Lei da Simplificação Tributária e Reforma Tributária

16/08/2023 às 15:20
Leia nesta página:

A Lei Complementar 199 que procura simplificar as declarações e informações fiscais, as quais o contribuinte se vê obrigado, é um ponto de partida para um sistema tributário mais simples, humano e justo.

Promulgada no último dia 01 de agosto, a Lei Complementar 199, instituiu o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, que como o próprio nome já diz, visa simplificar a vida dos contribuintes, seus contadores e advogados, que por conta do complexo sistema, onde boa parte dos entes federativos não conversam entre si, acaba despejando horas de trabalho e recurso, com o único propósito de preencher as burocráticas obrigações acessórias.

Tal como prevê a Constituição Federal, na alínea “b” do inciso III do caput do art. 146 da Constituição Federal, tal iniciativa precisa ser por Lei Complementar, logo no caso da matéria uma Norma Nacional, que tem como finalidade, previsão do seu primeiro artigo, diminuir os custos de cumprimento das obrigações tributárias e de incentivar a conformidade por parte dos contribuintes, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere à, emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos, utilização dos dados de documentos fiscais para a apuração de tributos e para o fornecimento de declarações pré-preenchidas e respectivas guias de recolhimento de tributos pelas administrações tributárias.

Ao mesmo tempo a nova norma pretende ampliara a facilitação dos meios de pagamento de tributos e contribuições, por meio da unificação dos documentos de arrecadação, e através da unificação de cadastros fiscais e seu compartilhamento em conformidade com a competência legal. Afinal acredite as inúmeras declarações, em raras vezes conseguem copiar os dados de outras declarações já entregues, ampliando o tempo dedicado a burocracia.

Parece ser incrível, mas no Brasil, se criam Leis para dizer o óbvio, de que todo e qualquer processo precisa ser simplificado evitando redundâncias ou perdas de tempo, não a toa o Brasil já teve até mesmo um ministério da desburocratização, acredite se quiser.

A integração das fazendas e dos documentos fiscais dão o tom ao longo da Lei, seja na previsão § 1º do Artigo 1. Quando trata da emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos referida no inciso, e a necessidade de se considerar os sistemas, as legislações, os regimes especiais, as dispensas e os sistemas fiscais eletrônicos existentes, de forma a promover a sua integração, inclusive com redução de custos para os contribuintes.

Simplificar, padronizar, unificar, são os termos mais tratados na legislação, com o propósito de reduzir as obrigações, para se ter uma medida do peso da burocracia, nas obrigações tributárias, segundo o Banco Mundial (BM) o tempo gasto por empresas com obrigações tributários no Brasil varia de 1.483 a 1.501 horas por ano. O intervalo de tempo, que considera o preparo, a declaração e o pagamento, é maior do que em qualquer outro país do mundo. O mesmo levantamento destaca que um empresário brasileiro precisa entender como cumprir até 97 obrigações tributárias, reguladas por regras fiscais nacionais, estaduais e municipais, uma média de 4.377 normas que sofrem cerca de 36 alterações todos os dias, mais de uma por hora. Só esses números já seriam suficientes para demonstrar que além de reduzir a carga através da reforma tributária, precisamos ainda reduzir a burocracia que afeta a produtividade das empresas.

A Lei que simplifica as obrigações acessórias, não se aplica aos impostos federais, de renda e sobre movimentações financeiras, previstos nos incisos III e V do caputo do art. 153 da Constituição Federal.

Lembro que muita da burocracia criada decorre de uma interpretação da Magna Carta no seu “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

 

.......

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Note que para a identificação do patrimônio, da renda e das atividades do contribuinte não é preciso fazer da vida dele um inferno, pois o mero cruzamento das inúmeras base de aferimento tributário já liberam para os entes federativos um conjunto de dados gigantescos.

A Reforma Tributária, já aprovada em na Câmara e que segue nesse mês para apreciação pelo Senado, já introduziu o princípio da simplicidade, transparência e da justiça tributária, no mesmo dispositivo ao criar o § 3° com a seguinte redação:

§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente.”

É bom destacar que atualmente a ampliação da rede de cruzamento de dados fiscais e a redução dos custos operacionais de compliance tributário das empresas encontra fundamento nos limites da regra do art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional, que protege o contribuinte de exigências excessivas ou medidas que atendam unicamente o mero interesse subjetivo do ente tributante, isto é, a sua “comodidade”

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Como destaca em precisa lição Luís Eduardo Schoueri, “o dever instrumental não vai ao ponto de o particular substituir a própria Administração em sua tarefa interna de manipular os dados de que ela já dispõe. O particular não está a serviço da Administração”.

O cruzamento de informações fiscais precisa atuar como vetor no sentido de uma racionalização da atividade fiscalizatória, visando equilíbrio na cooperação entre Fisco e contribuinte em prol do funcionamento do sistema tributário.

Atualmente os sistemas federais, estaduais e municipais não são totalmente e formalmente integrados, tendo função, na sua maioria, colaborativa, e logo neste ponto LC inova, ao criar o Comitê Nacional de Simplificação de Obrigações Acessórias (CNSOA), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, a ser composto por seis integrantes da Receita Federal, seis representantes dos estados e Distrito Federal e seis dos municípios. Este órgão poderá instituir e aperfeiçoar o processo tratado na lei e fixar padrões nacionais a serem atendidos.

A Lei teve diversos vetos pela presidência, como a participação da sociedade civil no comitê, que tratará, da unificação de documentos e declarações fiscais, dentre outros.

Outro veto importante para o lado prático da Lei, foi o da unificação das notas fiscais (serviço e mercadorias), embora a lei tenha previsão de unificação dos documentos fiscais eletrônicos, para o caso das notas fiscais de serviços, uma vez que as notas fiscais relativas a mercadorias (ICMS) já têm um padrão nacional".

O artigo 1º, inciso IV, determina que as obrigações acessórias terão campos pré-preenchidos, a exemplo do que já ocorre com a DIRPF, com emissão de guia com base nessas informações. Isso quer dizer que a declaração já virá preenchida e a guia será emitida automaticamente. Se o contribuinte não estiver de acordo, deverá fazer os ajustes necessários para retificar a informação.

No caso da unificação dos cadastros fiscais e a troca integral de informações entre todas as administrações tributárias, que permitirá que órgãos públicos acessem as informações fiscais do contribuinte beneficiário de ação ou programa que acarrete despesa pública, isto se transformar em um filtro para aceitar e desenquadrar pessoas de programas sociais, como o Bolsa Família entre outros.

Essa previsão fica clara no “Art. 2º As administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão compartilhar dados fiscais e cadastrais, sempre que necessário para reduzir obrigações acessórias e aumentar a efetividade da fiscalização.

Parágrafo único. É autorizada a solicitação devidamente motivada de autoridade administrativa ou de órgão público para confirmação de informação prestada por beneficiário, inclusive de pessoa relacionada, de ação ou de programa que acarrete despesa pública.”

Importante também destacar, que a Lei Complementar, como Norma Nacional, não impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponham sobre as obrigações tributárias acessórias relativas aos tributos de sua competência, ressalvada é claro a obrigação de cumprir o disciplinado pelo CNSOA.

Segundo a Lei, no seu Art. 4º, “ A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão de forma integrada e poderão ter acesso às bases de dados dos documentos fiscais eletrônicos, das declarações fiscais, do RCU, dos documentos de arrecadação e dos demais documentos fiscais que vierem a ser instituídos, na forma disciplinada pelo CNSOA.”

Logo o Comitê Nacional de Simplificação das Obrigações Acessórias (CNSO) , terá como objetivo a automatização da escrituração fiscal de todos os tributos abrangidos por esta Lei Complementar, com mínima intervenção do contribuinte, gerada a partir dos documentos fiscais eletrônicos por ele emitidos. Lembro que essa Lei, quando da publicação da Reforma Tributária, estará também atuando sobre o ISB e sobre a CB, ou seja as duas únicas exceções são o Imposto de Renda e o IOF.

Por último destacamos que esta Lei Complementar não afasta o tratamento diferenciado e favorecido dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte e ao microempreendedor individual optantes pelo regime do Simples Nacional, nos termos da Lei Complementar n°123 de dezembro de 2006, porém curiosamente, a complexidade do SIMPLES, deveria ser estendida como medida de simplificação, uma vez que as inúmeras alterações e exceções tornaram o simples, bastante complexo.

Veja a Lei vai ao encontro da Governança Tributária, uma vez que a mesma implica em reduzir os reduz custos de conformidade tanto para as administrações tributárias quanto para os contribuintes, assim como reduz riscos de compliance ou conformidade que nascem da falha no cumprimento de obrigações legais, normativas ou regulatórias. Especificamente em relação a obrigações acessórias o conceito de conformidade está ainda mais relacionado ao adequado cumprimento dessas obrigações de forma tempestiva o que por decorrência implica em simplificar para menos tempo usar.

 

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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