O assédio moral no trabalho tem gerado grandes discussões doutrinárias e jurisprudências ao seu respeito, muito embora, nossa legislação pátria ainda não dispunha de uma legislação federal específica. Neste sentido, afirma Tadeu (2006, p. 16) que “este fenômeno de afetação no Brasil ainda carece de uma legislação especifica e de dados estatísticos. A legislação sobre o tema ainda é muita escassa, muito seja visível o grande numero de ações trabalhistas que envolvem situação desta natureza”.
“O assédio moral é observado nas relações humanas desde os primórdios da história, tratando-se de uma forma de coação que se estabelece em qualquer tipo de relacionamento que se sustente pela desigualdade social ou pelo poder autoritário” (SILVA, 2007, p. 84).
Para Aguiar (2007, p. 17) o assédio moral
são os maus tratos aplicados aos indivíduos nas organizações, derivados de uma lógica perversa na relação de poder existente nesses locais, manifestada como produto das relações autoritárias sob as mais diversas formas de perseguições e atritos entre chefes e subordinados, ou até entre colegas da mesma hierarquia funcional, configurando-se co;mo um fenômeno destruidor da convivência pacifica, da coexistência harmônica e produtiva dos indivíduos no ambiente de trabalho.
Muitas são as formas que se pode manifestar o assédio moral, tanto pode ser através de palavras claras e precisas como também por meio de gestos, entre tantas formas. Muito bem esclarece Silva (2007, p. 87) afirmando que
O assédio moral pode externa-se através de várias práticas, como, por exemplo, críticas em público, ameaças, exigência de tarefas degradantes ou impossíveis de se alcançar, rigor excessivo, inatividade forçada, exposição a ridículo, divulgação de doenças de forma direta ou pública, divulgação de questões pessoais, ironias, indiferença à presença do indivíduo, disputa de cargos, indução e sugestão de pedido de demissão, etc.
Desta forma, o estudo do assédio moral reveste-se de vital importância, tendo em vista a sua atual abrangência e proliferação de ocorrências em todos os segmentos sociais, inclusive no setor público, cabendo a discussão a respeito da responsabilidade civil do Estado nestas situações.
“Embora, o assédio moral sempre fora prática habitualmente usada em todos os segmentos sociais, é recente seu estudo no universo do trabalho, apesar dos maus tratos e humilhações serem praticados desde o início das relações de trabalho” (AGUIAR, 2007, p. 17).
Neste sentido, Aguiar (2007, p. 24) diz que
"Este termo surgiu em nosso País, inicialmente, no campo do Direito Administrativo Municipal em 28 de agosto de 1999, por meio do projeto de Lei nº. 425/99, de autoria de Arselino Tatto, apresentado à Câmara Municipal de São Paulo e transformado em Lei Municipal de nº 13.288; dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento entre o funcionalismo da administração pública municipal direta."
Não fosse o suficiente, Hirigoyen (2002, p. 17) define o assédio moral como “toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.
Deve-se ter em mente que nem todas as discussões ou conflitos oriundos nas relações de trabalho são enquadrados como assédio moral. Partilhando deste entendimento Aguiar (2007, p. 26) esclarece que
"as relações interpessoais numa organização são dinâmicas, com o cotidiano notadamente marcado por conflitos, atritos, fala de entendimento entre as partes envolvidas, sendo comuns discussões entre chefes e subalternos, entre colegas da mesma posição hierárquica ou mesmo entre subalterno e seu superior."
Contudo, ressalta Guedes (2003 apud AGUIAR, 2007, p. 27) que
"o assédio Moral no trabalho pode ser regular, sistemática e de longa duração. A lesão moral, entretanto, não está diretamente relacionada ao fator tempo e sim à intensidade da agressão: ‘o fato de a vítima sofrer a violência em um único momento não diminui em absoluto o dano psicológico’.
Feitas estas considerações sobre o Tema em estudo, cabe, a partir daqui, trazer a caracterização desta doença no ambiente de trabalho, as principais causas ensejadoras e as possíveis indenizações que poderão ser requeridas pelo servidor lesado.
De forma clara e bastante objetiva, Maria Gianella Cataldi (apud BARRETO, 2007, p. 52) caracteriza o assédio moral como sendo
"a exposição dos trabalhadores (as) a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização."
Diante de tudo exposto, clarifica-se que o assédio moral causa grandes prejuízos ao servidor perseguido dentro do ambiente de trabalho. Este passa a ser alvo de constantes agressões e sofrimentos, sendo por vezes humilhado.
Humilhações estas que vão desencadear em efeitos mais que danosos ao servidor. Segundo Cristiane da Silva (2007, p. 88) “a vítima do assédio moral no trabalho pode passar a sofrer de doenças psicossomáticas, como distúrbios do sono e alimentares, aumento da pressão arterial, depressão, insegurança, podendo chegar à morte, neste caso por suicídio”.
Diante do então exposto pode-se chegar a algumas conclusões que serão a partir deste momento demonstradas. Percebemos que o servidor que figura como assediado moral na relação de trabalho, tende a sofrer de várias moléstias, sejam elas psicológicas ou mesmo físicas.
O assediado sente-se no seu interior menosprezado e humilhado, como em passagem acima mencionada. Importante destacar que o estresse e demais sintomas não se manifestam somente no ambiente jus laboral, mas também no seio familiar, de amigos e demais atividades.
Percebe-se, com isto, o aniquilamento do indivíduo e a sua consequente expurgação do trabalho.
Bem, a partir deste momento abordaremos a responsabilidade civil pelo pagamento de indenização por danos materiais e morais experimentados pelo servidor assediado sob a ótica da legislação pátria.
Tratando a respeito desta temática o mestre Carvalho Filho (2022, p. 509) muito bem esclarece que “A marca característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva”.
A nossa Constituição Federal de 1988 claramente estabelece ser a responsabilidade do Estado, em sentido lato, englobando a União, estados federados e municípios, de natureza objetiva, ou seja, deve indenizar os prejudicados por sua conduta omissiva ou comissiva, independentemente de culpa, desde que comprovados o nexo de causalidade entre esta e o prejuízo experimentado pela vítima, conforme se extrai a partir da leitura do §6º do art. 37, in verbis: “§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.
Portanto, o dever de indenizar estatal encontra respaldo constitucional, ressalvado o direito de regresso em face do causador do dano, desde que haja comprovação deste ter agido com intenção de lesar terceiro com seu ato ou mesmo de forma culposa, sendo a ação enquadrada como de negligência, imperícia ou imprudência.
Neste mesmo sentido o CC de 2002 estabelece no art. 932, em seu inciso II (BRASIL, 2002) que “são também responsáveis pela reparação civil: [...]; II – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...]”.
Desta forma, fica clara que a culpa do Estado é sempre presumida em caso de atos praticados por seus servidores. Nesta hipótese, temos a presença da culpa in eligiendo que se refere à má escolha que teve o Estado em selecionar um profissional desqualificado para ocupar um dos cargos oferecidos por ele e/ou também da culpa in vigilando, referente à falta de atenção da conduta realizada por seu preposto ou o caso de não orienta-lo de forma adequada.
Segundo o mestre Carvalho Filho (2022, p. 509), para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado torna-se necessário a ocorrência de três requisitos, quais sejam, o fato administrativo, entendido como qualquer conduta, comissiva ou omissiva, realizada pelo poder público. O outro é a verificação do dano, podendo este classificar-se como material ou mesmo moral. Por fim, o nexo causal, ou seja, o fato praticado pela administração pública tenha relação com o dano suportado pela vítima, no caso do assédio moral, o assediado.
Diante do então exposto conclui-se que os danos ocasionados pelos prepostos do Estado podem, posteriormente, ser aqueles condenados ao pagamento dos prejuízos causados ao mesmo, via regressiva.
Elucidado o tópico acima, a partir deste momento traremos a situação em que o próprio Estado é responsável direto pelo assédio moral.
Assim, temos como fonte jurídica o artigo 186 do CC de 2002, cujo conteúdo é o seguinte: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
De acordo com artigo legal acima mencionado o causador do prejuízo, seja ele patrimonial ou moral, tem o dever de indenizar o prejudicado por sua conduta ilícita.
Nesta senda, preceitua o art. 927 do Código Civil Brasileiro que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”.
Sendo assim, o servidor sentindo que a conduta do Estado, através de seus agentes, tem-lhe causado dano, seja ele de cunho moral ou patrimonial, poderá pleitear a devida indenização, desde tenha como provar.
Assim, o Estado pode cometer erro em contratar pessoas desqualificadas, que não sabem ter vivência em grupo, impulsionadas por diversos sentimentos ruins e que desejam, acima de tudo, o mal aos demais colegas de trabalho (culpa in eligiendo). Por outro lado, pode ocorrer do mesmo não orientar os seus prepostos de forma adequada ou não prestar a devida atenção nos atos praticados pelos mesmos (culpa in vigilando). Sendo, em qualquer destas situações o Estado será responsável em reparar o dano.
Após feita esta abordagem sobre o assédio moral no trabalho, suas consequências para o servidor e a responsabilização pelos prejuízos resultantes da conduta suportados pelo Estado e, em alguns casos, pelos demais servidores assediadores.
Cumpre trazer decisões reiteradas dos tribunais abordando a matéria em tela e decidindo de forma a privilegiar os direitos acautelados em favor do assediado, seja na legislação ordinária ou na própria CF em vigor.
De maneira ilustrativa, transcrevemos abaixo julgado demonstrando o entendimento jurisprudencial consolidado a respeito do assunto, senão vejamos:
"APELAÇÃO CÍVEL - SERVIDOR PÚBLICO - MUNICÍPIO DE NOVA PETRÓPOLIS - INJÚRIA RACIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - DANO EXTRAPATRIMONIAL COMPROVADO - ASSÉDIO MORAL HORIZONTAL - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - VERBAS TRABALHISTAS - IMPOSSIBILIDADE - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - HORAS EXTRAS - NÃO COMPROVAÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - 1- Tratando de responsabilidade civil de pessoa jurídica de direito público, aplica-se a teoria da responsabilidade extracontratual objetiva, prevista no art. 37 , § 6º, da Constituição Federal, segundo a qual deve o cidadão comprovar a ação ou omissão, o dano e o nexo causal. 2- Para que obtenha êxito na sua ação indenizatória, ao autor impõe-se trazer aos autos elementos que comprovem a presença de tais elementos caracterizadores da responsabilidade civil objetiva por danos decorrentes de injúria racial. 3- Segundo bem observado pelo ilustre Procurador de Justiça: "A prática de injúria no ambiente laboral, especialmente a de ordem racial, é conduta condenável, não apenas por violar os mais elementares deveres funcionais de qualquer agente público, mas por atingir frontalmente os objetivos (artigo 3 º, inciso IV, da CF), os fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1 º, inciso III, da CF) e os princípios das relações internacionais ( artigo 4º, incisos II e VIII, da CF ), os quais são considerados valores fundamentais no texto constitucional". 4- A verificação da responsabilidade extracontratual do Estado por assédio moral deve observar os seguintes requisitos: a conduta do Estado discriminatória, por meio de agente público, agindo nessa qualidade, a comprovação dos danos e o nexo causal entre a conduta e os danos suportados pela vítima assediada. 5- As circunstâncias do caso, somado à prova testemunhal, permite concluir a respeito da caracterização da violação à honra subjetiva, capaz de afetar negativamente a esfera de proteção dos direitos de personalidade da autora, comprovando-se a prática do assédio moral horizontal. 6- Indenização por danos extrapatrimoniais majorada para R$15.000,00. 7- O contrato temporário de trabalho emergencial é regulado pelas regras próprias do regime administrativo, devendo obediência em tudo ao artigo 37, caput e inciso IX, da CF. 8- Comprovado o caráter jurídico-administrativo do contrato firmado entre a autora e o Município, não se aplicando a legislação trabalhista. 9- O intervalo intrajornada (art. 384 da CLT) não está previsto na Lei Municipal nº 4.483/2015, que disciplina o contrato temporário, tampouco na Lei Municipal nº 1.153/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos do Município), razão pela qual nada é devido a esse título. 10- Para a função de Assistente Social não está previsto o pagamento de adicional de insalubridade (Decreto Municipal nº 069/2015). 11- A autora não se desincumbiu do ônus de comprovar suas alegações, como lhe competia, a teor do artigo 373 , I, do CPC. A alegação da apelante de que as horas extras não foram pagos corretamente não foi devidamente comprovada. 12- No caso, especialmente em razão da natureza e importância da causa, o lugar de prestação do serviço, e o trabalho realizado pelo advogado, deve ser majorada a verba honorária para 20% do valor da condenação. Precedentes do TJ/RS e da Câmara. APELO DO MUNICÍPIO DESPROVIDO. APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS - AC 70084004860 - 3ª C.Cív. - Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler - J. 23.09.2021 ) GRIFO NOSSO
Desta forma, percebemos que, felizmente, os Tribunais Judiciais tem se mostrado sensíveis aos danos que acometem os trabalhadores no ambiente jus laboral, ocasionados por essa erva daninha (assédio moral), sejam eles de ordem meramente moral e/ou patrimonial. Pois quando um agente público agride um outro servidor psicologicamente causa-lhe um dano talvez até irreversível e afronta diretamente um principio constitucionalmente assegurado, qual seja, o da dignidade da pessoa humana, estabelecido no art. 1º, inciso III, da CF, tido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
REFERÊNCIAS
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NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio moral no ambiente de trabalho. Jus Navigandi, São Paulo, abr. 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5433>. Acesso em: 10 maio 2010.
SALVADOR, Luiz. Assédio moral: Doença profissional que pode levar à incapacidade permanente e até à morte. Jus Navigandi, São Paulo, jul. 2002. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3326>. Acesso em: 11 maio 2010.
SILVA, Cristiane Ribeiro da. Assédio moral no ambiente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador. Revista IOB trabalhista e previdenciária. Porto Alegre, p. 84-89, junho. 2007.
TADEU, Silney Alves. Assédio psicológico no ambiente do trabalho. RDT Revista do Direito do Trabalho. São Paulo: Consulex, 2006. p. 16-18.
FILHO, José dos Santos C. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559771837. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559771837/. Acesso em: 03 ago. 2023.