É consolidado que a nossa Carta Magna de 1988 significou uma inovação em todos os aspectos jurídicos e sociais, no que se refere aos Direitos Humanos, a Constituição Cidadã é uma das mais completas e justas do mundo. Essa característica é fruto de um pano de fundo histórico marcante, caracterizado pelo fim de quase 20 anos de um Regime de Exceção, que foi a ditadura militar, logo, a preocupação e a precaução fizeram com que os legisladores se debruçassem sobre a matéria.
O primeiro e principal ponto nesse tocante é a dignidade da pessoa humana como princípio basilar do Estado, sendo o primeiro artigo da Constituição de 88, em seu inciso III. Esse inciso traz uma renovação sem precedentes ao Direito Brasileiro, provoca uma alteração intensa em todo o conjunto jurídico do Estado, pois, torna a dignidade da pessoa humana ponto crucial para este, obrigando a reavaliação de todas as relações e interpretações jurídicas dentro do plano nacional, mesmo que, na realidade, esse princípio não seja tão respeitado como deveria.
É importante frisar que, a Constituição de 88 foi a pioneira, no âmbito nacional, a adotar o núcleo da pessoa humana como um dos fundamentos estatais, tornando os direitos humanos um dos pontos centrais. Além disso, também há a predominância dos direitos humanos, como princípio que rege as relações internacionais, impedindo, pelo menos de forma legislativa, o Estado Brasileiro de adotar qualquer medida no âmbito internacional que atente contra a dignidade da pessoa humana.
Nesse diapasão, outro fator marcante é o reconhecimento da força jurídica dos tratados internacionais dentro da ordem jurídica do País, dessa forma, direitos válidos no Brasil não são somente os positivados no texto constitucional, mas sim, também, os que estão presentes nos tratados internacionais, exemplo disso é o Pacto San José da Costa Rica, que traz um rol de exigências sobre prisão e restrição de liberdade.
Não menos importante, outra inovação trazida pela Carta Magna é o reconhecimento dos direitos sociais como, de fato, direitos fundamentais. A Constituição de 88 se preocupou em tirar do centro de sua proteção os fatores econômicos e inseriu o ser social nele, dessa forma, essa característica rompe com os modelos anteriormente vistos, e os direitos sociais ganham espaço próprio dentro do texto constitucional, deixando de trata-los como simples diretrizes de atuação estatal, passando ao patamar de autênticos direitos fundamentais.
O constituinte também se preocupou em proteger “eternamente” a pessoa, essa proteção se demonstra na inserção da proteção aos direitos das pessoas como cláusula pétrea da constituição, impedindo a abolição de qualquer direito ou garantia fundamental. Isso mostra, que a identidade da nossa Constituição é a Dignidade da Pessoa Humana, pois proteger esses direitos em cláusula pétrea significa dizer que: esses direitos são a identidade constitucional, logo, jamais podem ser suprimidos.
Entretanto, essa petrificação é motivo de polêmica, pois, o texto constitucional afirma que não podem ser suprimidos apenas os direitos e garantias individuais, e, a partir disso, inicia-se a reflexão de saber se os outros direitos fundamentais poderiam ser suprimidos, ou, até mesmo, abolidos. É um tema controverso que vai depender da avaliação do caso concreto, e que cria insegurança jurídica, sendo um ponto negativo a se destacar nesse âmbito, dentro da constituição.
Outro fator importante a ser destacado é que a matéria de direitos e garantias não se exaure na constituição, mas sim, se expande, podendo estar implícitos no texto constitucional e até mesmo em tratados internacionais que o Estado Brasileiro firme, uma garantia importantíssima pois garante uma segurança ao cidadão ainda maior, e demonstra a preocupação da Constituição em efetivar, de fato, a proteção deste.
Dentro da constituição, os direitos e garantias estão previstos, em sua maior parte, no Título II, sendo divididos em direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e direitos relacionados a partidos políticos, entretanto, como já supracitado, não se esgotam nesse título.
Nesse contexto, a titularidade dos direitos e garantias é também um ponto a ser debatido. Existe, atualmente, duas formas de se analisar a titularidade desses direitos, inicialmente, como uma característica universal, incluindo até pessoas jurídicas e estatais e, atualmente, se fala até nos direitos dos animais.
De toda forma, as últimas pessoas citadas não titularizam todos os direitos e garantias, mas seu perfil de sujeito de direitos não há como negar, e é importante essa caracterização, pois, mais uma vez, é trazida segurança jurídica aos titulares de direitos resguardados pelo Estado.
Nos direitos e garantias trazidos pelo direito brasileiro e sendo analisados no plano específico que é adotado pela Constituição Brasileira, se é possível enxergar uma titularidade restrita. Exemplo disso é, um rol para trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º, CF/88) e os restritos a brasileiros natos. É uma característica a se destacar, também, o fato dos direitos individuais e coletivos serem reconhecidos apenas aos brasileiros e aos estrangeiros residentes, não se mencionando os estrangeiros em passagem, que se, analisada de forma literal, não teriam estes qualquer direito em solo brasileiro, mas, no caso concreto, seria contraditório analisar dessa forma, devendo, o magistrado, utilizar de bom senso.
Dentro ainda, desse contexto, um tema bastante polêmico são a eficácia dos tratados internacionais sobre direitos humanos dentro do plano constitucional brasileiro, principalmente no que tange a forma que estes são incorporados no ordenamento e o seu status jurídico. Mas, em linhas gerais, eles devem ser promulgados e tem um status “supralegal”, podendo se tornar de status constitucional se forem aprovados com o mesmo quórum de uma emenda constitucional, no Brasil, existem dois tratados com status de emenda constitucional, quais sejam a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo e o Tratado de Marraqueche.
Dessa forma, na análise do capítulo aqui em comento, inicialmente, percebe-se que, para o Estado brasileiro, a Constituição de 1988 foi uma inovação em todos os aspectos os quais se referem aos direitos e garantias fundamentais, tendo como efeito, pano de fundo e proteção, duas décadas de regime de exceção que além de ter ceifado vidas, ceifou vozes e liberdades.
O legislador se preocupou muito em proteger esses direitos para que essa realidade não fosse de forma alguma, novamente, a realidade dos brasileiros. Essa proteção se dá desde a forma o qual as garantias individuais são colocadas como princípio basilar, pedra de sustento do Direito nacional, até a adoção de tratados internacionais, visando, ainda mais, a proteção do cidadão.
É hipócrita afirmar que a Carta Cidadã é aplicada em completo e que há um respeito exacerbado de garantias no Estado, ora pois, estas necessitam de meios válidos para sua aplicação, e, principalmente, investimento. Atitudes que o Estado brasileiro vem ignorando há anos, violando diretamente princípios básicos. É sabido que a nossa Constituição é nova e que nossa democracia e instituições, ainda são, infelizmente, frágeis.
Destarte, sem a adoção de medidas concretas por parte dos agentes públicos, para que a efetivação dos direitos sociais seja de fato, concreta, infelizmente, o rol de direitos e garantias fundamentais, torna-se, apenas, mais um emaranhado de texto constitucional que, na prática, negligencia direitos e não protege a sociedade.