A prisão em flagrante e a atuação da Guarda Municipal

17/08/2023 às 18:22
Leia nesta página:

A Constituição Federal, no art. 144, §8º, estatui que “[o]s Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.

No plano infraconstitucional, a Lei Federal nº 13.022/2014, dispõe sobre o “Estatuto Geral da Guardas Municipais”1

Por seu turno, a Lei Federal 13.675/2018, prevê que os guardas municipais são integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (Susp)2.

O presente artigo objetiva analisar, com base primordialmente no exame do dispositivo constitucional e dos diplomas normativos mencionados, os limites da atuação das Guardas Municipais, nas hipóteses de prisão em flagrante.

Realce-se, de logo e como transcrito acima, que a Carta Magna pátria prevê que a atuação da guarda municipal tem como desiderato a proteção dos bens, serviços e instalações do respectivo município, conforme dispuser a lei (art. 144, §8º).

Conseguintemente, o Estatuto Geral da Guarda Municipal (Lei nº 13.022/2014) dispõe, no art. 4º, que é “competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município”.

O referido diploma legal prevê, ainda, no art. 5º, litteris:

“Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:

(…)

II - prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais;

(…)

IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;

(…)

Parágrafo único. No exercício de suas competências, a guarda municipal poderá colaborar ou atuar conjuntamente com órgãos de segurança pública da União, dos Estados e do Distrito Federal ou de congêneres de Municípios vizinhos e, nas hipóteses previstas nos incisos XIII e XIV3 deste artigo, diante do comparecimento de órgão descrito nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal , deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento.” (Grifos acrescidos).

Verifica-se, portanto, que o respectivo Estatuto Geral nacional confere às guardas municipais a legitimidade para atuar ostensivamente, apenas, em relação aos bens e instalações dos municípios.

Depreende-se, ainda, que o Estatuto Geral dispõe que as guardas municipais possuem competência, apenas, para colaborar com os outros órgãos de segurança pública. Na mesma toada, nas situações em que atuar emergencialmente (como no caso de flagrante delito, por exemplo), a guarda municipal há de encaminhar a situação à autoridade competente e prestará mero apoio na continuidade do atendimento.

Adite-se que a Lei nº 13.675/2018 instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e disciplinou, no art. 9º, in verbis:

“Art. 9º. É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal , pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica.” (grifo nosso)

Logo, a guarda municipal, embora componha o Sistema Único de Segurança, deve atuar nos limites de sua competência, cujo escopo, rediga-se, é a proteção dos bens, serviços e instalações do respectivo município.

No ponto, gize-se que o Susp é composto pelos órgãos que exercem a atividade de segurança pública e por demais órgãos estratégicos e operacionais.

Ora, conclui-se, então, que as guardas municipais não exercem a atividade de segurança pública, em si - caso contrário estariam listadas nos incisos que seguem o caput4 do art. 144, da Lei Maior –, mas compõem o sistema de segurança na condição de órgão estratégico.

Assim sendo, a interpretação da atuação das guardas municipais, no sistema de segurança pública, deve ser centrada nas suas funções definidas constitucionalmente – proteção dos bens, serviços e instalações dos municípios -, e na cooperação com os demais órgãos que compõem o aludido sistema.

Por conseguinte, a guarda municipal não pode agir, exercendo as atividades típicas e inerentes aos órgãos que compõem o sistema de segurança pública, notadamente as Polícias Militar e Civil.

Nessa linha, como é cediço, em relação à prisão em flagrante, disciplina o Código de Processo Penal, in verbis:

“Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”

Ressalte-se, de plano, que é dever dos guardas municipais, como agentes públicos em serviço, efetuar a prisão em flagrante daquele que se encontra em hipótese de flagrante delito.

Destarte, por exemplo, caso os guardas municipais visualizem alguém cometer o crime, ou sejam informados que o delito acabou de ser cometido por determinado indivíduo, é absolutamente lícita a abordagem e a subsequente prisão em flagrante do infrator, independentemente de o fato criminoso guardar relação com a proteção dos bens, serviços e instalações do respectivo município.

Nesse passo, por exemplo, caso os agentes da guarda municipal visualizem alguém armado, entregando drogas ou cometendo um furto em via pública, podem efetuar a prisão em flagrante, mesmo que o crime não guarde relação com a proteção do patrimônio municipal.

Do mesmo modo, não há dúvida que, para resguardar a integridade de bens e instalações, bem como para manter o bom funcionamento de serviços do município, os agentes da guarda municipal estão autorizados a efetuar abordagens.

A situação acima pode ser exemplificada com o recebimento, por parte de guardas municipais em serviço no hospital do respectivo ente federativo, de notícia anônima segundo a qual um indivíduo, no corredor da unidade de saúde e com determinadas características físicas, esconde uma arma de fogo na mochila. No referido caso hipotético – já que se almeja proteger as instalações e o próprio serviço prestado pelo município -, é lícito aos guardas municipais efetuarem imediatas diligências preliminares para encontrar, identificar e abordar o indivíduo.

Na hipótese acima retratada, a atividade investigativa prévia e a abordagem guardam relação com a finalidade institucional da guarda municipal, no âmbito do sistema de segurança pública, conforme autorizado pelo disposto no art. 5º, II, Estatuto Geral da Guarda Municipal5.

Por outro lado, o ponto fulcral reside na resposta à seguinte indagação: cabe a guarda municipal, fora do contexto de proteção ao patrimônio municipal, efetuar atividade ostensiva, ou realizar diligências investigativas, que culminem em abordagens que resultem em prisão em flagrante?

A resposta ao questionamento acima é negativa.

Conforme já salientado, a finalidade de atuação das guardas municipais é delimitada constitucionalmente.

O Estatuto Geral da Guarda Municipal (Lei nº 13.022/2014), por seu turno, dispõe, no art. 4º, que é “competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município”.

Na mesma linha e como visto, o referido diploma legal, no art. 5º, II, confere à Guarda Municipal a legitimidade para atuar de modo ostensivo, apenas, em relação aos bens e instalações municipais.

Assim sendo, foge do rol de atribuições das guardas municipais a realização de rondas, desvinculadas da proteção de bens e instalações do município.

No mesmo sentido, os agentes da guarda municipal não estão autorizados à realização de revistas aleatórias, que não objetivem a proteção dos bens e serviços do município, ou a manutenção do funcionamento dos serviços prestados pelo indigitado ente federativo.

Convém frisar que situação diversa é a visualização, por parte de guardas municipais que estejam em deslocamento, da prática de delito, o que impõe a efetivação da prisão em flagrante do infrator.

Todavia, o que o ordenamento jurídico não alberga é a realização por guardas municipais de diligências prévias, de atos de abordagem ou de atuação ostensiva, desvinculados da finalidade precípua de proteção dos bens, serviços e instalações do respectivo município.

Nessa senda de intelecção, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que a prisão em flagrante, realizada por guardas municipais, deve se ater aos limites previstos no art. 301, do CPP, havendo ilegalidade consistente na realização de atividade investigativa prévia baseada em denúncia anônima. Eis a ementa do julgado:

Ementa: Penal. Recurso extraordinário. Tráfico de drogas. Denúncia anônima. Ingresso em residência. Prisão em flagrante por guardas municipais após diligências investigativas. Nulidade da prova. Agravo regimental provido para negar provimento ao Recurso extraordinário. 1. A guarda municipal pode, e deve, prender quem se encontre em situação de flagrante delito, nos termos do art. 301 do CPP. Precedentes. 2. Hipótese em que a prisão realizada pela Guarda Municipal ultrapassou os limites próprios da prisão em flagrante. Prisão realizada, no caso, a partir de denúncia anônima, seguida de diligências investigativas e de ingresso à residência do suspeito. 3. Agravo regimental provido, com a devida vênia, para o fim de negar provimento ao recurso extraordinário, restabelecendo-se o acórdão absolutório proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.” (RE 1281774 AgR-ED-AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 13/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 25-08-2022 PUBLIC 26-08-2022 - grifo nosso).

Importante transcrever o seguinte trecho do voto do Min. Roberto Barroso, relator para o acórdão:

“Todavia, ultrapassando os limites próprios de uma prisão em flagrante, os agentes integrantes da Guarda Municipal não podem efetuar diligências típicas de uma investigação criminal para ingressar em residência ou propriedade de pessoa em cujo poder nada de ilícito foi encontrado.”

Na mesma toada, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, proclamou que as guardas municipais não possuem competência para desenvolver atividades típicas da Polícia Militar ou investigativas da Polícia Civil, “como se fossem verdadeiras polícias municipais”, cabendo-lhe a proteção do patrimônio municipal. Traz-se à colação, por exemplo, modelar precedente:

“RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DAS GUARDAS MUNICIPAIS. BUSCA PESSOAL. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO CLARA, DIRETA E IMEDIATA COM A TUTELA DOS BENS, SERVIÇOS E INSTALAÇÕES MUNICIPAIS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 157 E 244 DO CPP. RECURSO PROVIDO.

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1. A Constituição Federal de 1988 não atribui à guarda municipal atividades ostensivas típicas de polícia militar ou investigativas de polícia civil, como se fossem verdadeiras polícias municipais, mas tão somente de proteção do patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações. A exclusão das guardas municipais do rol de órgãos encarregados de promover a segurança pública (incisos do art. 144 da Constituição) decorreu de opção expressa do legislador constituinte, apesar das investidas em contrário, por não incluir no texto constitucional nenhuma forma de polícia municipal.

2. Tanto a Polícia Militar quanto a Polícia Civil ? em contrapartida à possibilidade de exercerem a força pública e o monopólio estatal da violência ? estão sujeitas a rígido controle correcional externo do Ministério Público (art. 129, VII, CF) e do Poder Judiciário (respectivamente da Justiça Militar e da Justiça Estadual). Já as guardas municipais ? apesar da sua relevância ? não estão sujeitas a nenhum controle correcional externo do Ministério Público nem do Poder Judiciário. É de ser ver com espanto, em um Estado Democrático de Direito, uma força pública imune a tais formas de fiscalização, a corroborar, mais uma vez, a decisão conscientemente tomada pelo Poder Constituinte originário quando restringiu as balizas de atuação das guardas municipais à vigilância do patrimônio municipal.

3. Não é preciso ser dotado de grande criatividade para imaginar em um país com suas conhecidas mazelas estruturais e culturais o potencial caótico de se autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo. Ora, se mesmo no modelo de policiamento sujeito a controle externo do Ministério Público e concentrado em apenas 26 estados e um Distrito Federal já se encontram dificuldades de contenção e responsabilização por eventuais abusos na atividade policial, é fácil identificar o exponencial aumento de riscos e obstáculos à fiscalização caso se permita a organização de polícias locais nos 5.570 municípios brasileiros.

4. A exemplificar o patente desvirtuamento das guardas municipais na atualidade, cabe registrar que muitas delas estão alterando suas denominações para Polícia Municipal. Ademais, inúmeros municípios pelo país afora alguns até mesmo de porte bastante diminuto ?estão equipando as suas guardas com fuzis, equipamentos de uso bélico, de alto poder letal e de uso exclusivo das Forças Armadas.

5. A adequada interpretação do art. 244 do CPP é a de que a fundada suspeita de posse de corpo de delito é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca pessoal, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele; isto é, não é a todo indivíduo que cabe definir se, naquela oportunidade, a suspeita era fundada ou não e, por consequência, proceder a uma abordagem seguida de revista. Em outras palavras, mesmo se houver elementos concretos indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem do suspeito.

6. Ao dispor no art. 301 do CPP que qualquer do povo poderá [...] prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito, o legislador, tendo em conta o princípio da autodefesa da sociedade e a impossibilidade de que o Estado seja onipresente, contemplou apenas os flagrantes visíveis de plano, como, por exemplo, a situação de alguém que, no transporte público, flagra um indivíduo subtraindo sorrateiramente a carteira do bolso da calça de outrem e o detém. Diferente, porém, é a hipótese em que a situação de flagrante só é evidenciada após realizar atividades invasivas de polícia ostensiva ou investigativa como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes.

7. Da mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também não são cidadãos comuns. Trata-se de agentes públicos com atribuição sui generis de segurança, pois, embora não elencados no rol de incisos do art. 144, caput, da Constituição, estão inseridos § 8º de tal dispositivo; dentro, portanto, do Título V, Capítulo III, da Constituição, que trata da segurança pública em sentido lato. Assim, se por um lado não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro lado também não estão plenamente reduzidos à mera condição de qualquer do povo; são servidores públicos dotados do importante poder-dever de proteger o patrimônio municipal, nele incluídos os seus bens, serviços e instalações.

8. É possível e recomendável, dessa forma, que exerçam a vigilância, por exemplo, de creches, escolas e postos de saúde municipais, de modo a garantir que não tenham sua estrutura física danificada ou subtraída por vândalos ou furtadores e, assim, permitir a continuidade da prestação do serviço público municipal correlato a tais instalações. Nessa esteira, podem realizar patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade específica de tutelar os bens, serviços e instalações municipais, e não de reprimir a criminalidade urbana ordinária, função esta cabível apenas às polícias, tal como ocorre, na maioria das vezes, com o tráfico de drogas.

9. Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, realizar abordagens e revistas em indivíduos suspeitos da prática de tal crime ou ainda investigar denúncias anônimas relacionadas ao tráfico e outros delitos cuja prática não atinja de maneira clara, direta e imediata os bens, serviços e instalações municipais.

Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações absolutamente excepcionais e por isso interpretadas restritivamente nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação de pertinência com a finalidade da corporação, isto é, quando se tratar de instrumento imprescindível para a tutela dos bens, serviços e instalações municipais. Vale dizer, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se houver, além de justa causa para a medida (fundada suspeita de posse de corpo de delito), relação clara, direta e imediata com a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, o que não se confunde com permissão para realizarem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária.

10. Na hipótese dos autos, os guardas municipais estavam em patrulhamento quando depararam com o recorrente sentado na calçada, o qual, ao avistar a viatura, levantou-se e colocou uma sacola plástica na cintura. Por desconfiar de tal conduta, decidiram abordá-lo e, depois de revista pessoal, encontraram no referido recipiente certa quantidade de drogas que ensejou a prisão em flagrante delito.

11. Ainda que eventualmente se considerasse provável que a sacola ocultada pelo réu contivesse objetos ilícitos, não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado.

Caberia aos agentes municipais, apenas, naquele contexto totalmente alheio às suas atribuições, acionar os órgãos policiais para que realizassem a abordagem e revista do suspeito, o que, por não haver sido feito, macula a validade da diligência por violação do art. 244 do CPP e, por conseguinte, das provas colhidas em decorrência dela, nos termos do art. 157 do CPP, também contrariado na hipótese.

12 . Recurso especial provido.” (REsp n. 1.977.119/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 23/8/2022 – grifo nossos)”.

Demais disso, convém mencionar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral na matéria atinente à definição do limite e do alcance da reserva legal contida no art. 144, § 8º, da Constituição da República, a fim de estabelecer os parâmetros norteadores da atuação legislativa do município na fixação de competências de sua guarda municipal.

Nessa toada, cabe transcrever a ementa da decisão colegiada, no RE 608.588:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ATRIBUIÇÕES DE GUARDA CIVIL METROPOLITANA. DISCUSSÃO ACERCA DOS LIMITES E DO ALCANCE DA RESERVA LEGAL CONTIDA NO ART. 144, § 8ª, DA LEI MAIOR. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE PARÂMETROS OBJETIVOS E SEGUROS PARA NORTEAR A ATUAÇÃO LEGISLATIVA MUNICIPAL DA MATÉRIA. AUSÊNCIA DE PRECEDENTE ESPECÍFICO E DE ALCANCE GERAL. NECESSIDADE DE DEFINIÇÃO DO PLENÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.”

Ponha-se em destaque que não há previsão de julgamento do citado Recurso Extraordinário, já que foi retirado de pauta em junho de 20226.

Todavia, os precedentes já mencionados dos Tribunais Superiores sinalizam a limitação da atuação da Guarda Municipal, nos termos da finalidade inserta no art. 144, §8º, da Constituição Federal.

Adite-se que, no bojo do Recurso Extraordinário 608.588, a Procuradoria-Geral da República apresentou a seguinte proposta de tese de repercussão geral, in verbis:

“É inconstitucional lei que outorgue à Guarda Municipal atribuições que extrapolem a proteção dos bens, serviços e instalações municipais, a exemplo das atividades de policiamento ostensivo fora desse contexto, de polícia judiciária e de apuração de infrações penais.” (Parecer ARESV/PGR 72.201/2021)

Ponha-se em relevo, outrossim, que a PGR, na Suspensão de Liminar 1.562/SP7, sustentou:

“Há, ainda, risco de graves prejuízos para a população local, decorrentes da confusão acerca do legítimo âmbito de atuação das forças policiais, que promovem o policiamento ostensivo e agem na preservação da ordem pública, e da guarda municipal, cuja finalidade é a proteção dos bens, serviços e logradouros públicos municipais e instalações dos municípios.

A alteração da nomenclatura significa reconhecer a possibilidade de a guarda municipal exercer funções típicas das forças policiais no que se refere à segurança pública, extrapolando a atribuição de proteção dos bens e serviços municipais.”

Em suma, a atuação das guardas municipais, no que concerne à realização de prisões em flagrante deve observar os seguintes parâmetros:

i) se os guardas municipais visualizarem alguém cometer o crime, ou forem informados que o delito acabou de ser praticado por determinado indivíduo, é absolutamente lícita a abordagem e a subsequente prisão em flagrante do infrator, independentemente de o fato criminoso guardar relação com a proteção dos bens, serviços e instalações do respectivo município, já que a hipótese se enquadra no disposto nos arts. 301 e 302, do Código de Processo Penal;

ii) com o escopo de resguardar a integridade de bens e instalações, bem como para manter o bom funcionamento de serviços do município, os agentes da guarda municipal estão autorizados a efetuar abordagens e revista pessoal, de modo que, em tais casos, a prisão em flagrante não é eivada de qualquer nulidade, tendo em conta que a atuação observou a finalidade inserta no art. 144, §8º, da Lei Maior;

iii) é ilegal a prisão em flagrante, efetuada por guardas municipais, se decorrentes de diligências prévias, de atos de abordagem ou de atuação ostensiva, desvinculados da finalidade precípua de proteção dos bens, serviços e instalações do respectivo município.


Notas:

1Nomenclatura constante na ementa do indigitado diploma legal.

2Art. 9º, §2º, VII.

3 “XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;

XIV - encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário;”


4“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.”


5 “Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:

(…)

II - prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais”

6Consulta efetuada ao site do Supremo Tribunal Federal, no dia 17 de agosto de 2023.

7 O referido pedido de Suspensão de Liminar impugnava decisão monocrática de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo Ministério Público daquele Estado da Federação, suspendeu Lei do município de Vinhedo, a qual autorizava o uso, por parte da Guarda Municipal, da nomenclatura “Polícia Municipal”. Adite-se que o pedido de Suspensão de Liminar em referência foi indeferido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Sobre o autor
Thomás Luz Raimundo Brito

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia.Ex-Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça da BahiaCoautor do livro "Constitucionalismo - Os desafios do Terceiro Milênio" (Editora Forum).Autor do Livro "Mandado de Injunção - A decisão, os seus efeitos e a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no combate à omissão legislativa" (Editora Nuria Fabris)Autor de outros artigos jurídicos publicados em sites especializados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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