Propriedade intelectual: uma análise acerca do “resp 1862.910 do STJ” prazo prescricional e direito moral

21/08/2023 às 13:56
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Sumário: 1 – Introdução; 2- Análise do julgado 1.862.910/RJ; 3- Parecer acerca do julgado, sob a ótica ministrada em aula; 4- Conclusão

  1. – INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar o Recurso Especial 1.862.910/RJ, julgado em 2 de fevereiro de 2021, pelo Supremo Tribunal de Justiça, sob a Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que versa sobre a prescritibilidade da ação indenizatória por violação a Direitos Morais do autor movida contra gravadora afirmando ser de sua autoria a obra fotográfica indevidamente modificada para ilustrar CD, lançado em 2004.

O artigo em comento, foi estruturado para obter a qualidade, a partir de uma análise doutrinal, bem como a temática proposta pelo professor Mário Pragmácio ministrado no curso LLM da FGV, com a finalidade de que pudessem ser reunidas informações para gerar uma análise consistente.

A doutrina costuma classificar os direitos morais de autor como direitos de personalidade. Assim considerados, desfrutam das características dos direitos da personalidade em geral, sendo inalienáveis e irrenunciáveis, como indica a LDA em seu artigo 27, e embora a lei não o diga, imprescritíveis e impenhoráveis. Contudo o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino reafirmou a tese de ser prescritível a ação indenizatória por violação a direitos morais do autor, aplicando-se o prazo trienal, previsto no art. 206, §3º, V, do Código Civil.

Meu posicionamento acerca do julgado é controverso e inadmissível, visto que, além de trazer uma insegurança jurídica, fere e honra e o patrimônio, dos criadores de obras artísticas.

Deste modo, primeiramente será demonstrado a justificativa para tal decisão e, posteriormente, uma análise crítica com o apoio de autorizada doutrina e de anotações ministradas em aula.

– ANÁLISE DO JULGADO 1.862.910/RJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao Recurso Especial n. 1.862.910/RJ, interposto por uma gravadora, para estabelecer uma diferença entre os direitos morais do autor e o cabimento do pedido de indenização por danos, no que se refere aos prazos prescricionais, isto é, à possibilidade de requerer provimentos judiciais sobre as questões.

No caso em tela, um fotógrafo ajuizou ação indenizatória, em 2011, buscando a condenação da gravadora por ter utilizado indevidamente fotografia de sua autoria, em álbum lançado em 2004. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia acolhido o pedido, salientando que a pretensão do autor seria imprescritível, à luz do art. 24, da Lei 9.610/1998.

O entendimento foi revisto pelo STJ, em acórdão de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O julgado reconheceu que os direitos morais do autor estão previstos naquele dispositivo legal, o que inclui, dentre outros, direitos à paternidade, ao ineditismo e à integridade da obra. Ainda que licenciados ou cedidos a terceiros, tais direitos permaneceriam sob sua titularidade.

Esses direitos morais, consignou o acórdão, são imprescritíveis, impondo a possibilidade de requerer a condenação a obrigações de fazer ou não fazer, para, por exemplo, ter a paternidade reconhecida ou preservar a integridade da obra. Diferente, porém, é a situação da compensação dos danos decorrentes da violação àqueles direitos. Neste caso, aplicam-se as regras prescricionais da reparação civil, previstas no art. 206, §3º, V, do Código Civil.

Desse modo, como o pedido de indenização somente poderia ter sido formulado em até três anos da violação, o STJ deu provimento ao recurso especial, para reconhecer a prescrição da pretensão do fotógrafo que somente ajuizou a ação sete anos após o uso indevido da imagem de sua autoria.

– PARECER ACERCA DO JULGADO

A decisão do STJ de impor um prazo prescricional, com a finalidade de estabelecer uma segurança jurídica, traz exatamente o contrário, traz uma sensação de insegurança para os criadores de obras artísticas, visto que as expressões do direito de personalidade, são imprescritíveis e dotados de validade ad infinitum, e por esse motivo, não se poderia falar em prescrição.

Os direitos morais estão previstos no art. 24 da LDA, e são compreendidos como direitos subjetivos existenciais, pois não possuem conteúdo econômico. Ao proteger a personalidade do autor exteriorizada na obra intelectual, o direito subjetivo existencial do autor

assume um caráter personalíssimo, sendo considerado um direito da personalidade.

Art. 24. São direitos morais do autor:

  1. - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

  2. - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

  3. - o de conservar a obra inédita;

  4. - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

  5. - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

  6. - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

  7. - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

No caso em tela discute-se em sede de Recurso Especial a indenização por dano moral decorrente da violação dos direitos da personalidade, mais especificamente o direito a imagem retrato, ou seja, uma fotografia utilizada sem autorização expressa da titular do direito lesado. Os direitos da personalidade são inatos (adquiridos desde a concepção) e essenciais a condição da pessoa humana, por isso contam com características singulares, a saber: intransmissibilidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade, inexpropriabilidade, imprescritibilidade e vitaliciedade.

O uso indevido ou não autorizado do direito a imagem, ainda que não cause dano material, resultará em dano moral pelo simples fato da publicação ou revelação da imagem não autorizada.

Cabe ressaltar que as honras objetivas e subjetivas do autor foram violadas, no momento que a gravadora usurpa da foto, não paga pelo uso e ainda omite informações sobre o responsável pelo registro. Há, inquestionavelmente ofensa moral, e não há que se falar em prazo prescricional, visto que, além de ferir a honra, fere seu patrimônio, podendo o autor reivindicar a qualquer tempo.

O artigo 27 da Lei de Direitos Autorais preceitua os direitos morais do autor

como inalienáveis e irrenunciáveis, e por ser compreendido como um direito da personalidade, a doutrina reconhece que os direitos morais devem ser tidos como imprescritíveis. A imprescritibilidade garante que o autor possa impor a quaisquer terceiros, que violem os direitos morais, obrigações de fazer ou não fazer visando a preservá-los. Assim, pode o autor exigir, a qualquer tempo, que terceiro mantenha a integridade de sua obra ou aponte o seu nome como autor (reivindicar autoria), sob pena de multa ou outras medidas coercitivas previstas na legislação processual.

4- CONCLUSÃO

À luz dos argumentos utilizados pelo julgamento do Recurso Especial 1.862.910/RJ, bem como em análise da doutrina nacional, a posição adotada é no sentido que não há em que se falar prazo prescricional para o autor reivindicar autoria.

REFERÊNCIAS

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 46.

MIGALHAS. Da prescritibilidade da ação indenizatória por violação a Direitos Morais do autor. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/343373/prescritibilidade-da-acao- indenizatoria-por-violacao-a-direitos-morais. Acesso em 18 de junho de 2021.

MORAES, Rodrigo. Os direitos morais do autor: repersonalizando o direito moral autoral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 14)

AgRg no AREsp 661692/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 27.6.17 e REsp 1014624/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina, julgado em 10.3.09.

Sobre a autora
Milena Vanina De Mello

Advogada especialista em Direito Empresarial e na esfera Trabalhista Mestre em Direito Empresarial (FGV) Cursando MBA- Direito Tributário (USP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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