Impossibilidade jurídica do servidor estatutário em continuar no serviço público após a obtenção de aposentadoria

08/08/2023 às 16:16

Resumo:


  • O artigo aborda a vedação constitucional de continuidade no vínculo laboral entre servidor estatutário e ente público empregador após a obtenção do benefício previdenciário de aposentadoria.

  • A Constituição Federal de 1988 veda expressamente a percepção simultânea de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo público efetivo.

  • O entendimento jurisprudencial consolidado e a legislação vigente reforçam a impossibilidade do servidor público aposentado continuar desempenhando as atribuições do cargo público.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Inicialmente registramos que o presente artigo busca dirimir eventuais dúvidas que possam existir acerca da vedação constitucional para continuidade no vínculo laboral estabelecido entre o servidor estatutário e o ente público empregador, após o primeiro obter o benefício previdenciário de aposentadoria, o que será realizado através da demonstração do quanto contido no nosso ordenamento jurídico pátrio, bem como entendimento jurisprudencial consolidado sobre a matéria.

Tal discussão ainda ganha bastante importância, em que pese o Supremo Tribunal Federal – STF, ter se manifestado a respeito da temática, no ano de 2020, causando diversas discussões entre os operadores do ramo jurídico, dada as suas peculiaridades, conforme se verificará ao longo do trabalho em pauta.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 10, veda expressamente a percepção simultânea de benefício previdenciário de aposentadoria com remuneração de cargo público efetivo, senão vejamos:

 “(...); § 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (...)”. (GRIFO NOSSO)

Portanto, a Carta Magna de forma evidente demonstra a impossibilidade do servidor público, seja de qualquer esfera, federal, estadual ou municipal, se aposentar e continuar a desempenhar as atribuições inerentes ao seu cargo, emprego ou mesmo função pública, devendo ser realizado o seu desligamento e consequente afastamento das atividades.

 Corroborando com tal entendimento, o mestre CARVALHO FILHO (2010, p. 767), assevera que 

“Com pouca diferença, o Constituinte retornou ao sistema da Constituição de 1967, ou seja, a regra é a da vedação de auferir conjuntamente proventos e vencimento, excepcionando-se os casos que a norma expressamente menciona: cargos acumuláveis na atividade, cargos eletivos e cargos em comissão”. (GRIFO NOSSO)  

Trilhando o mesmo caminho, SPITZCOVSKY (2023, p. 315) nos ensina que 

“Ainda, em relação ao tema, importante lembrar que a Constituição proíbe, como regra geral, a possibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função.” (GRIFO NOSSO) 

Seguindo a determinação constitucional, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº. 8.112/1990), o qual se trata de um espelho que os demais entes públicos costumam seguir suas diretrizes na confecção dos seus estatutos funcionais, estabelece que a aposentadoria gera a vacância do cargo público, de acordo com o art. 33, VII, abaixo transcrito: 

“Art. 33.  A vacância do cargo público decorrerá de:

(...)

VII - aposentadoria;” 

Assim sendo, percebemos que o servidor aposentado, recebendo regularmente o benefício previdenciário encontra-se proibido, pela determinação constitucional e legal, de permanência em seu cargo público.

 Neste contexto, analisando-se conjuntamente os dispositivos legais e constitucionais acima delineados, concluímos que o servidor público, quando se aposenta, deve ter seu vínculo desfeito, em face da impossibilidade de percepção simultânea de proventos de aposentadoria com vencimento de cargo público efetivo, ainda que esteja ligado ao Regime Geral de Previdência Social, pois aí se criarem duas espécies de servidores, os que estão ligados ao Regime Geral e os que possuem o Regime Próprio, o que violaria o princípio da isonomia, o que não pode ser admitido.

O entendimento acima defendido ganha ainda mais força devido ao fato de a maior parte do entes federativos não possuírem regime próprio de previdência social, estando, por conseguinte, seus colaboradores vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, o qual é gerenciado pelo Instituto Nacional do Seguro do Social – INSS.

Entender a possibilidade de continuar o servidor aposentado a manter seu vínculo funcional, afronta a Constituição, o que ocasionaria situações complexas, como por exemplo, devido ao fato de já receber benefício previdenciário de aposentadoria, não poderia, em caso de afastamento por motivo de saúde ser encaminhado ao ente previdenciário para buscar auxílio doença e nem poderia o ente público lhe remunerar durante este período, pois também não estaria prestando os seus serviços para receber a contraprestação do pagamento.

Visando pacificar o entendimento acerca da matéria, o Supremo Tribunal Federal – STF, desde junho de 2020, com base nos preceitos constitucionais se manifestou acerca da presente situação de maneira elucidativa, esclarecendo ser inviável ao servidor continuar desempenhando as atribuições do seu cargo após obter aposentadoria, realizado a análise dos Recursos Extraordinários com Agravos (AREs) 1234192 e 1250903, conforme ementa abaixo transcrita:

 “AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIOCOM AGRAVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL, OCUPANTE DECARGO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. APOSENTADORIAVOLUNTÁRIA. HIPÓTESE DE VACÂNCIA DO CARGO, SEGUNDO ALEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO. PRETENSÃO DE RETORNO AO CARGO, AO FUNDAMENTO DE QUE A APOSENTADORIA PELOREGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – INSS É CUMULÁVELCOM OS VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REINTEGRAÇÃOAO MESMO CARGO PÚBLICO APÓS APOSENTADORIA, SEMAPROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO.” 

Portanto, conforme entendimento cristalizado pelo STF, o servidor que se aposente e haja previsão no estatuto funcional ao qual esteja vinculado de situação de vacância do cargo público por conta de tal situação, deve ser desligado através da edição de ato administrativo reconhecendo essa situação jurídica, mesmo que esteja albergado pelo Regime Geral de Previdência Social.

Sendo assim, a partir do posicionamento da Corte Suprema de Justiça do país, os diversos Tribunais uniformizaram seu entendimento, conforme julgados abaixo colacionados, de maneira ilustrativa: 

SERVIDOR MUNICIPAL RIVERSUL - APOSENTADORIA - VACÂNCIA - CUMULAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - Embora não haja regime previdenciário próprio no Município, o Estatuto do Servidor é expresso ao determinar a vacância do cargo na hipótese de aposentadoria, não sendo possível que nele permaneça o servidor aposentado. (TJSP - AC 1000845-39.2018.8.26.0275 - Itaporanga - 10ª CDPúb. - Relª Teresa Ramos Marques - DJe 22.01.2021 )” – GRIFO NOSSO

APELAÇÃO CÍVEL - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - JERIQUARA - APOSENTADORIA - VACÂNCIA - Pretensão à anulação do ato de exoneração e reintegração no cargo público. Inadmissibilidade. Servidor aposentado pelo regime geral de previdência social. É inadmissível a reintegração de servidor público municipal ao cargo que ocupava antes de ser aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social, porque, com a aposentadoria, ocorre a vacância do cargo, nos termos do art. 83, VII, da Lei Municipal nº 04/1982. Precedentes do C. STF e deste Eg. TJSP. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP - AC 1000951-72.2019.8.26.0434 - Pedregulho - 13ª CDPúb. - Rel. Djalma Lofrano Filho - DJe 11.03.2021 )”

SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA PELO RGPS - EXONERAÇÃO IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS ORIUNDOS DO MESMO CARGO VACÂNCIA - IMPROCEDÊNCIA MANTIDA - 1- A aposentadoria obtida por conta do exercício de cargo público é incompatível com a preservação do vínculo de trabalho. Até se pode cogitar de eventual exceção quando se assuma novo cargo, mas o liame anterior necessariamente fica prejudicado. 2- Como não existe nenhuma imputação, mas meramente a prática de ato de ofício, o desligamento não precisa ser antecedido de direito de defesa. 3- Recurso desprovido. (TJSC - AC 0300612-79.2018.8.24.0068 - Rel. Des. Hélio do Valle Pereira - J. 30.04.2020 )”

Ademais, registramos que tem havido equívoco interpretativo por parte de alguns operadores do direito, no teor da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 655283, ano de 2021, relacionado à figura do empregado público, o qual poderia continuar seu vínculo de trabalho, apesar de aposentado, desde que fosse obtido o benefício previdenciário antes da publicação da Emenda Constitucional nº 103/19,  não sendo aplicável ao servidor público estatutário, conforme se verifica da leitura da ementa e decisório, in verbis

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“EMENTA Recurso extraordinário. Direito Constitucional. Processual. Administrativo. Tema nº 606 da sistemática da Repercussão Geral. Competência da Justiça Federal. Reintegração de empregados públicos. Empresa de Correios e Telégrafos. (ECT). Dispensa em razão de aposentadoria voluntária. Extinção do vínculo. EC nº 103, de 2019. Cumulação. Proventos e vencimentos. Recurso ordinário não provido. 1. Trata-se, in casu, de empregado público da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) que impetrou mandado de segurança em face de ato mediante o qual o Secretário Executivo do Conselho de Coordenação de Empresas Estatais e do Presidente da ECT determinou o desligamento dos empregados aposentados que se mantinham na ativa, nos termos da MP nº 1523/1996. 2. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação cujo objeto seja a reintegração de empregados públicos dispensados em virtude de aposentadoria espontânea, bem como a cumulatividade de proventos com vencimentos, o que difere, em essência, da discussão acerca da relação de trabalho entre os empregados e a empresa pública, afastando-se a competência da Justiça do Trabalho. 3. Segundo o disposto no art. 37, § 14, da CF (incluído pela EC nº 103, de 2019), a aposentadoria faz cessar o vínculo ao cargo, emprego ou função pública cujo tempo de contribuição houver embasado a passagem do servidor/empregado público para a inatividade, inclusive quando feita sob o Regime Geral de Previdência Social. 4. A mencionada EC nº 103/19, contudo, em seu art. 6º, excluiu da incidência da regra insculpida no § 14 do art. 37 da Constituição Federal as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de sua entrada em vigor, sendo essa a hipótese versada nos autos. 5. Foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: “A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional-administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º.” 6. Recursos extraordinários não providos. Tema 606 - a) Reintegração de empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea e consequente possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos; b) Competência para processar e julgar a ação em que se discute a reintegração de empregados públicos dispensados em face da concessão de aposentadoria espontânea e consequente possibilidade de acumulação de proventos com vencimentos Tese A natureza do ato de demissão de empregado público é constitucional- administrativa e não trabalhista, o que atrai a competência da Justiça comum para julgar a questão. A concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, nos termos do art. 37, § 14, da CRFB, salvo para as aposentadorias concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/19, nos termos do que dispõe seu art. 6º. (RE 655283 Órgão julgador: Tribunal Pleno
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 15/03/2021 - Publicação: 02/12/2021 Ementa Num. 182225428)” (Grifo nosso)

 Portanto, da análise do julgado acima, percebemos que o marco temporal estabelecido pela publicação da Emenda Constitucional nº 103/19, ocorrida em 12 de novembro de 2019, aplica-se unicamente à figura do empregado público, aquele regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e não ao servidor público estatutário.

Visando elucidar o tema em discussão, o mestre CARVALHO FILHO (2023, p. 506) conceitua a figura do empregado público, conforme se extrai da leitura infra transcrita:

 “Prevê que o regime de emprego público será regido pela CLT (Decreto-lei no 5.452/1943) e pela legislação trabalhista correlata, considerando-as aplicáveis naquilo que a lei não dispuser em contrário (art. 1º).” (grifo nosso) 

Desta forma, em vista de tudo quanto exposto, concluímos que o servidor estatutário que tenha previsão em seu regime jurídico a aposentadoria como causa ensejadora de vacância de cargo público, deverá ser desligado do mesmo a partir da obtenção do aludido benefício previdenciário, por ser entendimento condizente com a Carta Magna nacional e jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores. 

REFERÊNCIAS: 

FILHO, José dos Santos C. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559774265. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559774265/. Acesso em: 07 ago. 2023.

FILHO, José dos Santos C. Manual de Direito Administrativo. 23ª edição. P. 767. Lumen Iuris:  Rio de Janeiro: 2010.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559646784. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559646784/. Acesso em: 08 ago. 2023.

SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. (Coleção Esquematizado). São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553627130. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553627130/. Acesso em: 08 ago. 2023.

Sobre o autor
João Paulo Mendes Gomes

Procurador do Município de Irecê/BA; Advogado; Professor Universitário; Especialista em Direito Público; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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