O Efeito Mimético e a Toxicidade nos Games

21/08/2023 às 14:55
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Segundo as pesquisas de ADL Center for Technology & Society um grupo de pesquisas direcionados para um centro de advocacia novaiorquino que trabalha para o fim da proliferação do antissemitismo e toda forma de ódio e violência online firmou que em 2021 a ADL descobriu que 1 em cada 10 jogadores entre idades de 13 e 17 foram expostos à ideologia da supremacia branca em jogos online. Uma estimativa de 2,3 milhões de jovens foram expostos a discursos de ódio em jogos como: Roblox, World of Warcraft, Fortnite, Apex Legends, League of Legends, Madden NFL, Overwatch, and Call of Duty.

Os jovens estão sofrendo e/ou causando discursos de ódio através dos games. Um crime grave impune devido ao anonimato promovido pelos games e seus sistemas. Porém, criar sistemas de punição não corrobora para a diminuição, porque são outros fatores que promovem essa propagação de violência contra a dignidade humana.

Não adianta colocar a culpa no indivíduo e o punir, isso nunca irá fazer diminuir, enquanto se promove a competitividade e a busca pelo prestígio desenfreado, discurso feito pelo marketing de ascensão. O que se deve fazer é criar consciência dos efeitos dessas estratégias de marketing para a mente dos indivíduos.

A teoria do efeito mimético, desenvolvida por René Girard, parte da observação de que os seres humanos têm uma tendência natural a imitar os desejos e comportamentos dos outros. Isso significa que nossos desejos não surgem apenas de maneira intrínseca, mas são influenciados pelas pessoas ao nosso redor. Essa imitação não é apenas limitada a comportamentos visíveis, mas também se estende aos desejos subjacentes.

René Girard (1923-2015) foi um proeminente antropólogo, filósofo e crítico literário francês. Ele é amplamente conhecido por suas teorias sobre a natureza humana, a rivalidade e a violência, particularmente por sua abordagem do "desejo mimético" e seus efeitos na sociedade.

O livro de René Girard que aborda o conceito de "desejo mimético" e seus efeitos é intitulado "La Violence et le Sacré" (traduzido para o inglês como "Violence and the Sacred"), publicado em 1972. Neste livro, Girard explora a relação entre desejo, rivalidade e violência na sociedade humana. Ele introduz a ideia de que os seres humanos têm uma tendência inata a imitar os desejos dos outros, o que pode levar à rivalidade e, eventualmente, à violência.

Girard argumenta que essa imitação mimética pode levar a um ciclo de rivalidade e competição. Quando várias pessoas desejam o mesmo objeto ou meta, a imitação pode evoluir para uma situação em que todos estão competindo para obter o que desejam. O desejo mimético pode, assim, desencadear a competição, já que as pessoas começam a se ver umas às outras como obstáculos para a realização de seus desejos.

Quando observamos as abordagens de marketing das empresas, vemos que, para fins de exemplificação, o jogo League of Legends da Empresa RIOT GAMES (porém, outras empresas também tem essa mesma atitude), tem uma abordagem para a competição, as cinemáticas do jogo sempre geram que o seu jogo é uma ferramenta de separar os bons dos ruins,

A cinemática de 2023, chamada League of Legends | O Limite do Infinito – Animação da Temporada 2023 apresenta o seguinte discurso "Mais uma vez... eu me encontro no limite do infinito. O que existe além do caminho obscuro? Morte? Não, nada tão simples assim. O melhor de mim permanecerá vivo. Nas cicatrizes que deixarei para trás. Eu não temo a escuridão. Eu vou desafiar as trevas. Confiando apenas na minha força. Descobri meu limite milhares de vezes, mas continuo seguindo. Cada erro, uma lição. Desta vez, eles vão aprender a me temer. Vou me tornar o que devo ser. Por quê? Porque eu posso." Enquanto a câmera passeia pela versão realística do campo de jogo conhecido como Summoner's Rift.

O jovem vê isso e percebe que a abordagem do jogo é competitiva, e que ao se sair melhor irá "triunfar" sobre os "fracos", essa abordagem visa somente promover a vontade de se destacar mediante skins (roupas para personagens que se compra com dinheiro real) ou ranques que podem ser conquistados com horas de jogo e dedicação.

Para que o efeito mimético tenha algum efeito, a empresa precisa promover o surgimento de uma comunidade, que é facilmente encontrada em vídeos no youtube, fóruns, no discord, em sites que promovem um espaço para se fazer transmissões ao vivo. Além do competitivo que une grupos de pessoas para ver quem é o melhor do Brasil, o Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL). O jovem vai ver essas pessoas e terá vontade mimética de ser como elas, fomentando em si a competição.

A comunidade segrega quem é de ranques inferiores e promove quem é dos ranques superiores, sendo forma de xingamento estar em ranques menores. O desejo mimético é promovido no momento que se acompanha alguém de ranque alto e se vê que ele é feliz, cheio de amigos, se divertindo no jogo. Vídeos editados, pessoas agindo de forma amigável na frente das câmeras. Tudo para promover o desejo ter aquela ilusão.

O jovem entra no jogo totalmente focado em encontrar aquele paraíso que ele foi iludido a perseguir, pelas cinemáticas, pelos influencers do jogo, pela comunidade que segrega os "bons dos ruins". Essa frustração causa aquilo que René Girard defendeu em seu livro.

Portanto, o problema da toxicidade está longe de ser resolvido com sistemas de punição, enquanto mais e mais se constrói a ideia de que o jogo é um sistema de separação entre bons e ruins. O discurso da supremacia branca ganha espaço, porque aqueles que acreditam nela veem um espaço que adora diferenciar e competir, nossa sociedade é refletida nos jogos.

A nossa sociedade é pautada em competição, compre para ser melhor, as pessoas que acreditam nas mentiras do discurso da supremacia racial são só vítimas alienadas que não enxergam que os culpados são aqueles que promovem a competição, o status e o prestígio. Esses discursos criminosos e pérfidos de supremacia, qualquer que seja, criam bodes expiatórios para culpar o insucesso dos que estão focados em mimicar os poderosos.

Sobre o autor
Jean Mauricio Castro Horacio

Professor de Português e inglês interessado em entender melhor as relações humanas via as próprias interpretações humanas. Apaixonado por aprender e entusiasta de inteligência artificial, acreditando que só o conhecimento liberta.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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