O processo de compra e venda de um estabelecimento empresarial é conhecido como trespasse. É uma relação jurídica contratual empresarial que, apesar de ter todas as regras básicas de uma compra e venda prevista em lei, possui características específicas para esse tipo de negócio.
Normalmente é uma relação jurídica entre empresários onde o objeto da negociação é a transferência onerosa do estabelecimento empresarial, um empresário vendendo seu estabelecimento a outro.
Estabelecimento empresarial é todo um conjunto de bens, materiais ou imateriais que o empresário usa para exercer sua atividade, como nome fantasia, marcas, patente, ponto comercial, móveis, mercadorias, etc.
É fundamental que antes de formalizar o trespasse o empresário (adquirente) faça uma diligência prévia (due diligence) no estabelecimento que planeja comprar, haja vista haver questões tributárias e trabalhistas que não podem ficar de fora da negociação.
A due diligence possibilita avaliar a situação patrimonial do alienante e abrange análise de documentos, da contabilidade de empresa, dos contratos, enfim, tudo para atribuir um valor da empresa, mais conhecida por valuation. Caso não tenha bens suficientes para pagar credores, a eficácia da venda depende do consentimento desses credores para se manifestem no prazo de 30 dias acerca da alienação do estabelecimento. Se os credores nada disser passado esse prazo, entende-se que a venda pode ser realizada.
Se a compra e venda da empresa está decidido, para o trespasse ter eficácia perante terceiros, o art. 1.144 do Código Civil determina que o registro do contrato deve ser averbado na Junta Comercial e publicado em jornal para conferir publicidade a terceiros.
Com o trespasse há a sucessão empresarial. Aquele que adquire o estabelecimento empresarial responde pelas dívidas existentes – contraídas pelo alienante –, desde que regularmente contabilizadas. Por isso a importância da diligência prévia sobre a situação patrimonial do estabelecimento, previsto no art. 1.146 do CC.
Além disso, no prazo de 1 ano, o alienante fica solidariamente responsável pelas dívidas. Quando as dívidas já estão vencidos, o prazo é contado a partir da publicação do contrato de trespasse; se a dívida ainda vai vencer, o prazo é contado a partir do seu vencimento.
Quanto as dívidas trabalhistas e tributárias a regra é diferente.
O art. 133 do Código Tributário Nacional diz o seguinte:
A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma, ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
Na CLT o art. 448 protege os empregados do estabelecimento ao determinar que a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos empregados.
O empresário alienante precisa tomar muito cuidado para que a alienação do estabelecimento não seja considerado irregular.
Lei n 11.105/05 que trata da recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, considera um ato de falência a alienação irregular do trespasse se o empresário transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver suas dívidas (art. 94, III, alínea c).
Na recuperação judicial, se o plano de recuperação aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização e o objeto de alienação fica livre de ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive de natureza tributária (art. 60, parágrafo único da lei nº 11.105/05).
E como fica a concorrência nos contratos de trespasse?
O art. 1.147 do CC diz que não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode realizar concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência. Segundo a doutrina, pode ser necessário cláusula no contrato dispondo expressamente sobre o tema, definindo se existe ou não o dever de não concorrência; caso exista especificar critérios como área, tempo e ramo de atividade.
E, por fim, vale fazer uma distinção entre contrato de trespasse e cessão de quotas ou ações da sociedade. Como dito no início, o trespasse é a compra e venda do estabelecimento empresarial, um contrato oneroso. A cessão de quotas ou ações são negociações de participação societária, onde o sócio é o vendedor de sus quotas ou ações da sociedade que participa.
Fonte:
Código Civil – art. 1.142 a 1.149
Código Tributário Nacional: art. 133
Consolidação das Leis Trabalhistas: art. 448
Lei nº 11.105/05 – art. art. 94, III, alínea c; art. 60, parágrafo único.
Direito empresarial: volume único / André Luiz Santa Cruz Ramos. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
Manual dos Contratos Empresariais: teoria e prática/Fernando Schwarz Gaggini. - Indaiatuba, SP : Editora Foco, 2022.