A (im) possibilidade de comunicação dos atos processuais através das redes sociais:

O formalismo deve se sobrepor ao princípio constitucional da razoável duração do processo?

15/08/2023 às 17:12
Leia nesta página:

No recente julgamento do RESP nº. 2.026.925 – SP1 de relatoria da Ministra Nancy Andrighi o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial em tela para afastar a possibilidade de comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativo de redes sociais.

O principal fundamento utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça para improvimento do recurso em voga está relacionado à argumentação de que “a comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativos, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atualmente existente para a prática dos referidos atos”.

O julgamento do RESP nº. 2.026.925 sob a perspectiva adotada pela Relatora, acompanhada pelos demais Ministros, acarreta algumas reflexões que merecem maior núcleo de debate, especialmente, considerando que atualmente vivemos em um mundo hiperconectado no qual as pessoas, aparentemente, “desaparecem” do “mundo físico” para efeitos de citação em processos de execução, porém, podem ser facilmente localizadas no “mundo virtual”, no qual grande parte da população brasileira mantém presença ativa.

Nesta toada, argumenta-se que “No Brasil, são 171,5 milhões de usuários ativos nas redes sociais, 79,9% da população brasileira.2” Tais percentuais servem como parâmetro para demonstrar que as redes sociais servem atualmente como um dos principais meios de comunicação da população brasileira.

Na busca de bens dos devedores os credores utilizam-se das inúmeras ferramentas lançadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo: SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, INFOSEG, SERASAJUD, SNGB, SNIPER e SREI. Todas criadas para facilitar e agilizar a busca dos mais diversos ativos e patrimônio dos devedores em diversas bases de dados, com o intuito de reduzir o tempo de conclusão dos processos na fase de execução e cumprimento de sentença, porém, que em muitos casos mostram-se inócuas, em razão das manobras empreendidas pelos devedores que empreendem diversas técnicas para ludibriar os referidos sistemas.

De acordo com a 19ª Edição do Relatório Justiça em Números 20223 os processos em fase de execução constituem grande parte dos casos em trâmite e etapa de maior morosidade, apontando ainda que há casos em que o Judiciário esgota os meios previstos em lei e ainda assim não há localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente.

Os referidos dados servem apenas para demonstrar o quão prejudiciais são as decisões emanadas pelo Poder Judiciário em suas diversas Instâncias, que em detrimento a efetividade da execução e princípio da razoável duração do processo impede a comunicação de atos processuais, intimações e citações, dos devedores, por meio de aplicativos de redes sociais, mormente, quando efetivamente comprovados tratar-se efetivamente das redes sociais do próprio devedor que utiliza-se de subterfúgios para impedir a sua comunicação e/ou ainda à localização de patrimônio capaz de satisfazer os feitos executivos, por considerar que pende autorização legislação para tanto.

A nosso sentir, a autorização constitucional e legal para promoção de tais atos encontra guarida, especialmente, no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, assegurado ainda pelo artigo 4º, do Código de Processo Civil que também garante às partes o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, assim como, pelos artigos 243, 246 V e 270, do mesmo diploma legal.

Além disso, apesar de não haver um dispositivo específico que verse sobre a comunicação de atos processuais (intimações e citações) com o uso das redes sociais, o artigo 5º, em seu parágrafo 5º, da Lei nº 11.419/2006 dispõe que: “Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz.” Pela leitura do dispositivo supramencionado nota-se que a intimação pode ocorrer por qualquer meio, desde que atinja sua finalidade.

Os benefícios que podem ser alcançados através da autorização para comunicação dos atos processuais através de redes de relacionamento são evidentes: é prático e o custo é mínimo e reduz drasticamente o tempo de duração do processo, pois as respostas são conseguidas quase que imediata e instantaneamente e com abrangência global.

O avanço tecnológico, evidentemente, colabora com a desenvoltura do acesso à justiça, com o alcance do direito de maneira mais ágil e eficaz, e, certamente, a utilização das redes sociais para promover atos de citação / intimação só vem a contribuir para inserir, com evidente segurança, o Poder Judiciário na 04ª Revolução Industrial, desburocratizando, simplificando e garantindo eficácia aos atos de comunicação, o que está longe de representar qualquer tipo de ofensa ao ordenamento jurídico.

Em se tratando dos meios eletrônicos, em especial ao aplicativo de mensagens WhatsApp, é notório que sua utilização no meio jurídico tem se difundido e se tornado cada dia mais relevante e adequada aos novos tempos, sendo habitual a expedição de intimações através deste, fazendo-se necessário portanto refletir sobre tal medida também através de outras redes sociais, especialmente, FACEBOOK e INSTAGRAM nas quais o povo brasileiro está conectado 24 horas/dia.

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Inclusive, salienta-se que ao redor do mundo, não apenas o WhatsApp vem sendo utilizado para a pratica de atos processuais, mas também outras redes sociais, a exemplo, do Twitter, conforme podemos observar da decisão proferida pelo Juiz Federal Laurel Beeler, de São Francisco, Estado da Califórnia, que autorizou a citação de uma das partes através da referida rede social. Vejamos:

[...] A medida foi adotada em ação movida por uma organização sem fins lucrativos contra as instituições financeiras Kuwait Finance House e Kuveyt-Turk Participation Bank Inc., e contra o Sheikh kuwaitiano Hajjaj al-Ajmi [...]Citando diversos precedentes que amparam sua decisão, o magistrado ponderou que al-Ajmi tem uma conta bastante ativa na rede social e permanece utilizando-a para se comunicar com sua audiência, concluindo ser o meio mais adequado, diante do quadro fático, para alcança-lo. Ainda segundo o juiz americano, a citação pelo Twitter não é proibida por acordo internacional com o Kuwait.

Tal fato corrobora a reflexão de que a pratica de atos processuais, tais como: a citação e intimação, através das redes sociais, trata-se de tendência global, se alastrando feito rastro de pólvora, especialmente, nos tempos atuais.

O pedido de intimação / citação por meio das redes sociais terá maior efetividade do que aquela alcançada até a presente data, na medida em que nos dias de atuais dificilmente as pessoas não estão conectadas, podem até mesmo se esconder no mundo real, recusando intimações, citações, fugindo de oficiais de justiça, utilizar endereços de terceiros, mas das redes sociais elas não se privam de forma alguma, razão pela qual se é nesse lugar que elas estão é exatamente nesse lugar que deverão ser citadas / intimadas para responder às suas demandas judiciais.

Diante do arguido, compreendemos que decisões que privilegiam a literalidade da norma, ao invés, de interpretá-la de forma ampla, de acordo, por exemplo, com preceitos e princípios constitucionais, conduzem ao cenário de inefetividade das execuções que albergam – de certa – maneira as manobras empreendidas por aqueles que desaparecem do “mundo físico” para viverem a presença digital em um mundo de ostentação, o que gera altos custos, tanto para os credores, quanto para a Máquina Estatal.

Dado o devido respeito, além de contrariar as disposições constitucionais e legais, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, não se coaduna com as premissas adotadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através do Programa Justiça 4.0 no qual está consignado que “As inovações tecnológicas têm como propósito dar celeridade à prestação jurisdicional e reduzir despesas orçamentárias decorrentes desse serviço público”.

Deve-se refletir sobre a mudança de paradigma para modernização e consequente aumento de eficiência do Poder Judiciário, não bastando – a nosso sentir – que uma decisão como essa apresente uma solução singela em um caso tão complexo que demanda um maior nível de debate para averiguar a efetiva possibilidade de comunicação dos atos processuais através dos principais meios de comunicação dos brasileiros.

Por fim, se o caminho a trilhar efetivamente é a aprovação de um projeto de lei para que seja possível a comunicação de atos processuais, intimações e citações, em execuções e cumprimentos de sentença, que o legislativo possa ter mais celeridade em suas discussões, a fim de que o direito acompanhe em tempo as mudanças sociais, sob pena de se tornar obsoleto.


  1. https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/

  2. https://resultadosdigitais.com.br/marketing/estatisticas-redes-sociais/

  3. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf

Sobre a autora
Tatiane Moreira de Souza

Advogada, com MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI, mestranda em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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