A regulamentação da inteligência artificial e o impacto sobre a eficiência na prestação dos serviços públicos:

Um estudo sobre a modernização do departamento de trânsito do Paraná (Detran-PR)

21/08/2023 às 10:54
Leia nesta página:

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o impacto da aplicação da Inteligência Artificial, regulamentada pelo Projeto de Lei nº 21/2020, o novo Marco Legal da Inteligência Artificial, sobre a eficiência e a proteção de dados pessoais, num contexto em que a observância à ética no ambiente digital tem se tornado uma preocupação crescente sob o ponto de vista da Administração Pública e dos administrados. No presente trabalho, de início, abordar-se-á o uso recente da Inteligência Artificial nos Serviços Públicos, de forma geral, demonstrando sua contribuição para a eficiência, para a sustentabilidade e para a inclusão na prestação de serviços públicos. Após, será feita uma breve abordagem sobre a proteção de dados pessoais no contexto do Poder Público, apontando seus princípios, bases legais, regras e boas práticas aplicáveis a seus entes. Por fim, se analisará o impacto da Inteligência Artificial sobre a proteção de dados pessoais e a eficiência nos serviços prestados pelo Departamento de Trânsito do Paraná – DETRAN/PR –, analisando a conduta do órgão na prestação desses serviços, nos anos de 2021 e 2022, em que as leis que regulam a proteção de dados pessoais e a aplicação da Inteligência Artificial na esfera pública estão sendo aplicadas com maior clareza, transparência e segurança jurídica pela Administração Pública.

Palavras-chave: Inteligência Artificial; LGPD; Ética Digital; Administração Pública; Compliance.

Sumário: Introdução; 1. Aplicação da Inteligência Artificial nos Serviços Públicos; 2. O princípio da eficiência no Serviço Público; 3. A proteção de dados pessoais no Setor Público; 4. DETRAN/PR: um estudo de caso; Conclusão; Referências

Introdução

A prestação de serviços públicos, no mundo todo, vem apresentando constantes mudanças na sua condução, sobretudo em função da aplicação das novas tecnologias existentes no mercado, em prol do atendimento aos usuários que demandam um serviço cada vez mais eficiente, transparente e menos burocrático.

Atualmente, os serviços públicos têm sido transformados pela aplicação de tecnologias como a Inteligência Artificial e a Internet das Coisas, num contexto em que, no sentido de atendimento às referidas demandas, os governos federais de países afora vê adotando medidas para implementar um sistema voltado à instalação de um Governo Digital.

O Brasil, diante dessa realidade, em suas mais variadas esferas, vem adotando medidas administrativas e legais no sentido de adequar o ambiente de serviços públicos à utilização dessas tecnologias. É o caso de diversas leis e estratégias recentemente criadas pelo Governo Federal, como, por exemplo, a Lei Geral de Proteção de Dados, de 2018, e a Estratégia Nacional de Inteligência Artificial, consolidada pela Portaria MCTI nº 4.979, de 13 de julho de 2021, que busca alinhar os serviços públicos no país às diretrizes e princípios fixados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para Inteligência Artificial (DRUMMOND, CARNEIRO, 2022, p. 27).

Nesse sentido, o presente trabalho analisará o impacto da regulamentação sobre a aplicação de Inteligência Artificial (IA) nos serviços públicos no país, especificamente na modernização dos serviços prestados pelo Departamento de Trânsito do Estado do Paraná – DETRAN/PR. Até o presente momento, o órgão vem adotando medidas para tornar seus serviços cada vez mais eficientes e próximos aos cidadãos, por meio, inclusive da plataforma estadual PIÁ-PR, valendo-se de tecnologias de IA.

No estudo, será feita uma análise sobre os riscos da utilização dessas novas tecnologias diante dos direitos dos usuários-cidadãos, como o direito da proteção de dados pessoais, incluída em 18 de fevereiro do presente ano no rol dos direitos fundamentais previsto na Constituição Federal (MAFFEIS, GUARIENTO, 2022). Busca-se abordar o esforço estadual no sentido de garantir os princípios, diretrizes e direitos dos usuários previstos nas legislações e regulamentações aplicáveis existentes no país, na observância ao contexto de um governo digital ético, transparente, eficiente e inclusivo. (GROTTI, 2022, pg. 66).

  1. Aplicação da Inteligência Artificial nos Serviços Públicos

No Brasil, tecnologias ligadas à Inteligência Artificial vêm sendo aplicadas pelos Governos Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal na prestação de serviços públicos, de forma, justamente, a entender às novas demandas sociais por serviços mais eficientes, transparentes e desburocratizados, no objetivo de oferecer à sociedade o resultado desejado em menor tempo.

Alguns exemplos dessas aplicações foram inseridas no Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial, elaborado em 2022 pelo Centro para a 4ª Revolução Industrial do Brasil (C4IR Brasil). Entre essas aplicações, pode-se destacar o Conecte SUS, no Ministério da Saúde, e o Alice, no Tribunal de Contas da União.

O Conecte SUS se trata de um programa que faz parte da Estratégia de Saúde Digital, do próprio Ministério, que pretende a modernização do Sistema Único de Saúde, com a integração de diferentes bancos de dados do órgão que possuem o objetivo de implementação do sistema de Inteligência Artificial. Atualmente o programa se encontra numa fase inicial de testes no estado de Alagoas.

O programa Alice, por sua vez, refere-se a um sistema que coleta de forma automática editais de licitação publicado no Diário Oficial da União, bem como no portal de compras públicas do Governo Federal, no sentido de analisar seus conteúdos para apuração de fraudes e demais irregularidades no auxílio aos auditores do próprio Tribunal. Danubia Desordi e Carla Della Bona informam que, com seu auxílio, os auditores do TCU foram bem sucedidos na suspensão de certames irregulares em Estados e, inclusive, em compras promovidas pelo Itamaraty, o que demonstra “a contribuição do sistema computacional para a otimização, agilidade e eficiência do serviço público prestado pelo órgão” (DESORDI, BONA, 2020, p. 13.)

O avanço da aplicação de sistemas inteligentes movidos por meio da Inteligência Artificial na prestação de serviços públicos tende a garantir ao Estado maior eficiência, menor burocratização e menor custo na execução dos serviços em favor dos cidadãos.

Dinorá Adelaide Musetti Grotti lembra que a prestação dos serviços públicos de forma digital deve ser feita como

uma resposta da Administração Pública em face da difusão das novas tecnologias, que permitem maior interação e aproximação entre o Poder Público e a sociedade, haja vista a reinvindicação pública por mais eficiência e por desburocratização (GROTTI, 2022, p. 63).

Ainda, Dinorá Grotti, na linha da implementação dos serviços públicos conforme a Lei do Governo Digital (Lei Federal nº 14.129/2021), explica que o artigo 3º desta lei estabelece os princípios pilares e diretrizes para alcançar a eficiência pública, tais como a desburocratização e a oferta de serviços públicos em plataformas digitais (GROTTI, 2022, p. 66).

Assim, conforme a autora acima citada, os órgãos da Administração Pública poderão se valer de novas tecnologias, como a IA, para emissão de documentos, certidões e outros documentos com validade legal por meio digital, bem como para oferecer aos cidadãos meios para optarem a receber qualquer tipo de comunicações referentes à prestação de serviços públicos e outros assuntos de interesse público, nos termos do artigo 27, inciso V, da referida lei (GROTTI, 2022, p. 66).

Ocorre que, entretanto, alguns direitos e princípios, garantidos hoje pela Constituição Federal de 1988 aos cidadãos, devem ser observados para a efetiva aplicação dos sistemas de IA no país, seja em âmbito federal, estadual, municipal ou distrital, no sentido de garantir ao Estado maior eficiência econômica, mas também maior eficiência sob o ponto de vista social. Deve-se fazer valer os direitos dos usuários dos serviços atendidos por esses sistemas, como a eficiência na prestação e a proteção de dados pessoais dos usuários, este inserido no ano de 2022 no rol dos direitos fundamentais da Carta Magna de 1988, por meio da promulgação da Emenda Constitucional nº 115/2022 (GOV.BR, 2022).

Tais observações serão logo mais tratados em capítulos próprios, tendo em vista sua relevância na aplicação dos sistemas de IA nos serviços públicos da sociedade contemporânea.

  1. O princípio da eficiência no Serviço Público

Conforme visto, a implementação de tecnologias como aquelas ligadas ao uso da IA, nos termos da Nova Lei do Governo Digital, possui como objetivo a eficiência, a desburocratização e a redução de custos ao erário na prestação dos serviços públicos.

Ocorre que a prestação dos serviços públicos deve ser amparada também pela eficiência sob o ponto de vista social, ainda mais quando os serviços são cada vez mais prestados com a utilização de meios mais tecnológicos e inovadores, os quais evitam gastos exacerbados de recursos públicos.

Convém, contudo, abordar sobre o que se trata o termo eficiência no Direito Administrativo, para, após, tratar especificamente sobre a eficiência na prestação de serviços mais digitalizados, como no caso da plataforma utilizada no sítio eletrônico do DETRAN-PR, objeto deste estudo.

Irene Nohara lembra que o princípio da eficiência foi positivado no caput do artigo 37 da Carta Magna de 1988 pela Emenda Constitucional nº 19/1998, inspirada no New Public Management, que publicou o modelo gerencial de Estado, com a criação do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (NOHARA, 2020, p. 51).

Na doutrina administrativista do país, há diferentes conceitos do princípio, dentre os quais destacam-se os conceitos adotados por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Celso Antônio Bandeira de Mello e da própria Irene Nohara.

Di Pietro entende que o princípio apresenta dois aspectos distintos: de um lado, ele pode representar uma forma de atuação do agente público, que deve desempenhar suas funções da melhor maneira possível; de outro, à forma de atuação do Estado geralmente dito, em relação à sua estrutura, organização e disciplina, “também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.” (DI PIETRO, 2011, p. 84).

Bandeira de Mello, por sua vez, associa o princípio da eficiência ao da boa administração pública, assim como Juarez Freitas, para quem o último princípio envolve uma diversidade de direitos subjetivos, como a transparência, a imparcialidade, a probidade, e a responsabilidade econômica (FREITAS, 2007, p. 20).

Irene Nohara, por fim, assim leciona:

Em suma, a eficiência é princípio que deve ser harmonizado com os demais, não podendo se sobrepor à legalidade, na medida em que os meios veiculam garantias importantes. A partir do momento em que é positivado na Constituição, o princípio da eficiência ganha um sentido compatível com os valores constitucionais (NOHARA, 2020, p. 52).

Diante desta noção, cumpre observar a aplicação do princípio em questão na prestação dos serviços públicos prestados na atualidade, caracterizados pela crescente utilização de meios tecnológicos, em prol de uma eficiência econômica, mas sem ignorar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, na construção de uma sociedade mais justa.

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Ana Cristina Viana e Bárbara Bertotti defendem que o Estado deve não apenas visar a prestação de serviços de forma eficiente no sentido econômico, mas também sob o ponto de vista social, atendendo a sua finalidade, qual seja, a do bem comum da sociedade (VIANA; BERTOTTI, 2022, p. 28).

Raquel Machado e Isabelly Cysne lembram que, na atualidade, a prestação de serviços públicos no país tem priorizado a eficiência sob o ponto de vista econômico, em um momento que “a incorporação do Governo Digital em múltiplas potencialidades para o desenvolvimento da eficiência democrática”, poderia ser garantido aos cidadãos pelo fortalecimento de sua participação nas escolhas e nos serviços públicos (MACHADO, CYSNE, 2022, p. 30).

Danubia Desordi e Carla Della Bona, citam o conceito proposto por Emerson Gabardo, que defende a observância do princípio sob o ponto de vista social, e assim definem, sobretudo no contexto de um Governo Digital que adota, dentre outras, a tecnologia da Inteligência Artificial:

O princípio da eficiência consiste, portanto, na realização racional da atividade administrativa, tornando-a a mais otimizada possível, considerando os aspectos produtivos, econômicos e temporais (DESORDI; DELLA BOA, 2020, p. 8).

Dentre os direitos fundamentais a serem observados na prestação dos serviços públicos, mostra-se relevante a proteção dos dados pessoais dos usuários desses serviços, que será brevemente tratado no capítulo a seguir.

  1. A proteção de dados pessoais no Setor Público

Neste ponto, cumpre destacar os dispositivos previstos na LGPD aplicáveis expressamente ao Poder Público, no sentido de orientar os órgãos públicos, em qualquer forma de tratamento de dados pessoais, como no caso de coleta pela internet.

Fernando Tasso, assim, considera três os principais princípios previstos no artigo 6º da Lei para a aplicação no âmbito público: 1) princípio da finalidade; 2) princípio da adequação; e 3) princípio da necessidade.

  1. O princípio da finalidade relaciona-se ao dispositivo da lei que prescreve “que o tratamento e uso compartilhado de dados devem ser os necessários à execução de políticas públicas”, de forma que

a realização do tratamento deve ser direcionada para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades (TASSO, 2019, p. 255).

  1. O princípio da adequação, por sua vez, determina que as operações de tratamento devem ser compatíveis com as finalidades primárias informadas pelo controlador aos titulares dos dados pessoais, conforme o contexto da atividade do tratamento. Fernando Tasso lembra que tal princípio guarda forte relação com o princípio anterior, de forma que “diz respeito à justa expectativa que o titular dos dados tem quanto ao tratamento que a eles é dado.” (TASSO, 2019, p. 256).

  2. O outro princípio apontado pelo autor, por fim, se refere ao princípio da necessidade, segundo o qual os dados utilizados nas atividades de tratamento devem ser os mínimos necessários à execução da política pública decorrente da previsão legal, que é a própria finalidade da coleta.

Ainda na abordagem dos princípios aplicados ao tratamento de dados pela Administração Pública, Stela Chaves Rocha Sales e Camila Akemi Tsuzuki, por fim, ensinam que

Em coerência com o princípio da finalidade e da necessidade, a Administração deve garantir aos titulares a exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados (princípio da qualidade dos dados), além do direito do cidadãos de conhecer a integralidade dos dados pessoais que estão em seu poder, inclusive quanto à forma e duração de seu tratamento (princípio do livre acesso), garantindo informações claras, precisas e acessíveis sobre a realização do tratamento e respectivos agentes de tratamento (princípio da transparência) (ROCHA SALES, TSUZUKI, 2020).

A LGPD prevê expressamente determinados dispositivos de seu texto que são aplicáveis ao tratamento de dados pessoais pela Administração Pública. Alguns deles destinam-se, inclusive, ao tratamento de dados realizado pelas empresas privadas que prestam serviços públicos e cujos dados pessoais de cidadãos são compartilhados para elas pelo Poder Estatal.

Na realidade de transformação do Governo, num contexto de contratação de Tecnologia da Informação para prestação de serviços públicos, existe a necessidade de se compartilhar dados para as empresas fornecedoras de tecnologias mais avançadas e inteligentes, inclusive dados sensíveis. É o que ocorreu em diversas cidades do mundo, durante a pandemia do Coronavírus, em 2020 e 2021, em que se contrataram empresas de tecnologia e de software com o fim de rastrear os casos de Covid-19 em diversas localidades desses municípios e combater a disseminação do vírus.

A Lei Geral de Proteção de Dados, no Brasil, prevê os seguintes dispositivos a serem aplicados ao tratamento de dados pelo Poder Público e ao compartilhamento de dados entre entes públicos e empresas da inciativa privada.

O artigo 231, caput, da Lei estabelece que a Administração Pública pode tratar dados pessoais dos cidadãos com o dever de atender a uma determinada finalidade pública, na busca pelo interesse público, com o objetivo de executar as competências ou cumprir as atribuições dos serviços públicos prestados previstas em lei. Dessa forma, se conclui que o objetivo principal da utilização dos dados pessoais dos cidadãos pelo Poder Público se consubstancia no “bem comum concretizado pelo interesse público -, relacionado de forma direta com o exercício das competências constitucionais e com as atribuições dos serviços públicos.” (MOREIRA PRIETO, 2020, p. 286).

Quanto ao contexto do compartilhamento de dados pessoais no sentido de se alcançar uma finalidade pública, Patricia Moreira lembra que a Lei determina que o ente público mantenha os dados pessoais sob a forma interoperada e estruturada, de forma que o compartilhamento de dados, a comunicação e a integração com outros sistemas sejam facilitados. (MOREIRA PRIETO, 2020, P. 287).

A LGPD, portanto, elaborada de forma a se observar os princípios e fundamentos aplicáveis à prestação de serviços públicos, a fim de se atingir o interesse público e adequar as atividades estatais às finalidades públicas previstas em suas leis e regulamentações, prevê algumas regras voltadas a essas atividades em prol dos cidadãos. Entre essas regras, encontram-se as regras de compartilhamento de dados entre os entes públicos e empresas da iniciativa privada, que devem observar tais dispositivos, de modo que preservados e respeitados os princípios previstos na Lei, os princípios constitucionais, como o da eficiência e o da transparência, e a supremacia do interesse público.

  1. DETRAN/PR: um estudo de caso

Diante dessa realidade de transformação dos serviços públicos para uma prestação mais eficiente e vantajosa para o Poder Público, mas observando os direitos a serem garantidos aos usuários desses serviços, os governos estaduais têm agido para se adequar às novas legislações que surgem nesse contexto cada vez mais digital.

O Estado do Paraná apresenta uma plataforma online que se vale de uma tecnologia automatizada dentro do conceito da Inteligência Artificial, o Paraná Inteligência Artificial – PIÁ (gíria de “menino” no estado) – pelo qual os cidadãos podem acessar os serviços de forma mais prática, eficiente e desburocratizante, como no caso dos serviços oferecidos pelo Departamento de Trânsito do estado (DETRAN/PR).

Entre os inúmeros processos de utilização de inteligência artificial pelo órgão, até novembro de 2021, o DETRAN/PR havia digitalizado mais de 82 mil (DETRAN-PR, 2022) processos de veículos, gerando maior agilidade e economia na sua condução. Tal processo de digitalização faz parte do projeto Descomplica Detran, com o objetivo de gerar maior economia de recursos e maior segurança, tendo em vista a possibilidade desses processos serem revistos ou auditados, inclusive, por sistemas que se valem de inteligência artificial, sem ignorar, contudo, os princípios e direitos dos cidadãos previstos na LGPD.

Outrossim, o Governo do Estado do Paraná anunciou (DETRAN-PR, 2022), em setembro do mesmo ano uma série de ações para o aumento da eficiência e da agilidade no órgão, como a criação do novo portal, a parceria com as autoescolas para realização de biometria, captação de fotos dos alunos, e a implantação da minicidade do órgão, o “Detranzinho”, voltado para educação de crianças e adolescentes para no trânsito. Isso faz reforçar o compromisso diante do tratamento de dados pessoais dessa destacada categoria de titulares de dados, nos termos do artigo 14 da LGPD.

O Estado, além disso, apresentou o novo portal do órgão, em parceria com a Celepar, que se resume num sistema integrado para a melhoria nos serviços ofertados aos usuários, como a criação de uma nova área de autenticação do usuário, um novo sistema de controle de acesso dos usuários e um novo buscador baseado em tecnologia de IA. Esse novo sistema se encontra dentro do conceito chamado de “Detran Inteligente para Você”, no qual o usuário-cidadão poderá encontrar, de forma mais simples e prática, o serviço que deseja realizar.

Por fim, tal anúncio também fez referência à parceria firmada com as autoescolas para o aprimoramento nos processos de captura de fotos e biometria dos alunos para fins de cadastro, evitando longos deslocamentos e desperdício de tempo pelos usuários para a ida a uma unidade autárquica responsável.

Esta nova realidade de serviços públicos ofertados com base em tecnologias de inteligência artificial vem sendo promovida pelo Estado do Paraná há alguns anos, tendo em vista a concentração de variados serviços públicos por meio da plataforma PIÁ – Programa Inteligência Artificial do Paraná, lançado em 2019, que reúne mais de 400 serviços do governo estadual (MAIA et al, 2022, p. 66).

Dentre os serviços apontados por Maia et al em sua pesquisa publicada em março de 2022, a categoria de transporte e trânsito apresenta informações e dados pessoais relativos a pessoas portadoras de Carteira Nacional de Habilitação, a multas de cada infrator de trânsito e dados de passageiros de transportes públicos (MAIA et al, 2022, p. 67).

Nesse contexto, o uso da inteligência artificial se revela ainda muito recente no órgão paranaense, porém as disposições e princípios presentes nas novas legislações devem se fazer presentes, tendo em vista, por exemplo, a atuação mais firme da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais – ANPD – na fiscalização e emissão de estudos técnicos e guias voltados ao tratamento de dados pessoais por empresas privadas e órgãos públicos.

Desta forma, órgãos como o Detran do Paraná devem se atentar para a tomada de algumas medidas no tratamento de dados pessoais com uso de inteligência artificial.

Segundo Schramm (SCHRAMM, 2020, p. 798), portanto, a Administração Pública, enquanto controladora cuja incumbência se resume nas decisões sobre o tratamento de dados pessoais, deve observar as seguintes obrigações (SCHRAMM, 2020, p. 798), por exemplo:

  1. Elaboração de prova documental sobre a análise de impacto de proteção de dados, contendo quais os dados coletados e base legal para sua coleta e tratamento, além da finalidade do mesmo, à luz dos princípios da minimização e da adequação;

  2. Prova documental sobre o conteúdo e outras informações do banco de dados existente no sistema eletrônico do órgão;

  3. Prova documental sobre o meio de obtenção dos dados pessoais;

  4. Prova sobre o meio de obtenção de consentimento dos pais e responsáveis para tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente;

  5. Prova documental sobre como será realizada a anonimização dos dados pessoais, isto é, o processo de tratar os dados pessoais dos cidadãos de forma anônima, se necessário e cabível ao caso concreto;

  6. O dever de instruir o particular, operador dos dados, sobre a observância ao formato interoperável, ou seja, formato que permita que dois ou mais órgãos do Poder Público possam realizar o tratamento em casos de compartilhamento; e outras exigências referentes aos padrões de proteção de dados e segurança da informação pela Administração Pública;

  7. O dever de fiscalização das atividades realizadas pelo contratado-operador, tendo em vista sua posição de controladora dos dados pessoais; e

  8. A indicação de um encarregado de dados, que figurará como canal de comunicação entre o ente público, os titulares de dados pessoais e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

Além disso, o Centro para a 4ª Revolução Industrial Brasil (C4IR Brasil), publicou neste ano de 2022, o relevantíssimo Guia De Contratações Públicas de Inteligência Artificial, com as diretivas necessárias para compras públicas pelos órgãos brasileiros, tais como a incorporação das exigências da legislação referente à proteção de dados e boas práticas aplicáveis à solução de IA, a avaliação da qualidade, dos vieses e eventuais preconceitos dos dados disponíveis e a incorporação e critérios que assegurem a transparência, responsabilidade e prestação de contas sobre os algoritmos utilizados na contratação (C4IR Brasil, 2022, p. 28).

Conclusão

As novas mudanças na oferta de serviços por meios digitais e cada vez mais ágeis e eficientes vem demandando do Poder Público a utilização de novas tecnologias, cada vez mais preparadas de ofertarem os serviços aos cidadãos em menor tempo e com maior segurança, transparência e ética no uso dos dados pessoais desses usuários.

Assim, o Brasil vem criando novas leis para adequação do setor público à utilização dessas novas tecnologias, como a LGPD, de 2018 e a Estratégia Nacional de Inteligência Artificial, consolidada em 2021, buscando alinhar suas diretrizes, princípios e direitos àqueles já adotados pelos países integrantes da OCDE no contexto do uso da inteligência artificial na prestação de seus serviços aos cidadãos.

Entre os órgãos brasileiros que já se encontram inseridos nesta realidade, do Detran/PR se mostra como um dos pioneiros no uso da IA com a criação de alguns projetos lançados em 2021, sem ignorar os princípios e direitos dos cidadãos como o mais recente direito fundamental à proteção de dados pessoais, além de priorizar a oferta de serviços de forma mais eficiente, transparente e universal, na medida em que suas plataformas foram desenvolvidas no fim de se ter um acesso público mais inclusivo, transparente e ético no tratamento de dados pessoais de seus usuários.

Referências

C4IR Brasil. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. 2022.

DESORDI, Danubia; BONA, Carla Della. A Inteligência Artificial e a eficiência na Administração Pública. IN: Revista de Direito. Viçosa, v. 12, n. 02, p. 01-22, 2020.

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DETRAN-PR. Disponível em: < https://www.detran.pr.gov.br/Noticia/Estado-moderniza-servicos-e-lanca-projetos-para-aumentar-eficiencia-e-seguranca-no-transito >. Acesso em 08.06.2022.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

DRUMMOND, Matheus; CARNEIRO, João Victor. Panorama Regulatório de Inteligência Artificial no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio. 2022.

FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007.

GOV.BR. Proteção de dados pessoais é incluída entre os direitos fundamentais do cidadão. Disponível em: < https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2022/fevereiro/protecao-de-dados-pessoais-e-incluida-entre-direitos-fundamentais-do-cidadao >. Acesso em 11.05.2022.

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Apontamentos sobre o serviço público Digital. In: SCHIER, Adriana; FORTINI, Cristiana; MELO, Lígia; VALLE, Vanice. Administração Pública 4.0. Curitiba: Íthala, 2022.

MACHADO, Raquel Cavalcanti; CYSNE, Isabelly. Os desafios democráticos na concretização do governo digital na administração pública federal: entre a eficiência e a participação popular. In: SCHIER, Adriana et al (Coord.). Administração Pública 4.0 na visão delas. Curitiba: Íthala, 2022.

MAFFEIS, Ricardo; GUARIENTO, Daniel. Emenda constitucional torna a proteção de dados um pessoais um direito fundamental. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/coluna/impressoes-digitais/359941/ec-torna-a-protecao-de-dados-pessoais-um-direito-fundamental >. Acesso em: 04.05.2022.

MAIA, M. et al. Dados no apoio à gestão pública estadual: conhecendo o "Programa Inteligência Artificial do Paraná – PIÁ". Rev. Tecnol. Soc., Curitiba, v. 18, n. 50, p.61-79, jan./mar., 2022.

MOREIRA, Patricia Prieto. Tratamento e uso compartilhado de dados pessoais pela administração pública na execução de políticas públicas. In: DAL POZZO, Augusto neves; MARTINS, Ricardo Marcondes (coords.). LGPD & Administração Pública: Uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. Pg. 286.

NOHARA, Irene Patrícia. Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

ROCHA SALES, Stela Chaves; TSUZUKI, Camila Akemi. Cidadania em xeque: entre o interesse público e a proteção de dados pessoais. In: RAIS, Diogo; PRADO FILHO, Francisco Octavio de Almeida. (Coords.). Direito Público Digital: O Estado e as novas tecnologias: desafios e soluções. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

SCHRAMM, Fernanda Santos. A responsabilidade dos terceiros contratados pela administração pública. In: DAL POZZO, Augusto neves; MARTINS, Ricardo Marcondes (coords.). LGPD & Administração Pública: Uma análise ampla dos impactos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

TASSO, Fernando Antonio. Capítulo IV – Do Tratamento de Dados Pessoais pelo Poder Público. In: OPICE BLUM, Renato; MALDONADO, Viviane Nóbrega (coords.). LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados comentada – 2 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

VIANA, Ana Cristina Aguilar; BERTOTTI, Bárbara Mendonça. O governo digital à luz da concepção de eficiência social. In: ANDRADE, Giulia; SAIKALI, Lucas. Eficiência, subsidiariedade, interesse público e novas tecnologias. Curitiba: Íthala, 2021.


  1. Art. 23. O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação) , deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que:

Sobre o autor
Sílvio Tadeu de Campos

Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Especialista em Direito Administrativo pela FGV Direito SP; em Compliance Regulatório pela Pennsylvania University e em Direito Digital e Proteção de Dados pelo Insper e pela FIA. Pesquisador no Instituto Legal Grounds; Advogado no escritório Engholm Cardoso Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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