Excelentíssimo Sr. Dr. Juiz de Direito da x Vara de Tóxicos da Comarca de Belo Horizonte MG
xxxxxx, já qualificada nos autos, vem perante Vossa Excelência apresentar ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS conforme a seguir.
I – SÍNTESE DOS FATOS E DO PROCESSO
O Ministério Público apresentou denúncia em desfavor de xxxx, na qual lhe imputa os crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico, a majorante prevista no artigo 40, III da lei de drogas e posse de arma de fogo de uso permitido.
A denúncia teve como suporte inquérito policial militar, cujo teve como origem atuação da Polícia Militar, na qual narra que no dia 30 de Abril de 2020, por volta das 08h45mini., militares que estavam em patrulhamento foram abordados por certa pessoa que pedindo anonimato, informou que no endereço xxxxxxxxxxxx, estava sendo usada para “dolar” entorpecente e que também possuía arma de fogo.
Diante disso, guarnições militares se deslocaram para o endereço e ao chamar no portão, sendo atendidos pela xxxx e percebendo se tratar da Polícia, disse “Os homi tá aqui na porta”.
Após a entrada e revista no imóvel, foram localizadas droga, arma de fogo, munição e um simulacro de arma de fogo, sendo dada voz de prisão para todos os denunciados.
Na audiência de Instrução e Julgamento foram ouvidas 06 testemunhas, policiais militares, sendo testemunhas comuns à acusação e a defesa. A acusada fez uso do seu direito ao silêncio.
Em sede de Alegações Finais, a acusação requereu a condenação pelos crimes do artigo 33, caput, inciso III do art. 40, sendo ambos da lei de drogas, bem como pelo art. 12 da lei 10.826 de 2003. Lado outro, requereu a absolvição quanto ao tipo do art. 35, caput da lei de drogas.
Em resumo, é o que se tem a relatar.
II - PRELIMINAR DE NULIDADE
INVASÃO IRREGULAR DE DOMICÍLIO - NULIDADE DA PROVA –
Excelentíssimo Juiz, reza o inciso XI do art. 5º da CR/88, que é direito fundamental:
“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia por determinação judicial”.
Ainda que se diga que o citado inciso permite a invasão de domicílio quando se tem flagrante delito, a validação da prova ou da invasão de domicílio requer análise criteriosa pelo Magistrado em cada caso concreto. Ademais é de se observar os entendimentos doutrinário e jurisprudencial, neste último, sobretudo dos tribunais superiores.
Por se tratar de direito fundamental, o agente do Estado deve ter total cautela ao agir, pois caso contrário poderá eivar a prova colhida de nulidade, como no presente caso.
Se de um lado, agentes policiais e Ministério Público se agarram no argumento de que o crime de tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo são crimes cujos efeitos são permanentes e por isso a invasão de domicílio é regular. De outro lado, a defesa ao alegar nulidade da prova, afirmando invasão irregular de domicílio, sob o argumento de que os policiais quase que na totalidade das ações não realizam qualquer diligência prévia ou campana, mas apenas comparecendo na residência e adentrando de modo irregular.
Sobre o tema, o jurista Aury Lopes Junior ensina:
“Havendo flagrante delito (art. 302 do CPP), poderá a autoridade policial ingressar na casa e proceder à busca dos elementos probatórios necessários. [...]. O problema é: como a autoridade policial pode saber, antes de ingressar na residência, que lá havia, por exemplo, armas ilegais ou depósitos de substâncias entorpecentes? Partindo disso, alguns setores da doutrina e jurisprudência passaram a exigir que a polícia comprove de que forma soube, previamente, da ocorrência do crime permanente e, principalmente, que a situação de flagrância corresponda – efetivamente – à visibilidade do delito”. (Direito Processual Penal, Editora Saraiva Jur, 21ª ed., ano 2021, pág. 575).
Pois bem, O STJ e o STF possuem diversas decisões em que reconhecem como irregular a entrada no domicílio, cuja consequência é a nulidade da prova, mesmo que o crime seja de efeito permanente, quando ausente autorização judicial, diga-se mandado de busca e apreensão ou quando policiais não realizam nenhuma diligência prévia a operação, a fim de ter um mínimo de indício de que naquela residência há crime, o que no direito norte-americano se chama causa provável. E nem mesmo a alegação de recebimento de denúncia anônima legitima a entrada irregular no domicílio.
Os militares, conforme se extrai dos autos, não requereram Mandado de Busca e Apreensão para a citada residência e nem mesmo fizeram qualquer diligência prévia ou campana e ainda assim adentraram na residência.
Em AIJ, uma das testemunhas até disse que a entrada no domicílio foi franqueada. Entretanto, soa contraditória essa permissão, tendo em vista que, na versão das próprias testemunhas, dois dos acusados tentaram empreender fuga e uma das acusadas disse: “os homi está na porta”, o que são ações contraditórias.
Além disso, as testemunhas, em audiência, de nada ou quase nada se recordavam dos fatos, inclusive nem mesmo lembravam-se dos acusados. O militar condutor do flagrante disse que embora tenha lido o BO um dia antes da audiência, não se recordava dos fatos.
Já o militar xxx que prestou depoimento, disse que não se recordava da fisionomia dos acusados e disse que receberam informações de que o indivíduo que efetuou disparos contra militares em dias anterior estaria na residência e assim foram verificar a denúncia, fizeram o cerco e escutaram barulho de telhas quebrando. Disse que apenas se recordava que outro militar encontrou uma garrucha e uma réplica de arma de fogo. Disse ainda que ao fazer contato na residência, alguém disse “corre, corre” e escutou barulho de telha quebrando, o que apenas reforça que não houve permissão para adentrar no imóvel.
Já o militar xxxxx, foi perguntado se foi feita campana ou observação antes de adentrar ao imóvel e o militar respondeu que não se recordava. É preciso ressaltar que este militar, na estratégia da operação, permaneceu confinado na residência objeto da operação, ou seja, participou do início, mas não se recordava se tinha feito ou não diligências prévias.
O militar xxxxx, disse que a entrada foi franqueada, mas antes, umas acusadas teriam alertado sobre a polícia estar na porta, fato que é contraditório, pois quem alerta da chegada da polícia e permite a entrada? E mais, perguntado sobre a denúncia anônima recebida, o militar disse que não se recordava e perguntado se ao receber a denúncia anônima fizeram diligência preliminar ou campana, a testemunha respondeu que não e se dirigiram para a residência. O depoimento é de um militar que na operação esteve na residência.
Sendo assim, sem mandado expedido pelo Juiz competente e sem qualquer diligência prévia que demonstre o mínimo de que há flagrante delito, não poderia os agentes de o Estado adentrar na residência.
Aury Lopes argumenta que:
“Assim, somente quando presente essa “prévia visibilidade” é que está autorizada a busca domiciliar sem mandado judicial e legitimada pelo flagrante delito previsto no art. 5º, XI da CR88. Nos demais casos, em que não existe essa prévia visibilidade e apenas após o ingresso na residência é que a autoridade policial consegue buscar e encontrar a substância ou armas, é necessário o mandado judicial de busca e apreensão”. (Obra citada, pág. 575).
Não é do desconhecimento deste subscritor o art. 303 do CPP que autoriza a prisão em flagrante nos casos de crime permanente. Entretanto, antes da violação de direito, sobretudo de direito fundamental, como é o asilo inviolável, o agente estatal deve visualizar previamente o delito, até porque, se para o Magistrado expedir ordem de busca e apreensão se faz necessário causa provável e indícios suficientes, com mais razão ainda deve se cercar de cautela o agente estatal, como no caso os policiais militares.
A esse respeito, Alexandre Morais da Rosa citado por Aury Lopes Junior nos ensina:
“Não basta, por exemplo, que o agente estatal afirme ter recebido uma ligação anônima, sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia chegado droga, na casa “x”, bem como que “acharam” que havia droga porque era um traficante conhecido, muito menos que pelo comportamento do agente “parecia” que havia droga. É preciso que o flagrante esteja visualizado ex ante. Inexiste flagrante permanente imaginado”. (Obra citada, pág. 575, destaque e negrito no original).
Cleber Masson e Vinícius Marçal, ambos Promotores de Justiça, ao tratar sobre o tema assim diz:
“A propósito, para que o ingresso de policiais na residência de outrem, sem ordem judicial, seja legítimo, é imprescindível a presença de um lastro probatório mínimo da existência de crime em seu interior. Em outras palavras, a invasão domiciliar sem causa provável é ilegítima, ainda que produtiva. O argumento de que a polícia teve “sorte” e encontrou a droga – que sem justa causa alguma julgou estar guardada na casa do indivíduo – é inválido”. (Lei de Drogas: Aspectos Penais e Processuais, Editora Método, 2ª ed., ano 2021, Pág. 38/39).
Sendo assim, para que a atuação do agente policial seja legítima, ele deve fazer diligência prévia ou campana anterior à entrada na residência, a fim de demonstrar que no local há o cometimento de ilícito penal, sob pena de tornar ilegítima a entrada no domicílio. Do contrário, se faz necessário mandado judicial de busca e apreensão, de modo que no presente caso, conforme análise dos autos e do depoimento das testemunhas não se vê lastro probatório de diligência prévia ou mandado de busca e apreensão.
Em AIJ, uma das testemunhas disse que foi dado o consentimento para adentrar a residência, o que não acredita a defesa, como já exposto e se faz necessário analisar o todo.
Quanto ao consentimento de permissão do morador para a entrada de policiais em sua residência, na prática forense é comum policiais afirmarem que lhe foi dado permissão. Porém, essa alegação é altamente questionável, pois no momento da operação policial a pergunta “se o morador permite a entrada no domicílio?” na maioria dos casos nem mesmo é feita.
E mesmo que seja requerido o consentimento do morador, outra análise deve ser feita, para se saber em que condições esse consentimento foi dado.
O autor Aury Lopes traz o consentimento viciado, na qual seja a pessoa presa preventiva, temporariamente, em flagrante delito ou até mesmo de quem esteja em liberdade, pois nestas situações há um constrangimento situacional, uma intimação por ambiente, devendo ser considerado inválido o consentimento e como decorrência a nulidade das provas. Na vida real basta pensarmos, se um policial bate à porta, como no presente caso e quem atende não permite a entrada da polícia, o que fará esse policial? Dará meia volta e requisitará um mandado judicial? Ou usará da sua “autoridade” para adentrar ao imóvel e posteriormente alegar que a entrada foi franqueada? Além do mais, essa ação ocorreria em bairros de classe alta?
Cleber Masson e Vinícius Marçal, autores anteriormente citados, manifestam no sentido de quem os policiais, antes de adentrarem na residência no caso de ausência de mandado de busca e apreensão, deve haver lastro probatório mínimo da existência de crime e que ausente à causa provável a invasão domiciliar é ilegítima, ainda que produtiva. O argumento de que a polícia teve sorte é inválido e cita um grande autor, Afrânio Silva Jardim que diz: “é perigoso, porque assim a polícia irá se sentir ‘estimulada’ a sempre ‘encontrar’ a droga, para legitimar sua conduta. Vamos estimular flagrante forjado?”. (Obra citada, Pág. 39).
Os autores ainda citam Afrânio Silva Jardim que diz:
“Tudo recomenda, pois, que o consentimento do morador seja reduzido a termo. E por quê? Porque acreditar que ‘marginais’ permitam livremente a entrada dos policiais nas residências onde se escondem é ser ingênuo ou mesmo cínico”. “Somente se estivéssemos vivendo em um conto de fadas é que poderíamos dar credibilidade a essa inverossímil versão”. (Obra citada, pág. 40/41). (negrito no original).
Cito ainda o julgamento do RE 603.616/RO do STF, cujo deu origem ao tema 280, na qual reconheceu a necessidade da preservação da inviolabilidade domiciliar, bem como diploma legal internacional, como, por exemplo, Pacto São José da Costa Rica, art. 11,2 e o Pacto Internacional dos Direito Civis e Políticos, art. 17,1, que reconhecem que a entrada forçada em domicílio sem uma justificativa provável é arbitrária e inválida.
O STJ possui diversos julgados no sentido de invalidar a prova em razão de irregular invasão domiciliar e cito como exemplo o REsp 1.574.681/RS, de relatoria do Ministro Rogério Schietti da 6° Turma, cuja existência de denúncias anônimas somada a fuga do acusado, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou determinação judicial. Cito ainda os Habeas Corpus 754.372/SP, Relator Ministro Olindo Menezes, julgado na data 25/10/2022 e 745.637/MG Ministro Antônio Saldanha Palheiro, julgado na data 20/09/2022, cujas decisões anularam a busca domiciliar sem autorização judicial, que tiveram a denúncia anônima de forma isolada como elemento para adentrar na residência.
Portanto Excelência, diante da ausência nos autos de mandado de busca e apreensão, bem como de elementos de prova que evidencie qualquer diligência ou campana anterior à invasão de domicílio e da falta de autorização para que os agentes do estado adentrassem a residência, é de se reconhecer a irregular invasão domiciliar e a nulidade do conjunto probatório dela decorrente, tendo em vista a teoria do fruto da árvore envenenada e de sérios prejuízos a xxxxxxx, caso as provas sejam admitidas.
A esse respeito, a CR/88 no artigo 5°, LVI diz: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. No mesmo sentido é o que dispõe o artigo 157 do CPP, na qual determina o desentranhamento do processo da prova obtida por meio ilícito, que são aquelas obtidas em desacordo com a constituição ou a lei, sendo justamente as provas que constam nos autos.
Desta forma, com fundamento na Constituição da República, no CPP, bem como na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, requer o desentramento das provas obtidas de modo irregular no processo, pois ilícitas e, consequentemente, diante da ausência de outras provas nos autos, à absolvição da xxxxxx de todas as imputações, com fundamento no art. 386, II, V e/ou VII do CPP.
Ultrapassada a tese preliminar, a defesa apresenta as teses de mérito, conforme a seguir.
III - MÉRITO
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO
Diz o artigo 35 da lei de drogas: “Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput, parágrafo 1° e 34 da lei de drogas”.
A denúncia, quanto à citada imputação narra que os réus: “...atuando em comunhão de vontades e propósitos, entre si e com terceiras pessoas, mesmo que não suficientemente qualificadas, nem identificadas, até porque se uniram, aliaram-se, associaram-se para reiteradamente ou não, explorar o narcotráfico...”.
Já em sede Alegações Finais, o Ministério Público requereu a absolvição dos acusados quanto ao art. 35 da lei de drogas, pois segundo a acusação, embora se tenha indícios de que os acusados agiam em associação para o tráfico de drogas, infelizmente não foram coligidos nos autos elementos suficientes que pudessem comprovar a autoria em relação à prática do crime previsto no art. 35 da lei de drogas.
Nas Alegações Finais, o MP argumentou:
“Com efeito, a denúncia narra que o local é ponto de tráfico de drogas e que o denunciado agia associado a terceiros na prática do tráfico de drogas, competindo-lhe vender entorpecentes, que lhe são entregues por alguém do grupo, em certo horário, sendo remunerado com parte do valor auferido com a venda”.
Pois bem. Diante da narrativa da acusação em Alegações Finais e o depoimento prestado pelas testemunhas militares e o REDS, se vê total discrepância dos fatos, o que apenas reforça que a ação policial e a investigação foram conduzidas de modo equivocada.
Conforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial se faz necessário e imprescindível à demonstração do vínculo associativo, a demonstração da estabilidade e permanência entre os integrantes, não bastando uma simples associação passageira.
O termo “reiteradamente ou não”, pode levar a crer erroneamente que basta a simples reunião e que não precisa demonstrar o vínculo associativo.
Porém, é entendimento doutrinário e jurisprudencial de que se faz necessário a demonstração da intenção de associarem-se, sendo imprescindível o liame associativo, cabendo à acusação demonstrar a estabilidade e permanência entre os integrantes.
Nesse sentido, cito a decisão do STJ no HC 461.985/MG, de relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornick, da 5° Turma, julgado em 04/08/2020. Já da Sexta Turma do STJ, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo Recurso Especial 1.916.729/PI, que teve como Relator o Ministro Olindo Menezes, julgado em 14/12/2021, proferiu Acordão no sentido de que deve ser demonstrado o vínculo de estabilidade e permanência com caráter associativo, não bastando uma simples associação passageira ou sem demonstração de forma razoável à associação.
Os militares alegam que receberam informação de um transeunte, de forma anônima, de que naquele endereço haveria drogas e armas. Tão logo receberam a informação, seguiram para a residência e não realizou nenhuma diligência prévia à ação que deu origem a prisão dos acusados. Já no inquérito policial, também não foi realizada nenhuma diligência no sentido de demonstrar que havia vínculo, estabilidade e permanência entre os acusados para fins de tráfico de drogas. E por fim, na AIJ, a acusação não produziu qualquer prova que demonstre o preenchimento dos requisitos para configurar o tipo penal de associação para o tráfico, inclusive, como já dito, requereu a absolvição dos acusados em relação à imputação do art. 35 da lei de drogas.
Desta forma, o crime de associação para o tráfico de drogas narrado na denúncia não ficou devidamente comprovado nos autos, não se sustentando por falta de provas, devendo assim a xxxxx ser absolvida com fundamento no artigo 386, II e/ou VII do CPP.
DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 40, III DA LEI 11.343/2006
Narra à denúncia que: “...dirigiram-se ao endereço indicado, lugar notório de boca-de-fumo, imediações de estabelecimentos, nos quais realizam trabalho coletivo, diversão e afluxo de muitas pessoas”.
O Ministério Público quando do oferecimento da denúncia juntou às imagens de fls. 05 e 06, processo físico. Na imagem de fls. 06 consta a localização do imóvel em que ocorreu a prisão e constata-se que na mesma rua há a localização de um comércio e os demais comércios citados pela acusação estão localizados em outra rua, não sendo localizada próxima a casa em que se efetuou a prisão.
Há de se ressaltar que a prisão ocorreu no dia 30 de Abril de 2020, época em que a pandemia da COVID-19 estava em seu período mais crítico, fato público e notório, inclusive com a determinação pelo Poder Municipal de Belo Horizonte para o fechamento dos comércios, sendo permitida apenas a venda mediante entrega, conforme os Decretos Municipais de n° 17.328 de 08 de Abril de 2020 e 17.332 de 16 de Abril de 2020, de modo que reduziu significativamente o número de pessoas circulando pelos comércios como os mencionados na denúncia.
Ademais, sobre o tema, os autores Cleber Masson e Vinícius Marçal assim dizem:
“Em desfecho, note-se ser possível, excepcionalmente, a prática do delito nas imediações dos locais indicados no inciso III do art. 40 e, ainda assim, não ser factível a aplicação da majorante (não obstante a sua natureza objetiva). Isso se dará quando as circunstâncias não indicarem ter havido aproveitamento do grande número de pessoas ou não ter ocorrido exposição dos frequentadores à atividade do comércio ilegal, tal como na situação em que X vende droga para Y, nas proximidades de uma escola, às quatro horas da manhã, sem mais ninguém por perto, ou, ainda, diante da prática do delito em dia (domingo) e horários (madrugada) em que o estabelecimento de ensino não esteja em funcionamento, dada a ausência de ratio legis da norma em exame. Para a aplicação da majorante, portanto, é fundamental que se verifique um aproveitamento da aglomeração”. (Lei de Drogas: Aspectos Penais e Processuais, Editora Método, 2ª ed., ano 2021, pág. 164). (negrito no original).
Pois bem, para a aplicação da majorante, é fundamental a demonstração de que houve aproveitamento da aglomeração, conforme já decidiu o STJ no HC 451.260/ES, Relator Ministro Rogerio Schietti da 6° Turma, julgado em 07/08/2018.
No mesmo sentido a decisão do STJ no Agravo Regimental em Habeas Corpus, n. 728.750/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 19/5/2022, proferiu decisão reconhecendo a não aplicação da majorante por venda de drogas próximo a escola, tendo em vista que esta estava fechada em razão da COVID-19, o que também se aplica ao presente caso.
Além da não incidência da causa de aumento de pena em razão da COVID-19, Decretos Municipais e a consequente diminuição de pessoas em circulação, nos autos, o órgão acusador não produziu provas de que houve aproveitamento de aglomeração e circulação de pessoas em razão do comércio e com isso tivesse beneficiado o suposto tráfico de drogas.
Portando, a majorante deve ser afastada por Vossa Excelência, com fundamento no artigo 386, incisos I, II e VII do CPP, pois a acusação não logrou êxito probatório em demonstrar o preenchimento dos requisitos para sua aplicação ou, no mais, o princípio do in dúbio pro reo deve ser aplicado em favor da acusada.
DA POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO
Os militares, no depoimento em juízo, não conseguiram apresentar muitos detalhes do fato ou não se recordavam e nem mesmo da fisionomia acusados. No REDS afirmaram que a arma de fogo, uma garrucha, foi encontrada em um balde com água, dentro da residência.
Seja em sede policial ou em juízo, não se apurou quem era o proprietário ou quem era o possuidor da residência, apenas imputou a conduta sem qualquer lastro probatório, denunciando todos os acusados por todas as condutas. Nem mesmo em sede de AIJ conseguiu-se apurar a conduta de cada um, seja pela produção de prova deficitária, seja pela prova testemunhal frágil, porém, ainda sim, a acusação, em Alegações Finais requereu a condenação.
O militar xxxx ao prestar depoimento, disse que não sabe quem era o proprietário do imóvel.
O militar xxxxx, na audiência, disse que permaneceu no imóvel durante a operação, ficando lá restrito, não saiu para perseguir os demais acusados. Perguntado se ele viu alguém em contato com algum dos materiais apreendidos no dia, disse que não se recordava.
O tipo penal em questão exige o dolo da posse da arma, não sendo suficiente, para comprovar a autora, que na residência se tenha uma arma ilegal e o simples fato de estar na residência o torna possuidor da arma.
Cabe a acusação, bem como a Polícia, uma melhor investigação com o objetivo de apurar responsabilidade, o que não se tem nos presentes autos.
É preciso ressaltar que a arma apreendida, em tese, foi localizada dentro de um balde e não na posse ou pelo menos próximo a acusada, aliás, a qualquer dos acusados.
Portanto Excelência, tendo em vista a falta de imputação específica, seja na investigação policial, seja na denúncia ou após a instrução processual, requer a absolvição da xxxxxxx, com fundamento no art. 386, V, VII do CPP, por ausência de prova quanto à posse da arma de fogo e ausente nos autos qualquer prova ou indício de que ela concorreu para o ilícito, bem como pelo princípio in dúbio pro reo diante da dúvida palpável.
DA IMPUTAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS
Os militares alegam ter encontrado a droga embaixo da cama, dentro de uma sacola plástica em um dos cômodos da moradia.
O militar xxxxx ao prestar depoimento, disse que não sabe quem era o proprietário do imóvel.
O mesmo argumento quanto à posse de arma, também pode ser aplicado à imputação de tráfico de drogas, pois na investigação policial não se apurou a quem pertencia à droga e a quem pertencia ou tinha a posse da residência.
No decorrer da investigação policial, o órgão acusador, a quem cabe o ônus probatório, na qual possui o poder de requerer diligências investigativas, não produziu a prova que lhe caberia. Nem mesmo em sede de instrução judicial produziu provas convincentes ou individualizou a conduta, faltando assim à demonstração de culpa e o liame subjetivo em aderir à conduta penalmente relevante.
É preciso diferenciar o momento processual. Pois, para o oferecimento e recebimento da denúncia não se faz necessário à certeza da culpabilidade do denunciado, devendo a acusação em instrução demonstrar provas da culpa do acusado. Entretanto, para proferir sentença condenatória, se faz necessário juízo de certeza, provas inequívocas da culpabilidade do acusado.
Portanto, concluo que, da análise dos autos não ficou cabalmente demonstrada à propriedade ou posse da droga pela xxxxxx, o que leva a sua absolvição, com fundamento no princípio in dúbio pro reo, bem como art. 386, V e VII do CPP.
IV - TESE SUBSIDIÁRIA
Caso ultrapassadas as teses absolutórias supracitadas, requer:
DAS CONDIÇÕES DA xxxxxx
Em caso de condenação, o que não acredita a defesa, quanto às circunstâncias judiciais, tanto as previstas no artigo 42 da lei de drogas quanto as do o art. 59 do CP, lhe são favoráveis, devendo assim a pena ser fixada no mínimo legal.
Na segunda fase da dosimetria, aplicar a atenuante do inciso I do artigo 65 do CP, tendo em vista que a xxxxx na época do fato era menor de 21 anos.
Requer ainda que, no caso de condenação e ao fixar a pena, conforme o Recurso Repetitivo da 3° Seção do STJ, no julgamento do REsp. 1.977.135, a detração da pena pelo período em que permaneceu com a monitoração eletrônica, sendo do dia 02/05/2020 a 25/08/2020, fls. 253 dos autos, tendo em vista o recolhimento em período noturno nos dias úteis, final de semana e feriados, pois comprometeu a liberdade da acusada, devendo ser analisado na sentença, pois a detração pode interferir na fixação do regime.
APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO 4° DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/06.
Excelentíssimo Juiz, nos autos não há provas que demonstre os requisitos para a condenação no tipo penal de associação para o tráfico de drogas, tanto que o Ministério Público requereu a absolvição dos acusados.
A xxxxxx não possui qualquer registro que desabone a sua conduta, conforme FAC e CAC presente nos autos, sendo ela ré primária, possuindo bons antecedentes e não há nos autos qualquer elemento que demonstre que ela se dedica a atividade criminosa e/ou integre organização criminosa.
Desta forma, requer que em eventual condenação, o que não acredita a defesa, que seja aplicação a minorante do parágrafo 4° do artigo 33 da lei de drogas, sendo a pena reduzida em seu grau máximo e substituída para pena alternativa.
DA ANÁLISE DE PRESCRIÇÃO
No caso de condenação e levando em consideração a pena aplicada, requer, de ofício, analise da prescrição, tendo em vista que a xxxx na época do fato era menor de 21 anos, aplicando o artigo 115 do CP.
DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA
No caso de condenação, a xxxxx se declara pobre sob as penas da lei, requerendo assim a concessão da gratuidade de justiça.
V – DOS PEDIDOS
Dado o exposto, requer:
PRELIMINARMENTE:
1) O reconhecimento de irregular invasão domiciliar por parte dos militares e a consequente nulidade das provas, de modo a absolver a xxxxxx de todas as acusações.
NO MÉRITO:
1) A absolvição da xxxxx da acusação de Associação para o Tráfico de Drogas, tendo em vista ausência de provas nos autos que demonstre os requisitos para a configuração do tipo penal.
2) A absolvição da imputação do inciso III do art. 40 da lei de drogas, haja vista a ausência de demonstração de aproveitamento de aglomeração para fins de tráfico de drogas e pelo fato de que, na época da prisão, a pandemia da COVID-19 estava no seu auge e estágio mais agressivo, de modo que restringiu o funcionamento dos estabelecimentos comerciais.
3) A absolvição do crime de posse de arma de fogo, tendo em vista que nos autos não ficou demonstrada a autoria e a propriedade da arma de fogo por parte da xxxxx, bem como no caso de dúvida esta favorece ao réu.
4) A absolvição quanto ao crime de tráfico de drogas, pois nos autos não ficou demonstrado a propriedade e autoria da xxxxxx quanto ao ilícito penal e de qualquer forma, a dúvida sempre favorece ao réu.
TESE SUBSIDIÁRIA:
1) Caso Vossa Excelência entenda pela condenação, requer a aplicação na pena mínima, pois a circunstâncias judicias são favoráveis, bem como a aplicação da atenuante do inciso I do art. 65 do CP e a detração penal tendo em vista que a xxxxxx permaneceu com monitoração eletrônica pelo período já informado, o que reduziu a sua liberdade.
2) A aplicação do parágrafo 4° do art. 33 da lei de drogas com redução no grau máximo, sendo a pena transformada em prestação alternativa.
3) A análise de ofício de prescrição pela pena aplicada, considerando que a xxxxx a época do fato era menor de 21 anos, aplicando o art. 115 do CP.
4) A concessão da gratuidade de justiça a xxxxxxxx por ser pobre nos termos da lei.
Nestes termos, requer deferimento.
São José da Lapa, 17 de Julho de 2023
Wallace Martins Queiros
OAB/MG 185.997