A impossibilidade jurídica da reintegração judicial do ex-militar temporário à condição de encostado

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Diversos jovens ingressam no serviço militar obrigatório na forma de militares temporários, sendo atraídos pelas Forças Armadas como um alicerce de carreira e subsistência, bem como pelo prazer de fazer parte de uma Instituição Nacional e permanente, com missões nobres como a defesa da Pátria.

Ao ingressarem na carreira das armas, conforme conceituado pela Lei nº 6.880/80, esses jovens são denominados militares e, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria.

Portanto, os militares não podem ser comparados ou igualados com nenhuma outra classe de servidores públicos, haja vista possuírem características e atribuições que não são exigidas de quaisquer outros trabalhadores, o que foi definitivamente deixado expresso na Emenda Constitucional nº 18, de 05 de fevereiro de 1998, ficando claro suas especificidades no art. 142 da CF/88.

Assim, não há dúvidas do tratamento diferenciado que deve ser proporcionado a esta categoria de agentes públicos, e suas especificidades devem ser consideradas para fins previdenciários no sentido amplo do termo, e assim mesmo o é, conforme se verifica pela previsão do art. 143, §3º, inciso X da CF/88, sendo este regulamentado pelo Estatuto dos Militares (Lei nº 6880/80).

À vista disso, a legislação proporciona um regime jurídico diferente para o amparo do militar e, em específico, do militar temporário. Isto porque, quando esta categoria de militares é acometida por incapacidades laborais, o Estatuto dos Militares e a Lei do Serviço Militar apenas asseguram a sua manutenção na respectiva Força para fins de tratamento de saúde e percepção de remuneração, quando a sua incapacidade tem nexo de causalidade com o serviço e o incapacita para atividades civis e militares.

Assim considerado, através do breve e sintético estudo, busca-se esclarecer de forma sucinta os institutos militares da agregação/adição e do encostamento, que muitas vezes são desconhecidos ou confundidos pela população em geral e também por quem deveria conhecê-los.

Nos termos do art. 31, § 8º da Lei do Serviço Militar e art. 3º, nº 14, do Decreto nº 57.654/66, O ENCOSTAMENTO se trata de um “ato de manutenção do convocado, voluntário, reservista, desincorporado, insubmisso ou desertor na OM, para fins específicos, declarados no ato”. Assim, percebe-se que tal instituto confunde-se com a reintegração, tendo em vista a “manutenção” do militar às Forças Armadas para um fim específico e previamente determinado, entretanto, no momento que o militar temporário é excluído/licenciado, RETIRA-LHE A REMUNERAÇÃO, ALTERAÇÃO E PRINCIPALMENTE, A CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO DO PLANO DE SAÚDE DA FORÇA (FUSEX), OU SEJA, A ASSISTÊNCIA MÉDICA COM VISTAS À RECUPERAÇÃO1.

A agregação, “é a situação transitória, na qual o militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica de seu corpo, quadro, arma ou serviço, nela permanecendo sem número”. Com efeito, o militar nessa condição ainda será considerado para todos os efeitos na ativa2.

Valorosa consequência das hipóteses de agregação por motivos de incapacidade, é o fato do militar efetivo passar à condição de “adido para efeito de alterações e remuneração, à organização militar que lhe for designada, continuando a figurar no respectivo registro, sem número, no lugar que até então ocupava”3.

Assim, mesmo em uma compreensão sumária dos conceitos expostos acima, percebe-se que a adição mantém o militar compondo os quadros da Força com a percepção de remuneração, cobertura de saúde integral, bem como todos os benefícios e privilégios de quando estava plenamente capaz.

Por outro lado, o encostamento é uma medida destinada a determinados cidadãos, como os desincorporados, que não se encontram incluídos no quadro de pessoal das Forças Armadas. Ou seja, essa situação estabelece um vínculo transitório e precário entre o ex-militar e a Força, para fins específicos, não conferindo ao seu destinatário a condição de militar, tampouco a percepção de remuneração4.

Todavia, a falta de compreensão destes institutos pode causar efeitos perversos e juridicamente impossíveis.

Um exemplo disso está na notícia publicada junto ao site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 07/08/2023, com o seguinte título: “DECISÃO: Militar temporário desincorporado por motivo de saúde pode permanecer como adido para tratamento médico.”5 E expõe em seu texto: “A 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reconheceu o direto de um ex-militar temporário permanecer no serviço na condição de adido sem o recebimento de remuneração para tratamento médico.”

Diante desta publicação em site oficial da justiça do TRF da 1ª Região, questiona-se: é possível falar-se em reintegração como adido sem remuneração? Ou então, reintegração do militar como encostado? Por óbvio, a resposta é negativa, observando-se claro equívoco conceitual na notícia veiculada.

Nesse sentido, é importante evitar confundir a reintegração à condição de adido com o encostamento do militar, pois este último, apesar de suas similaridades, suprime vários direitos, incluindo remuneração, acesso à saúde e benefícios.

Registre-se que, na condição de encostado, o ex-militar temporário licenciado ou desincorporado (agora civil) terá de comparecer, por diversas vezes na semana, à unidade militar para tratamento e acompanhamento de seu quadro de saúde, tendo que arcar por conta própria com custos de medicamentos, locomoção, alimentos, etc., além das dificuldades óbvias de conseguir emprego na vida civil, seja pelas limitações de saúde, seja pelas necessidades constantes de ausência para comparecer a Organização Militar.

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Assim, percebe-se que esse instituto se confunde com a reintegração à condição de adido, pois mantém o militar nas Forças Armadas para um propósito específico. Entretanto, quando o militar temporário é excluído ou licenciado, perde remuneração, benefícios e principalmente o status de beneficiário do plano de saúde da Força (FUSEx), ou seja, assistência médica para recuperação.

Desse modo, diferentemente da manutenção como encostado, a reintegração do militar por via judicial como adido é a consequência imediata da anulação do ato de licenciamento/exclusão, o que restabelece o agente ao seu estado anterior à exclusão ilegal. Isto porque, é necessário devolver ao ex-militar a situação que possuía antes da exclusão ilegal, permitindo a continuidade do tratamento de saúde necessário ou até a conclusão do processo de reforma, se aplicável.

A propósito, de acordo com as orientações do Exército Brasileiro no Boletim Interno nº 083 de 08 MAIO 15 da AD/3, o militar reintegrado por ordem judicial deve ser mantido na condição de adido, independentemente de ultrapassar um ano nessa condição. Isso significa que, quando há reintegração por decisão judicial, o militar temporário passa à condição de adido, não de encostado, já que o encostamento não coloca o indivíduo na condição de militar.

Por todas essas considerações, fica patente a confusão conceitual veiculada na notícia destacada.

Diante de todo o exposto, é juridicamente impossível reintegrar ex-militares temporários licenciados/excluídos ilegalmente à condição de encostado, pois esse instituto é aplicável apenas a ex-militares. Consequentemente, ao ser determinada a reintegração de um ex-militar temporário, deve ser sempre colocado na condição de adido, garantindo-lhe o direito pleno de receber tratamento de saúde adequado.


Notas

  1. Santana, Jamil Pereira de A ausência de política pública para garantir a subsistência e condições plenas para tratamento de saúde de ex-militares temporários do exército brasileiro que estão encostados devido à incapacidade temporária: uma proposta de solução. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação, Mestrado em Direito, Governança e Políticas Públicas da UNIFACS, Universidade Salvador, Laureate International Universities, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre - Salvador, 2020.

  2. ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2010, p. 457.

  3. ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito Administrativo Militar. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2010, p. 458.

  4. SANTANA, Jamil Pereira de. O encostamento de ex-militares temporários do exército brasileiro. 1ª Ed. – Maringá: Viseu, 2021, p. 144.

  5. https://portal.trf1.jus.br/portaltrf1/comunicacao-social/imprensa/noticias/decisao-militar-temporario-desincorporado-por-motivo-de-saude-pode-permanecer-como-adido-para-tratamento-medico.htm

Sobre os autores
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente, pós-graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro. Membro da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Membro da Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Professor Orientador do Grupo de Pesquisa em Direito Militar da ASPRA/BA. Membro do Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais e da Editora Mente Aberta. Advogado contratado das Obras Sociais Irmã Dulce, com atuação em Direito Administrativo e Militar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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