carta de muitos países nunca passaram de efêmeras promessas políticas, de enunciados retóricos e vazios de efetividade.

A insinceridade normativa é ainda mais contundente na consagração dos inúmeros direitos sociais proclamados pelo constituinte originário, que, não raras vezes, padece de nítida demagogia, contrariando as reais possibilidades de cumprimento pelo Estado, isto é, não goza, por motivos óbvios, de qualquer credibilidade perante os milhões de cidadãos brasileiros.

O constitucionalismo brasileiro é uma constante filtragem constitucional, pela qual nenhuma norma jurídica pode ser considerada válida se não passar pelo crivo da Magna Carta, além disso, a hermenêutica jurídica contemporânea, eminentemente axiológica, impõe interpretações cada vez mais expansivas dos direitos fundamentais, culminando com a irradiação do valor constitucional para disposições exteriores ao texto formal da Carta Política, encampando valores materialmente constitucionais, inclusive, princípios metajurídicos e regramentos infraconstitucionais.

Não mais se admite que as normas constitucionais, especialmente as definidoras de direitos fundamentais, sejam elas regras ou princípios, funcionem como meros conselhos ao legislador. A elas também se reconhece força cogente, que condiciona a atividade legiferante, por meio de eficácias negativa e positiva, isto é, em primeiro lugar as condições de validade das leis que dependem do respeito já não somente em relação às normas processuais sobre a sua formação, senão também em relação às normas substantivas sobre seu conteúdo, dependem de sua coerência com os princípios de justiça estabelecidos pela Constituição; em segundo lugar, altera-se a natureza da função jurisdicional e a relação entre o juiz e a lei, que já não é, como no paradigma juspositivista, sujeição à letra da lei qualquer que seja o seu significado, senão que é uma sujeição, sobremodo, à Constituição que impõe ao juiz a crítica das leis inválidas através de sua reinterpretação em sentido constitucional e sua declaração de inconstitucionalidade; em terceiro, altera-se o papel da ciência jurídica que, devido ao câmbio paradigmático, resulta investida de sua função à não somente descritiva, como no velho paradigma paleojuspositivista, senão crítica e construtiva em relação ao seu objeto; e quarto altera-se a relação entre a política e o direito, uma que o direito já não está subordinado à política como se dela fosse instrumento, senão que é a política que se converte em instrumento de atuação do Direito, subordinada aos vínculos a ela impostos pelos princípios constitucionais: vínculos negativos, como os gerados pelos direitos às liberdades que não podem ser violados; vínculos positivos, como os gerados pelos direitos sociais, que devem ser satisfeitos.

O que nos leva a compreensão de que o direito subjetivo do beneficiário da norma reivindicar a produção de seus efeitos; aquela como a possibilidade de invalidação de normas ou atos que contrariem os efeitos determinados pelo comando constitucional. Com essa compreensão, desde o momento em que uma norma é inserida no corpo constitucional, formal ou materialmente, ela já possui, no mínimo, um efeito esterilizante da atividade estatal desconforme com seus preceitos. Um importante desdobramento de tal eficácia negativa é o chamado “princípio do não retrocesso social” ou “eficácia vedativa do retrocesso”, analisado a seguir.

  1. EFICÁCIA VEDATIVA DO RETORCESSO

A ideia da vedação do retrocesso tem sua origem na jurisprudência europeia, principalmente da Alemanha e de Portugal, países em que as conquistas sociais já atingiram patamares mais elevados do que no Brasil, também chamado de princípio da vedação de retrocesso social, também chamado de princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais ou princípio da proibição do retrocesso.

A despeito da Constituição da República Federativa do Brasil apresentar como princípio máximo o respeito à dignidade da pessoa humana, não se pode negar que inúmeros avanços sociais preconizados no texto magno não foram implementados, especialmente considerando-se que enorme parcela da população sequer tem satisfeitos pelo Estado direito sociais básico.

Importante ressaltar que a eficácia vedativa do retrocesso decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito; do princípio da dignidade da pessoa humana; do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais; do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial.

O princípio de vedação ao retrocesso social caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o acúmulo, proteção e perenidade de seu patrimônio jurídico e o avanço na concretude fática do conceito de cidadania.

Esse princípio refere-se ao filósofo francês Michel de Montaigne, que dizia haver grande dúvida sobre se podemos obter tão evidente benefício na mudança de uma lei aceita, qualquer que seja ela, quando há prejuízo em mudá-la, porque um governo é como uma construção com diversas peças, interligadas com tal coesão que é impossível mover uma sem que todo o corpo o sinta.

J. J. Gomes Canotilho, jurista referido para atribuir autoridade ao argumento de inconstitucionalidade, mudou de posição em relação à eficácia normativa do princípio da proibição do retrocesso, seja porque também o Tribunal Constitucional de Portugal mudou de orientação em face da crise econômica e financeira deflagrada no país nos idos de 2010-2011, e explicando sobre a aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais resulta a cláusula de proibição do retrocesso social em matéria de direitos fundamentais, ordena a liberdade do legislador como limite o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados através de medidas legislativas, considerando constitucionalmente garantido, tornando inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. Para o jurista o princípio é a proibição de contrarrevolução social ou da evolução reacionária, uma vez atingida passam eles a constituir uma garantia constitucional e um direito subjetivo.

O ministro Celso de Mello na ADI 3.105 (rel. min. Cezar Peluso, j. 18/08/2004) afirmou que “a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos”, salvo na hipótese da implementação de políticas compensatórias.

O Tribunal Constitucional de Portugal, por sua vez, ao desenvolver a denominada “jurisprudência da crise” que implícita ou explicitamente está sempre presente no discurso político, perpassa essas sensíveis discussões jurídicas e constitucionais.

Para melhor compreendermos o conceito de “crise”, recorremos ao historiador alemão, Reinhart Koselleck, Crisi. In: Il Vocabolario della Modernità. Trad. Carlo Sandrelli. Bologna: Il Mulino, 2009, p. 95-109, cuja semântica se reconduz à noção grega de “decisões definitivas e irrevogáveis” e ainda de “momento crítico de uma doença”, é retoricamente (re)ativado no intuito de legitimar “decisões adequadas” a situações adversas em curtíssimo espaço de tempo, diante da incerteza do futuro e da necessidade de prevenir-se o pior.

Assim sendo, diante da facilidade que se tem para fazer uso da “crise”, chegamos ao ponto de esvaziá-la de sentido, perpetuando uma anormalidade moral, econômica, política, constitucional, social, religiosa, institucional, do Legislativo, do Executivo, do Judiciário, entre tantos outras, o que resulta uma preocupação de cuidado para não criar-se uma “metanarrativa da crise” que teria o condão de legitimar, pela simples referência ao conceito de “crise” ou de emergência, a adoção de medidas de restrição, de limitação ou até mesmo de supressão dos direitos fundamentais; e a que não se pode gerar uma carga semântica negativa tal em torno do conceito de crise, de modo que se pretenda inviabilizar qualquer medida política ou jurídica excepcional, adotada em situações de particular gravidade.

Na prática, isso significa que o princípio da proibição do retrocesso não deve constituir, em termos absolutos, um óbice intransponível às leis ou às emendas constitucionais que eventualmente venham a limitar ou a suprimir direitos sociais, nos faz compreender o princípio da vedação do retrocesso como modalidade do princípio da proporcionalidade, que veda ao Estado exercer uma “proteção insuficiente” dos direitos fundamentais, e para que tais atos normativos tenham sua validade constitucional certificada, será necessário que resistam ao teste tríplice da proporcionalidade, qual seja: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

O que nos parece verdadeiramente fundamental é que não se possa aprioristicamente conceder carta branca ao legislador para suprimir ou para restringir livremente qualquer direito social já assegurado em favor dos cidadãos, razão pela qual o princípio de não retrocesso social, seria o parâmetro constitucional vigente, sobre a noção de ausência de razoabilidade legislativas, as quais hão de se submetidas ao juízo de proporcionalidade.

Essa maneira de interpretação constitucional preserva a margem de conformação das leis do legislador, o que lhe permite, em casos específicos e sensíveis, restringir ou condicionar determinado padrão normativo já consolidado, desde que não se retroceda a um patamar inferior ao do “nível mínimo” de proteção constitucionalmente requerida e não se ofenda o princípio da proibição da proteção insuficiente, essa orientação é a que melhor se alinha com as diretrizes do Comitê para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, que proíbe a aprovação de medidas e políticas que piorem – sem justificação razoável e proporcional – a situação dos direitos sociais.

  1. A SEGURANÇA JURÍDICA DO PRINCÍPIO

Embora não seja expresso no texto constitucional desta forma, o princípio do não retrocesso social foi necessário criar uma premissa necessária para o seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a segurança jurídica, sendo esta a garantia de fundamentalidade, e nesse condão, não podemos dizer que o princípio do direito adquirido2 é capaz de exaurir a completude de fundamentalidade no impedimento de retrocesso social.

Note-se, que o ensejo de aplicabilidade do princípio do direito adquirido é por certo limitativo na medida em que se refere a uma dada situação concreta, o que pode levar ao entendimento de que todas as situações que não se submetem ao conceito tracejado não estariam abrigadas pela estabilidade e blindado de um formalismo de caráter restritivo.

O fundamento estruturante do Estado Social Democrático de Direito em conferir Segurança Jurídica às relações sociais através da materialização dos direitos fundamentais, e consecução do principio da dignidade da pessoa humana, é imprescindível para que se admita a existência da vedação do retrocesso social, que servem de base à conclusão, a segurança e proteção da confiança exigem fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder, de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos de seus próprios atos.

Os impetrados da segurança jurídica e da proteção da confiança são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder - legislativo executivo e judicial, e abrange a idéia de que o individuo têm do direito poder confiar em que aos seus atos ou às suas decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico, uma vez que o Estado chamou para si a responsabilidade de administrar e fornecer determinadas prestações matérias, nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos, aquilo que hoje denominam “reserva do possível”.

De juridicidade questionada, esses direitos foram remetidos a esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas em instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade, e atravessam uma crise desde então de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, incluindo a do Brasil, formularam o preceito de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

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Diante dessa modificação de interpretação, as mais importantes na esfera do principio da segurança jurídica são as seguintes as relativamente aos atos normativos- proibição de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; as relativamente aos atos jurisdicionais, que são inalterabilidade do caso julgado; e as em relação aos atos da administração, com tendencial estabilidade dos casos decididos através de atos administrativos constitutivos de direitos.

Diante dessas balizas, a Segurança Jurídica, deve ser recepcionada como verdadeiro princípio constitucional direcionador, e em conjunto a máxima efetividade das normas constitucionais, para que se escore o princípio do não retrocesso social mesmo que não positivados, mais de suma importância para a concretização da dignidade da pessoa humana, que somente pode se materializar através da proteção dos direitos fundamentais, e o impedimento de medida retrocessivas.

Segundo o jurista e magistrado, Ingo Wolfgang Sarlet, negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significa admitir que o poder público de modo geral dispusesse da capacidade de decidir livremente mesmo em evidente desrespeito à pretensão expressa do Constituinte, e a despeito de estarem inquestionavelmente atrelados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral.

  1. ESTADO SOCIAL DE DIREITO E À IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

O comportamento positivo que se fundamenta no âmbito do Estado Social de Direito com vistas à implementação dos direitos sociais, provoca efeitos na atuação do legislador, do administrador público e do julgador, atrela o legislador no dever de respeitar o núcleo essencial ao regulamentar os direitos; e o administrador no dever de realizar as políticas públicas dentro da reserva do possível, observando-se, assim, o princípio da vedação ao retrocesso.

O Estado deve compreender que os direitos sociais, tem efeito catraca, ou ‘efeito cliquet’3, reconhecendo o princípio da vedação de retrocesso, no sentido de que não é possível a revogação de uma lei que protege direitos fundamentais sem a substituição por outra que ofereça garantias com eficácia equivalente, à ideia contida é fazer com que o Estado sempre atue no sentido de melhorar progressivamente as condições de vida da população.

Qualquer medida estatal que tenha por desígnio eliminar garantias essenciais já praticadas para a plena realização da dignidade humana deve ser vista com receio e somente pode ser acolhida se outras medidas mais eficazes para obter o mesmo desiderato forem adotados.

Este é o objetivo do artigo 3º, da Constituição brasileira que inclui a redução das desigualdades sociais e a construção de uma sociedade mais justa e solidária entre desígnios da República Federativa do Brasil, sendo inconstitucional qualquer conduta estatal que vá na contra mão desses alvos.

O princípio do retrocesso social não deve ser visto como empecilho para qualquer mudança no âmbito dos direitos fundamentais, muitas vezes pode ser necessário revogar determinados benefícios sociais já concedidos, caso se demonstre concretamente que eles não estão reduzindo as desigualdades sociais nem promovendo uma distribuição de renda, mas, ao contrário servindo de prêmio para quem vive a margem da sociedade.

Importante essa demonstração não pode ser meramente retórica, é preciso apresentar dados confiáveis que indiquem a ineficácia da medida social, estudos técnicos, com fontes, referências e estimativas sobre as vantagens que a sua revogação trará, pois segurança dos direitos fundamentais pelas Constituições é condição ‘sine qua non’ para a promoção da dignidade da pessoa humana, pois não se trata de uma disponibilização de direitos pelo Estado, mas de fundamentos inerentes ao ser humano.

A garantia de intangibilidade desse núcleo essencial de matérias, inserido no ordenamento constitucional como cláusulas pétreas, além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, sobretudo o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares, evitando por meio de uma proibição, que normas de cunho eminentemente social, em especial de cunho fundamental, sofram reduções ou supressões dos níveis de efetividade e eficácia, por meio de reformas constitucionais, legislativas e até mesmo administrativas, cuja garantia se dá com a efetiva estabilidade disposta pela segurança jurídica.

A encestar os direitos sociais no balaio dos direitos fundamentais se ergue como um broquel de proteção a estes direitos, inclusive por meio de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, embutindo um dever de observância e realização material dos mesmos, pela orientação hermenêutica emanada do próprio artigo 5º, § 2º, da Constituição, e pelo Pacto de São José da Costa Rica, que o Brasil acolheu expressamente o princípio do não retrocesso social, também chamado de aplicação progressiva dos direitos sociais.

Por fim, trazendo para a seara da legislação previdenciária, Os avanços civilizatórios não podem transigir, não pode revogar conquistas já alcançadas pelos seus beneficiários, tendo em vista que a matéria é de largo alcance social.

  1. OS DIREITOS SOCIAIS DEVIDOS NA JUSTIÇA SOCIAL

Como dito anteriormente, na seara da legislação previdenciária, os avanços civilizatórios não podem transigir, não pode revogar conquistas já alcançadas pelos seus beneficiários, tendo em vista que a matéria é de largo alcance social. Mas, porque tecemos essa afirmação?

A Justiça Social, como o próprio nome indica, refere-se àquela espécie de justiça que busca restabelecer aos necessitados seus anseios mais prementes, sendo certo que esta deve seguir o critério de conformidade às necessidades de cada indivíduo, tendo mesmo ou não, contribuição a oferecer em contrapartida, na medida em que é por intermédio das normas que realiza o bem comum na coletividade.

O que corrobora com a definição de Justiça Social do Prof. André Franco Montoro, “a virtude pela qual os membros da comunidade dão a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade proporcional”4.

Se a preocupação da Justiça Social é o bem geral da coletividade, o elemento identificador é a solidariedade, caracterizada por três elementos: alteridade, devido e igualdade.

A alteridade dá-se através de uma relação entre a sociedade, que adota medidas para a distribuição de riquezas e os particulares necessitados, que é feito através da contribuição, razão do subsistema previdência social, e da seguridade social, expressa no artigo 194, da Constituição Federal, que compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade (aquela que possui característica de instituição). Na Justiça Social5 o particular é a pessoa obrigada, e a sociedade a beneficiária.

O devido na Justiça Social é a contribuição de cada um para a realização do bem comum, sendo que o critério de distribuição é a necessidade. Por isso a contribuição é obrigatória, não como dever moral, mas exigível em nome do interesse público.

A igualdade na Justiça Social é relativamente proporcional, na medida em que se busca a repartição do bem comum, usando o critério distributivo necessidade.

O que concluímos que a sociedade dá a comunidade o bem que lhe é devido, e o porquê da vedação ao retrocesso social, que proíbe o legislador de suprimir ou alterar normas infraconstitucionais, que concretizam normas constitucionais de direitos sociais de serem violados em sua eficácia.

De modo que os direitos sociais não podem ser simplesmente restringidos ou abolidos por medidas estatais retrocessivas, a não ser que estas venham escoltadas de uma cautela compensatória que sustente nível similar de proteção social6.

CONCLUSÃO

Os direitos sociais denominados direitos fundamentais, uma vez positivados no sistema jurídico integram o rol de direitos humanos, o que em matéria previdenciária equivale dizer que compõem o grupo de direitos da segunda dimensão, por ter caráter econômico-social, e cultural, compostos por liberdades positivas.

Nesse aspecto é importante ter clareza de que o Estado chamou para si, a responsabilidade de administrar e entregar essa contraprestação, razão pela qual é, dever dare, facere ou praestare, e estão fundamentados no princípio da igualdade e é decorrentee do intervencionismo, o que garante a Segurança Jurídica.

Estes direitos não estão limitados ao artigo 5º da Constituição Federal, e são chamados de garantias individuais, por serem destinados ao homem, ao cidadão, conforme declara as leis pátria e os pactos internacionais.

O princípio da vedação de retrocesso tem previsão constitucional expressa no inciso II, do artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que constitui o Estado Democrático de Direito, o de garantir o desenvolvimento nacional.

Ocorre que o Estado faz mal uso da sua atribuição, e tenta valer-se da jurisprudência da crise, para retroagir direitos e garantias fundamentais, que são direitos petrificados, e para burlar a Constituição Federal, chama para si a reserva do possível alegando não ter condições de fornecer o mínimo existencial, para promover o bem estar e preservar a dignidade da pessoa humana.

Eis que insurge o princípio da proibição de retrocesso, dele decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito e caso se resolva alterar a lei posta, tal mudança não pode ser radical para fins de restringir direitos e garantias, mas terá de ser apresentada uma “nova” lei com caráter deveras ampliativo, para fins de manter a paz social e resguardar o direito adquirido do cidadão, as garantias e direitos fundamentais previstos na Carta Política do país, o que na pratica as medidas tomadas em prol dos direitos sociais devem ser mantidas e aprimoradas, nunca restringidas.

REFERÊNCIA

AFONSO, Túlio Augusto Tayano. Direitos sociais e o princípio do não retrocesso social. Revista de Direito do Trabalho. RT, v. 32, n. 124, p. 237-252, out./dez./06.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 355p.

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional Brasileiro. In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. rev. e atual. BARROSO, Luís Roberto (org.), Rio de Janeiro: Renovar, 2006, Cap. 1, p. 1-48.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988, 168p.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador - Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 1982. 539p.

________. Direito constitucional. 5. ed., Coimbra: Almedina, 1995, 1227p.

GOLDSCHIMIDT, Rodrigo. O princípio da proibição do retrocesso social e sua função limitadora dos direitos fundamentais. Universidade de Passo Fundo, Faculdade de Direito, v. 14, n. 14, p. 29-36, jul./00.


  1. Advogada, Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires - UBA, Professora, Autora, Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano de Investigación Y Capacitación Jurídica); Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coautora em diversas Obras Coletivas; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).

  2. Artigo 5° inciso XXXVI da Constituição Federal e ainda no artigo 6º parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil

  3. A expressão de origem francesa, surge na jurisprudência do Conselho Constitucional.

  4. André Franco Montoro, Introdução à ciência do Direito, p. 213.

  5. Seria importante tecer um contrassenso da Justiça Social com a Justiça Distributiva, que regula o dever negativo da comunidade, que consiste em respeitar os direitos individuais de cada um de seus membros, pois a sociedade concede instrumentos e garantias para assegurar esses direitos equitativamente e proporcionamente tendo como fulcro a repartição dos benefícios e encargos sociais. Assim na Justiça Distributiva ora a sociedade é devedora, e ora o particular credor.

  6. Revista SÍNTESE Direito Previdenciário – Ano 15, n. 72 (maio/jun.2016) – Tatiana Conceição Fiore de Almeida, Contextualização das microrreformas previdenciárias face ao princípio da vedação de retrocesso social, IOB, São Paulo, p. 64.

Sobre a autora
Tatiana Conceição Fiore de Almeida

Advogada (OAB/SP 271162), Doutorando Em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário da ESA.OAB/SP; Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP; Membro Efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Perícias Médicas; Membro Convidada da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF; Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica); Articulista e Coordenadora de Obras Jurídicas; Coautora em diversas Obras Coletivas; Professora; Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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