Acordo para evitar a bitributação entre Brasil e Estados Unidos: Uma necessidade

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O Brasil e os Estados Unidos são duas das maiores economias do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) conjunto de cerca de 30% do PIB mundial. Esses dois países mantêm relações econômicas históricas e estratégicas, que se refletem em um intenso fluxo de comércio e investimentos bilaterais. Os EUA é um dos maiores parceiros comerciais do Brasil e o principal destino dos investimentos diretos brasileiros no exterior.

No entanto, apesar da relevância e da potencialidade dessas relações econômicas, elas ainda enfrentam obstáculos tributários que podem afetar a competitividade e a segurança jurídica dos agentes envolvidos. Um dos principais desafios diz respeito à dupla tributação presente em muitos fluxos econômicos particulares entre os países, o que é muito problemático, tendo em vista que a incidência tributária repetida (uma vez na fonte e outra vez na residência) pode gerar distorções econômicas, como a redução da rentabilidade dos investimentos, o aumento dos custos de produção e a diminuição da competitividade das exportações.

Não há, atualmente, acordo para evitar a dupla tributação (ADT) pactuado entre as nações, o que se mostraria de grande valia às mesmas, uma vez que o potencial de crescimento das relações econômicas entre os dois países é considerável. Esses aumentos poderiam gerar ganhos econômicos para ambos os países, como o aumento do PIB per capita; a criação de empregos; a elevação da produtividade; e a melhoria da qualidade institucional.

Ao promover uma maior integração produtiva e uma maior cooperação tributária, um ADT firmado entre o Brasil e os Estados Unidos também poderia mudar significativamente as relações econômicas entre as nações. Por um lado, ao reduzir os custos tributários associados à transferência de bens, serviços e tecnologias entre as filiais, tal negócio jurídico poderia estimular o desenvolvimento de cadeias globais de valor entre empresas brasileiras e americanas. Por outro lado, poderia fortalecer o intercâmbio de informações fiscais entre as autoridades competentes dos dois países, ao estabelecer regras claras e transparentes para evitar a dupla não tributação e combater a evasão fiscal.

O acordo também tem grande potencial de causar impactos positivos em relação aos investimentos estrangeiros nos dois países, de modo que, reduzindo ou eliminando a bitributação dos lucros auferidos pelas subsidiárias brasileiras no território americano, poderia incentivar os investimentos diretos brasileiros nos EUA. O contrário também ocorre, de modo que ao reduzir ou eliminar a dupla tributação de royalties e de assistência técnica pagos pelas subsidiárias americanas no território brasileiro, o acordo poderia incentivar os investimentos diretos americanos no Brasil.

A negociação de um ADT com os EUA está, há anos, na pauta da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de seus mecanismos empresariais, como o Fórum das Empresas Transnacionais Brasileiras (FET) e o Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (CEBEU). A intenção é aumentar a segurança jurídica e reduzir a carga tributária nos investimentos e no comércio bilateral. Para contribuir com a concretização desse objetivo, a CNI e a Câmara Americana de Comércio (Amcham) prepararam um documento, que traz recomendações empresariais para a convergência de posições entre Brasil e Estados Unidos.

Tal documento destaca os benefícios potenciais de um acordo para ambos os países, dentre os quais se destacam o estímulo relativo ao fluxo de capitais, bens e serviços; a ampliação das oportunidades de negócios; o fomento à inovação e ao desenvolvimento tecnológico; o fortalecimento da cooperação tributária; e a harmonização das normas fiscais.

Além disso, são apresentadas as principais divergências entre as políticas tributárias brasileira e americana, que dificultam o avanço das negociações, e propõe soluções pragmáticas para superá-las. Entre as divergências, destacam-se: o método de tributação da renda mundial das empresas multinacionais; o tratamento dos lucros auferidos por subsidiárias no exterior; o conceito de estabelecimento permanente; a definição de royalties e assistência técnica; a aplicação do crédito tributário; e a troca de informações fiscais, as quais devem ser abordados com base em princípios como reciprocidade; não discriminação; transparência; equidade; e respeito à soberania.

Na ausência de um ADT, rendimentos remetidos ao Brasil que sejam provenientes dos Estados Unidos estão sujeitos à retenção na fonte à alíquota de 30%, conforme a legislação interna americana. Entretanto, caso o beneficiário comprove sua condição de residente fiscal no Brasil, pode ocorrer a redução ou isenção de tal porcentagem. Essa comprovação é feita por meio de formulários “W-8”, os quais devem ser apresentados à fonte pagadora nos Estados Unidos.

Tais formulários são emitidos pelo Internal Revenue Service (IRS), autoridade tributária americana, para certificar o status de estrangeiro de um beneficiário de rendimentos provenientes dos Estados Unidos. Existem diferentes tipos de formulários W-8, dependendo da natureza do beneficiário e da fonte de renda, sendo mais comum o uso do “W-8BEN”, que é preenchido por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras que recebem juros, dividendos, royalties, aluguéis ou outros rendimentos passivos dos Estados Unidos.

Dentre os benefícios assegurados ao beneficiário, destacam-se a redução das alíquotas referentes aos juros (A alíquota da retenção na fonte nos Estados Unidos é reduzida para 15% ou 0%, dependendo do tipo de credor e do tipo de crédito); aos dividendos (a alíquota da retenção na fonte nos Estados Unidos é reduzida para 15% ou 5%, dependendo do percentual de participação acionária do beneficiário na empresa pagadora); aos royalties (a alíquota da retenção na fonte nos Estados Unidos é reduzida para 15% ou 10%, dependendo do tipo de direito ou propriedade intelectual que gerou o pagamento); e aos aluguéis (a alíquota da retenção na fonte nos Estados Unidos é reduzida para 15% ou 10%, dependendo do tipo de imóvel que gerou o pagamento).

Ou seja, a utilização do formulário W-8BEN se caracteriza como um dos únicos mecanismos para evitar a dupla tributação entre o Brasil e os Estados Unidos, entretanto, justamente por ser um dos únicos mecanismos, também implica uma vulnerabilidade para os investidores brasileiros. Isso porque o formulário está sujeito às alterações das normas tributárias internas dos Estados Unidos, que podem afetar as condições para a concessão dos benefícios fiscais.

Um exemplo recente foi a publicação da Treasury Decision (TD) 9959, a qual, dentre diversas disposições, impede que empresas americanas com operações no Brasil possam aproveitar créditos tributários decorrentes de impostos retidos ou pagos no Brasil, como o IRPJ e a CSLL. Essa alteração pode impactar negativamente os investidores brasileiros que utilizam esses instrumentos financeiros, pois representa uma grande possibilidade de voltar a ocorrer bitributação em transações realizadas entre os países.

Portanto, o formulário W-8BEN é uma ferramenta importante para evitar ou reduzir a dupla tributação entre o Brasil e os Estados Unidos, mas o fato de se caracterizar como um dos únicos mecanismos para evitar a bitributação entre os países expõe os investidores brasileiros aos riscos decorrentes das mudanças na legislação americana e das diferenças entre os modelos de tributação das duas nações. Com isso, é de extrema importância e urgência a pactuação de ADT entre o Brasil e os Estados Unidos, tendo em vista que tal pacto, inegavelmente, aumentaria a segurança jurídica da relação econômica existente entre os países e conferiria maior confiança aos indivíduos interessados nesse tipo de investimento.

Sobre o autor
Luis Roberto de Vasconcelos Maia

Acadêmico de Direito. Pesquisador pelo CNPq. Realizou aperfeiçoamento em Análise Estratégica de Negócios, em Compliance Regulatório e em Avaliação dos fatores de ESG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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