Os possíveis impactos para a dignidade da pessoa humana, com a coexistência da Inteligência Artificial e os Direitos Humanos.

15/08/2023 às 17:22
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Introdução

A rápida evolução da inteligência artificial (IA) tem sido um dos marcos mais significativos do século XXI, impulsionando mudanças radicais em diversos aspectos da sociedade. Com a crescente integração de sistemas inteligentes em nossas vidas cotidianas e a proliferação de tecnologias digitais, surge uma intersecção crucial entre IA e direitos humanos. Nesse contexto, surge o questionamento sobre como garantir uma possível dignidade da pessoa humana digital em meio a esse cenário de inovações tecnológicas.

A busca pela dignidade humana é um princípio fundamental que permeia os direitos humanos, buscando assegurar a proteção e respeito à individualidade, autonomia e liberdade de todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, gênero ou condição socioeconômica. Entretanto, em um mundo cada vez mais digitalizado, novos desafios emergem quando aplicamos esse conceito ao contexto das interações entre seres humanos e sistemas de IA.

Este artigo busca contribuir para um debate mais amplo sobre a coexistência harmoniosa entre a inteligência artificial e a dignidade da pessoa humana digital. A compreensão dos desafios e possibilidades presentes nesse cenário proporcionará uma base sólida para a construção de um futuro no qual a tecnologia seja uma aliada na proteção e promoção dos direitos humanos, em vez de ameaçá-los.

Ao avançarmos nessa investigação, será possível esclarecer as implicações éticas e sociais da IA, desenvolvendo um arcabouço teórico para fundamentar decisões políticas e práticas inovadoras que garantam a dignidade e o respeito aos direitos fundamentais no mundo digital em constante evolução.

A inteligência artificial: conceituação e contexto histórico/evolutivo

A inteligência artificial (IA) é um ramo da ciência da computação dedicado ao desenvolvimento de sistemas e algoritmos que podem executar tarefas que tradicionalmente exigiam inteligência humana. Essas tarefas podem incluir o processamento de linguagem natural, reconhecimento de padrões, tomada de decisões, resolução de problemas complexos e aprendizado a partir de dados. A conceituação e o desenvolvimento da IA têm raízes históricas profundas, que remontam a séculos de exploração intelectual e avanços tecnológicos.

O termo "inteligência artificial" foi cunhado pela primeira vez na década de 1950 por John McCarthy, um dos pioneiros da computação, durante a famosa "Conferência de Dartmouth" realizada em 1956. Nessa conferência, McCarthy e outros pesquisadores visionários reuniram-se para explorar a possibilidade de criar máquinas que pudessem simular a inteligência humana.

A evolução da inteligência artificial passou por períodos de otimismo e desafios. Entre as décadas de 1950 e 1970, a IA era vista com grande entusiasmo, e os pesquisadores acreditavam que, em breve, teríamos máquinas dotadas de inteligência geral, ou seja, com habilidades comparáveis à inteligência humana em diversas áreas.

No entanto, o progresso não foi tão rápido quanto inicialmente esperado, e a IA enfrentou uma fase conhecida como "inverno da IA" nas décadas de 1970 e 1980. O otimismo inicial foi substituído por um ceticismo generalizado, e os investimentos em pesquisa diminuíram consideravelmente.

Foi somente nas últimas décadas, com o avanço exponencial da capacidade de processamento, o aumento da disponibilidade de dados e os avanços em algoritmos de aprendizado de máquina, que a inteligência artificial viveu uma era de renascimento. Essa nova onda de progresso, conhecida como "IA moderna" ou "IA baseada em dados", tem sido impulsionada principalmente pelo aprendizado de máquina, especialmente pela abordagem de redes neurais profundas, popularmente chamadas de "deep learning".

Hoje, a IA está presente em diversas aplicações práticas, desde assistentes virtuais em dispositivos móveis e sistemas de recomendação até carros autônomos e diagnósticos médicos assistidos por computador. Ela continua a evoluir e expandir suas fronteiras, revolucionando várias indústrias e campos do conhecimento.

Apesar de todos os avanços e benefícios proporcionados pela inteligência artificial, ela também suscita questões éticas, legais e sociais. Preocupações sobre a privacidade, segurança, viés algorítmico, desigualdades e o futuro do trabalho são apenas alguns dos desafios que acompanham essa revolução tecnológica.

Em suma, a inteligência artificial representa uma jornada intelectual e tecnológica fascinante, impulsionada pelo desejo humano de replicar e compreender a própria inteligência. À medida que avançamos nesse campo, é essencial considerar cuidadosamente os impactos sociais e éticos da IA, de forma a direcionar seu desenvolvimento de maneira ética e responsável, a fim de colher os benefícios promissores dessa inovação sem comprometer nossos valores e princípios fundamentais.

No momento presente a sociedade como um todo vêm vivenciando diversos avanços e transformações no ramo da tecnologia capazes de alterar cada vez mais o modo de vida da humanidade, cuja percepção se envolta na dependência tecnológica para o desempenho das mais variadas atividades, desde as mais simples, até os negócios mais complexos. Nesse sentido, a inteligência artificial tem desempenhado um papel importante e coadjuvante para alcançar tal progresso. Os algoritmos de IA passaram a integrar o cotidiano da sociedade como um todo, coletando informações de toda a população e conhecendo sua essência. Alguns tipos de inteligência, inclusive, conseguem mesmo determinar as tendências de escolhas e preferências das pessoas com base apenas em algoritmos e bancos de dados.

É crucial ressaltar que não há consenso sobre a definição da IA e que não existe uma conceituação única para ela. No entanto, há uma repetição de elementos que caracterizam a inteligência artificial, como a capacidade de resolução de problemas, aprendizado com o ambiente, desenvolvimento de estruturas cognitivas, orientação para metas. A inteligência artificial é definida por Russel e Norvig como ‘o estudo de agentes que recebem percepções de seu ambiente e realizam ações’. Cada agente executa uma função que conecta sequências de percepções às ações.

Para afirmar que um programa pensa como um ser humano, é necessário entender a forma como a mente humana funciona. Isso pode ser feito por meio de experimentos psicológicos, imagens cerebrais e introspecção (RUSSEL, NORVIG, 2013, s/n). Várias áreas têm discutido o conceito de tornar a IA como uma aliada às atividades desenvolvidas e realizadas por humanos, além de ser uma realidade. O foco deste estudo são os Direitos Humanos, especificamente a dignidade da pessoa humana.

A maioria das pessoas concorda que a IA trata-se de uma ciência multidisciplinar ligada à ciência da computação porque a computação é onde a inteligência se implanta (FRANCO, 2014, p. 03). Na mesma linha, a inteligência artificial pode ser definida como o ramo da ciência da computação que se ocupa da automação do comportamento inteligente, conforme a afirmação de Luger (2013, p. 01).

O Teste de Turing, que tentou determinar se uma máquina poderia se passar por um ser humano em uma conversa por escrito por meio de um experimento teórico, é um marco na história da inteligência artificial

A inteligência artificial (IA) é considerada uma ciência relativamente nova, se comparada a todas as outras ciências. Isso se deve ao fato de que seus métodos, estruturas e considerações ainda não foram definidos com precisão e que seus esforços sempre se concentraram na expansão das habilidades da ciência da computação em vez de definir seus limites. A mente humana serviu como espelho da mente computacional, pois era capaz de "transportar" sua inteligência para ela. As pessoas estão preocupadas com a possibilidade de a inteligência artificial substituir os humanos em vários aspectos da vidaÉ fundamental garantir que as IAs não possuam a Sensibilidade Humana, pois eles não têm os sentimentos que os humanos têm. Mesmo que tal tecnologia possa ler, interpretar e processar as emoções dos humanos, não é possível desenvolvê-la como uma parte intrínseca de sua "essência computacional".

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Muitas pessoas ainda não conseguem distinguir claramente o mundo físico do virtual, mas acreditam que ambos estão ligados e dependem um do outro. No entanto, essa divisão é feita por uma linha tênue entre os benefícios e os problemas que podem surgir dos avanços dessas tecnologias, que cada vez mais aproxima essas duas sociedades uma da outra. Principalmente, essas ameaças surgem das mudanças tecnológicas que ocorrem sem considerar os direitos humanos e que extrapolam limites e violam valores e direitos humanos inatos.

A Inteligência Artificial é dividida em quatro ondas, de acordo com o estabelecido por Kai-fu Lee (2019, s/n). As duas primeiras são a IA da internet e dos negócios que já está presente em nossa realidade, alterando nossas percepções do ambiente digital e financeiro, permitindo que algoritmos substituam os consultores. O autor acredita que a terceira onda da inteligência artificial (IA da percepção) trata-se de onda responsável por digitalizar o mundo físico, permitindo que as pessoas reconheçam rostos, entendam pedidos e enxerguem o mundo ao seu redor (o que está diminuindo as fronteiras entre o mundo digital e físico). Tecnologias autônomas tendem a se espalhar nas fábricas e são capazes de mudar tudo na quarta onda da IA autônoma.

Com o avanço da tecnologia, os direitos humanos e da personalidade foram impactados por algoritmos, dados pessoais e inteligência artificial, que podem tomar decisões e discriminar. A esfera jurídica tem encontrado dificuldades e necessidades para defender esses direitos em tempos digitais. Portugal, por exemplo, aprovou a Lei 27/2021, em 17 de Maio de 2021, que estabelece os Direitos Humanos na Era Digital.

As mudanças causadas pelas tecnologias impulsionadas por interesses econômicos e comerciais estão cada vez mais "invadindo" não apenas a vida cotidiana, mas também o campo dos direitos humanos, o que tem levado a diversas discussões jurídicas. A enorme quantidade de dados pessoais armazenados nos servidores, combinada com a rápida transmissão e distribuição de dados, tornou as pessoas vulneráveis às tecnologias. Esse ambiente é propício ao desenvolvimento de avanços humanos e tecnológicos, mas também ao comprometimento dos direitos humanos e da personalidade.  

A principal questão a ser abordada neste contexto, é a necessidade de requalificar os Direitos Humanos tendo em vista às mudanças tecnológicas, evitando beirar o meio termo entre os mundos analógico e digital quando as violações desses direitos são feitas apenas no mundo virtual. O tratamento dessas situações vai além da interpretação dos Direitos Humanos escritos antes mesmo do surgimento da tecnologia e da informação atual, e vai de encontro com a necessidade de criar normas específicas para situações em que a tecnologia possa violar tais direitos humanos.

É possível manter a dignidade de uma pessoa digital?

É evidente que há uma grande diferença entre a vida real e a virtual. Isso se deve ao fato de que cada um exige um nível específico de dedicação, o que afeta os relacionamentos, o consumo e a forma como as informações são coletadas. Embora o ambiente digital facilite o contato instantâneo, em contramão a este fato, elimina o contato físico. A vida digital torna-se mais frágil e exposta, e a privacidade em tempos de internet ganha novas percepções. Existem várias ocorrências no mundo digital que podem violar vários direitos fundamentais, como os cybercrimes, que não existiam antes da tecnologia e da Internet das Coisas (IoT). A dignidade humana passa da pessoa humana para a pessoa digital neste cenário. É fundamental lembrar que eles funcionam juntos, mas não se confundem. Essa teoria é baseada na ideia de que os humanos vivem no mundo físico, enquanto o mundo digital permite a interação virtual entre eles, em vez da interação pessoal, onde os atos praticados neste se refletem naquele.

A tecnologia e a Internet das Coisas (IoT) têm ampliado os limites do mundo físico para atingir o campo virtual. Por outro lado, o direito é utilizado como ferramenta para controlar as condutas humanas neste contexto atual. O Direito cria regras que se ajustam a ambos nos tempos em que as pessoas viviam em dois mundos diferentes, mas conectados.

A dignidade da pessoa humana deve ser o fundamento do ordenamento jurídico e das democracias, inclusive as democracias digitais, onde a sociedade muda constantemente como resultado dos avanços tecnológicos. Os ambientes digitais mudam a vida e o comportamento humano. Isso significa que a dignidade da pessoa humana também deve ser considerada a partir do ponto de vista da pessoa digital.

Referências bibliográficas

DANAHER, John. The Threat of Algocracy: reality, resistance and accommodation. s/a. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

DONEDA, Danilo Cesar Maganhoto et al. Considerações iniciais sobre inteligência artificial, ética e autonomia pessoal. Pensar Revista de Ciências Jurídicas. Fortaleza, v. 23, n. 4, p. 1-17, out/dez., 2018. Disponível aqui. Acesso em: 23 de jul. de 2021.

FRANCO, Cristiano Roberto. Inteligência Artificial. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.

KAUFMAN, Dora. Os algoritmos de inteligência artificial estão afetando nossa capacidade de decisão? Época Negócios. Publicado em: 06 de set. de 2019. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021. 

LEE, Kai-fu. Inteligência Artificial: como os robôs estão mundo o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos [recurso eletrônico]. Tradução Marcelo Barbão. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

MEDEIROS, Luciano Frontino de. Inteligência artificial aplicada: uma abordagem introdutória [livro eletrônico]. 1. ed. Curitiba: InterSaberes, 2018.

PORTUGAL. Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Lei n.º 27/2021. Diário da República Eletrónico. Disponível aqui. Acesso em: 23 de jul. de 2021. 

PORTUGAL. República Portuguesa. Direção-Geral da Educação. Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade humana (no direito constitucional). Dicionário de princípios jurídicos. Organizadores Ricardo Lobo Torres, Eduardo Takemi Kataoka, Flavio Galdino. Supervisora Silvia Faber Torres. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

Sobre o autor
Lucas Maschio dos Santos

Advogado com vivência em escritórios de pequeno e médio porte, e legal team de empresas, tendo perfil analítico, orientado a detalhes, e possuindo expertise abrangente nas áreas: comercial, administrativa, societária (Corporate e M&A), propriedade intelectual, auditoria, licenças, contratos, e assessoria cível em geral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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