O presente artigo tem como objetivo trazer, em linhas gerais, uma análise sobre as mudanças decorrentes da Reforma da Previdência que afetam a aposentadoria especial.
Introdução
A aposentadoria especial é um benefício previdenciário concedido ao trabalhador que exerce suas atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, que são os agentes insalubres e periculosos. Esse tipo de aposentadoria visa compensar os riscos e as exposições nocivas presentes em algumas profissões, garantindo que os trabalhadores tenham a oportunidade de se aposentar mais cedo e, assim, preservar sua saúde após anos de trabalho insalubre.
Todavia, A Reforma da Previdência (EC nº 103/2019) trouxe diversas modificações no bojo da aposentadoria especial. Foram instituídas duas regras, uma de transição e outra permanente, além da vedação de conversão de tempo especial em comum laborado após a entrada em vigor da Reforma., que serão analisadas neste artigo.
Fundamentos da Aposentadoria Especial:
A doutrina previdenciária é unânime em considerar a aposentadoria especial como um direito fundamental dos trabalhadores expostos a condições de trabalho nocivas. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 201, § 1º, estabelece que a aposentadoria especial será concedida ao segurado que trabalhar em atividades que prejudiquem a saúde ou a integridade física, de forma permanente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.
A Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, também prevê os requisitos para a concessão da aposentadoria especial, tais como o tempo mínimo de contribuição em atividades insalubres e comprovação da efetiva exposição aos agentes negativos.
A aposentadoria especial é considerada como um mecanismo essencial para a proteção social do trabalhador, buscando garantir sua recompensa e qualidade de vida após anos de trabalho em ambientes hostis. Nesse sentido, a concessão desse benefício é considerada uma forma de reparar as adversidades impostas ao trabalhador ao longo de sua carreira profissional.
Quem tem direito à aposentadoria especial?
O benefício é concedido mediante a comprovação de que o trabalhador exerceu a atividade com exposição a algum agente nocivo definido pela legislação em vigor à época do trabalho realizado.
Os agentes prejudiciais à saúde (nocivos) se dividem em insalubres e periculosos. Os agentes insalubres são aqueles que podem fazer mal à saúde do trabalhador devido à sua exposição em razão da atividade exercida, ou seja, são agentes com os quais algumas profissões precisam ter contato e que prejudicam a sua saúde. Estes agentes podem ser químicos, físicos ou biológicos. Os agentes periculosos são aqueles que colocam em perigo a vida dos profissionais, que são a eletricidade, explosivos, combustíveis e petróleo e Perigo inerente à atividade de policiais e vigilantes.
Importante destacar que, sobre os vigilantes, o STJ entende que há direito à aposentadoria especial mesmo que estes profissionais trabalhem sem arma de fogo, ou seja, basta comprovar os riscos da própria profissão, independentemente do uso de armas.
Comprovação de que faz jus a aposentadoria especial
Atualmente, para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador precisa comprovar a efetiva exposição aos agentes nocivos caso a caso, ou seja, não é porque trabalha em profissão usualmente insalubre ou periculosa que necessariamente tem direito à aposentadoria especial.
É necessário comprovar, caso a caso, como essa profissão prejudica a sua saúde ou a sua vida. E, para isso, há documentos específicos, como é o caso do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).
Mas nem sempre foi assim, uma vez que até 28/04/1995, o reconhecimento da atividade especial era realizado por enquadramento profissional, em que havia uma relação oficial de atividades consideradas especiais e se trabalhador exercia alguma dessas atividades, automaticamente tinha direito à aposentadoria especial.
Mesmo com a mudança da legislação, como se trata de um direito adquirido, no que tange às atividades realizadas até 28/04/1995, basta pedir ao INSS o reconhecimento da atividade especial com base apenas na Carteira de Trabalho, não necessitando apresentar nenhum tipo de laudo para comprovar a exposição aos agentes nocivos.
Estas profissões eram previstas pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, com uma lista era bem extensa e algumas profissões nem existem mais hoje em dia.
Como mencionado alhures, esta lista não é mais suficiente para dar direito à aposentadoria especial, todavia as profissões nela incluídas têm uma maior facilidade para obter o benefício especial no próprio INSS, mas desde que faça a comprovação documental da exposição aos agentes nocivos e como eles prejudicam a saúde ou a vida.
Com efeito, o PPP só começou a ser exigido a partir de 01/01/2004. Antes, foram criados diversos formulários para comprovar a atividade especial, quais sejam:
SB-40, emitido entre 13/08/1979 e 11/10/1995;
DISES BE 5235, emitido entre 16/09/1991 e 12/10/1995;
DSS-8030, emitido entre 13/10/1995 e 25/10/2000; e
DIRBEN-8030, emitido entre 26/10/2000 e 31/12/2003.
Até 13/10/1996, o LTCAT (Laudo Técnico das Condições do Ambiente de Trabalho) era usado para a comprovação de ruído. Em seguida, entre 14/10/1996 e 31/12/2003, o LTCAT passou a ser admitido para qualquer agente nocivo.
Por fim, na ausência do PPP ou destes formulários, é possível utilizar outros documentos, tais como laudos da Justiça do Trabalho, bem como PPP ou formulários de colegas. Além disso, fichas de registro, holerites, certificados de cursos e até mesmo anotações na CTPS podem ajudar em alguns casos.
Aposentadoria especial antes da reforma
Antes da reforma, para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador precisava de:
25 anos de atividade especial, em caso de risco baixo;
20 anos de atividade especial, em caso de risco médio; ou
15 anos de atividade especial, em caso de risco alto.
A quantidade mínima de anos necessários (15, 20 ou 25) depende da agressividade do agente prejudicial à saúde, de modo que quanto mais agressivo for o agente prejudicial à saúde, menos tempo o trabalhador vai precisar para se aposentar.
Com efeito, os 15, 20 ou 25 anos tem que ser em atividade prejudicial à saúde, não pode mesclar com tempo comum para completar o mínimo exigido para a aposentadoria especial.
Assim, quem conseguiu cumprir esse tempo mínimo de atividade especial antes da reforma da previdência (13/11/2019) pode se aposentar independentemente da idade. É que, antes da reforma, não havia exigência de idade mínima para a aposentadoria especial.
Aposentadoria especial depois da reforma
A reforma da previdência criou 2 regras diferentes para a aposentadoria especial. A primeira para quem começou a trabalhar antes da reforma e, até a data de sua promulgação (13/11/2019), não cumpriu os requisitos para se aposentar e a segunda para quem começou a trabalhar após a reforma da previdência (13/11/2019).
Regra de Transição
Se o trabalhador começo a laborar antes da reforma e não conseguiu cumprir os requisitos para se aposentar até 13/11/2019, vai precisar a partir de agora de:
25 anos de atividade especial + 86 pontos, em caso de risco baixo;
20 anos de atividade especial + 76 pontos, em caso de risco médio; ou
15 anos de atividade especial + 66 pontos, em caso de risco alto.
A reforma acrescentou um requisito mínimo de pontos além do tempo de atividade especial para concessão da aposentadoria. Este mínimo de pontos é a soma da idade com o tempo de atividade especial, assim se o trabalhador tem 50 anos de idade e 20 anos de atividade especial, ele tem 70 pontos (50 + 20). Todavia, esse requisito foi péssimo para os trabalhadores
Assim, conclui-se que esta nova regra foi muito dura com o trabalhador, de modo que em alguns casos, nem vai mais valer a pena pedir a aposentadoria especial, será melhor obter uma aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, a depender do caso.
Regra Definitiva
Para quem começou a trabalhar depois da reforma da previdência (13/11/2019), os requisitos para a aposentadoria especial são os seguintes:
-
25 anos de atividade especial + 60 anos de idade, em caso de risco baixo;
20 anos de atividade especial + 58 anos de idade, em caso de risco médio; ou
15 anos de atividade especial + 55 anos de idade, em caso de risco alto.
Portanto, além do tempo de atividade especial, agora os trabalhadores expostos a agentes nocivos também vão precisar de uma idade mínima, o que particularmente não entendo ser viável, uma vez que se a ideia é afastar o trabalhador do agente nocivo após um determinado período, por que exigir uma idade mínima? Não faz sentido. Mas a nova regra infelizmente é essa.
Conversão de tempo especial
Para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador precisa completar 15, 20 ou 25 anos (a depender do caso) de efetiva exposição aos agentes nocivos. Mas e se o profissional trabalhar, por exemplo, 10 anos exposto a agentes nocivos e depois passar a trabalhar em outra profissão?
Neste caso, será possível a conversão do tempo especial em comum para o recebimento de uma possível aposentadoria por tempo de contribuição. Ou seja, o trabalhador ganha um tempo “a mais” de contribuição em decorrência da atividade exposta a agentes prejudiciais à saúde.
Para saber como calcular isto, foi criada uma “tabela de conversão”. Assim, a depender do gênero (homem ou mulher) e da gravidade do agente nocivo (baixa, média ou alta), o multiplicador será diferente. Veja a tabela abaixo:
TEMPO A CONVERTER |
MULTIPLICADORES |
|
---|---|---|
Mulher (para 30) |
Homem (para 35) |
|
De 15 anos |
2,00 |
2,33 |
De 20 anos |
1,50 |
1,75 |
De 25 anos |
1,20 |
1,40 |
Entretanto, infelizmente, a reforma da previdência acabou com o direito à conversão do tempo especial a partir de 13/11/2019, o que foi péssimo para o trabalhador exposto a atividades insalubres ou periculosas.
Com efeito, a nova regra só vale para o trabalho exposto a agentes nocivos a partir de 13/11/2019, ou seja, se trabalhou antes desta data, ainda é possível obter a conversão.
Valor da aposentadoria especial
A reforma da previdência também mudou bastante a forma de cálculo da aposentadoria especial, e, infelizmente as mudanças também foram para pior. Uma vez que quem cumprir os requisitos para a aposentadoria especial a partir de 13/11/2019 vai receber um valor menor.
Valor antes da reforma
Antes da reforma, o cálculo da aposentadoria especial era bem simples, uma vez que ao cumprir os requisitos para recebimento do benefício, o aposentado tinha direito ao recebimento de uma aposentadoria no valor equivalente à média dos 80% dos maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994.
Assim, bastava verificar todos os salários de contribuição do trabalhador a partir de julho de 1994, eliminar os 20% menores salários, fazer a correção monetárias dos 80% maiores salários e calcular a média destes 80% maiores salários. Este era o valor da aposentadoria, não havia incidência nem mesmo do fator previdenciário. Dessa forma, antes da reforma da previdência, a aposentadoria especial era um dos benefícios com maior valor do INSS.
Valor após reforma
Após a reforma da previdência, o valor da aposentadoria especial será equivalente a 60% da média de 100% dos salários de contribuição a partir de julho de 1994, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder 15 anos para as mulheres e 20 anos para os homens.
No caso por exemplo dos mineradores de frente, que precisam de 15 anos para se aposentar, o valor será 60% da média com acréscimo de 2% para cada ano que exceder estes 15, ou seja, não há mais o descarte dos 20% menores salários de contribuição, o que por si só, isto já possivelmente deve baixar um pouco o valor da aposentadoria especial.
Além disso, o valor não é mais 100% da média dos salários de contribuição. Na verdade, vai depender do tempo de contribuição de cada trabalhador.
ADIN 6309
A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pela CNTI - Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria contra dispositivos da reforma da Previdência (EC 103/19) que criaram requisito etário para a concessão da aposentadoria especial para segurados que trabalham expostos a agentes nocivos à saúde ou à integridade física.
Sustenta a confederação, que a finalidade da aposentadoria especial é evitar que o trabalhador sofra prejuízos em decorrência da exposição ao agente nocivo por tempo superior ao suportável. O destinatário da aposentadoria especial, nessas condições, não pode aguardar eventual idade mínima, sob pena de ter de permanecer exposto ao risco.
Essa exigência, viola o art. 7º, inciso XXII, da CF/88, que assegura aos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e o princípio da dignidade humana, que busca assegurar condições justas e adequadas para a vida do segurado e sua família.
Ministro Dias Toffoli, do STF, no dia 30/06/2023 pediu destaque e interrompeu julgamento virtual da matéria em agora o caso será reiniciado em plenário físico, em data a ser definida.
Até o momento, três ministros votaram. Os ministros Luís Roberto Barroso (relator) e Gilmar Mendes no sentido de declarar a constitucionalidade da regra. Em contrapartida, o ministro Edson Fachin inaugurou divergência para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos.
Voto do relator
"De acordo com projeções da Organização das Nações Unidas, em 2100, o Brasil será o 10º maior país do mundo em proporção de idosos. Em paralelo, a população em idade ativa vem diminuindo, em razão da queda na taxa de fecundidade. Com isso, há menos jovens para financiar os benefícios dos mais idosos."
"O pagamento de aposentadorias e pensões consome fatia relevante do PIB e do orçamento estatal, deixando poucos recursos para setores como saúde e educação. Reformas na Previdência Social que reduzam o endividamento público podem ter impactos macroeconômicos positivos, como o estímulo ao consumo e à produção."
"A exigência de idade mínima para passar à inatividade de forma precoce - isto é, antes do tempo exigido dos trabalhadores em geral - não é uma exclusividade brasileira. Muito ao revés: essa já é uma realidade em vários países de longa data, havendo uma tendência global de que regimes especiais de aposentadoria se tornem cada vez mais excepcionais ou até mesmo desapareçam."
"Embora tal conversão não se caracterize como contagem de tempo ficto, a sua proibição constitui uma opção legislativa legítima, que confere maior peso, dadas as circunstâncias atuais, à necessidade de restabelecer o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário."
"Não ferem cláusula pétrea os dispositivos da Emenda Constitucional nº 103/2019, relativos ao Regime Geral de Previdência Social, que (i) estabelecem idades mínimas para a aposentadoria especial por insalubridade (art. 19, § 1º, I), (ii) vedam a conversão de tempo especial em comum (art. 25, § 2º) e (iii) modificam a forma de cálculo dos proventos de aposentadoria especial por insalubridade (art. 26, § 4º, IV)."
Voto divergente
"É um grande equívoco confundir os gastos que o Estado tem com a aposentadoria - e que, obviamente, precisarão ser revistos dada a mudança no perfil etário da população - com os gastos necessários para garantir e manter a capacidade produtiva das pessoas."
Na sua visão, sempre que o Estado "instituir ou aumentar a idade para o acesso à aposentadoria especial, deve ele assegurar que as pessoas que estão em profissões com risco à saúde possam de fato e com dignidade trabalhar por mais tempo, ou se isso não for possível, que eles possam ter uma renda assegurada". Assim, votou pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos.
Conclusão:
A aposentadoria especial é um direito assegurado ao trabalhador que exerce suas atividades em condições prejudiciais à saúde e à integridade física. A doutrina e a jurisprudência têm desempenhado um papel fundamental na consolidação e no aperfeiçoamento desse benefício previdenciário, garantindo a proteção social e ganhando dos profissionais que participam em ambientes insalubres.
É importante deixar registrado que a Reforma da Previdência instituiu algumas regras que foram muito prejudicais ao trabalhador, como a idade mínima, forma de cálculo do benefício e a vedação a conversão em tempo especial.
Assim, é essencial que o Poder Judiciário continue a analisar cada caso individual, considerando as particularidades de cada atividade e as transformações sociais, de forma a assegurar que aqueles que enfrentam riscos à saúde sejam beneficiados pela aposentadoria especial. Dessa forma, o sistema previdenciário brasileiro poderá garantir um tratamento justo e equitativo aos trabalhadores que criaram para o desenvolvimento do país em condições mais adversas.
Fonte:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição /constituição.htm>. Acesso em: 23/07/2023.
Lei n.º 8213/91
https://www.migalhas.com.br/quentes/389203/toffoli-suspende-analise-de-idade-minima-para-aposentadoria-especial