Recurso Administrativo - Inabilitação - Atestado de Capacidade Técnica - Serviços de Complexidade Operacional e Tecnológica Superior

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ILUSTRÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA COMISSÃO PERMANENTE DE LICITAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ..................... – ESTADO DO .....................

REF: CONCORRÊNCIA PÚBLICA N. ....../2023

 

FULANA CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS EIRELI-ME, devidamente qualificada nos autos da Concorrência Pública em destaque, através de seu advogado in fine assinado, Dr. Beltrano, inscrito na OAB/UF sob o n. ........, com escritório profissional situado na Rua .........., n. ..., Centro, ............./UF, vem, respeitosamente, perante a presença de Vossa Excelência, com fulcro na alínea “a”, do inciso I, do art. 109, da Lei Federal nº 8.666/93, para apresentar o presente

_____RECURSO ADMINISTRATIVO____

em face da decisão que a inabilitou no Procedimento Licitatório em destaque, de ordem dessa Administração Pública, tendo em vista os fundamentos fáticos e de direito adiante aduzidos.

1.0. INTRODUÇÃO

Prima facie, cumpre-nos salientar que a faculdade de revisão dos atos administrativos é inerente à Administração Pública e constitui-se como eficiente mecanismo de controle e obediência aos princípios que a regem, mormente o da legalidade, a qual os entes públicos impõem observar (art. 37, da CF/88), sob pena de revisão via mandado judicial.

Através do feito em epígrafe foi deflagrado o procedimento licitatório sob a modalidade denominada “Concorrência”, que recebeu o número de ordem .../2023, colocando o projeto básico à disposição dos interessados em participar da licitação, com destinação específica concernente à contratação de empresa para executar as obras de construção da Escola Municipal de Ensino Médio ........, consoante se vê do respectivo Edital.

Todavia, com todo o respeito e admiração pelo trabalho desenvolvido por esta conceituada Comissão, desta vez não agiu com o costumeiro acerto, quando decidiu pela inabilitação da Empresa Recorrente, conforme veremos adiante.

2.0. DOS FATOS E FUNDAMENTOS

2.1 – DA QUALIFICAÇÃO TÉCNICA

Ao realizar procedimentos Licitatórios é dever da Administração Pública exigir documentos de habilitação compatíveis com o ramo dos objetos licitados, especialmente aqueles que comprovem a qualificação técnica dos interessados em participar da disputa, mediante a apresentação daqueles enumerados no inciso II e o § 1º, do artigo 30 da Lei Federal nº 8.666/93, senão vejamos:

LEI FEDERAL Nº 8.666/93

Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhados.

§ 1º A comprovação de aptidão referida no inciso II do “caput” deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes...

Vejamos, também, o disposto no § 3º da mesma lei:

§ 3o Será sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior. (Destacamos)

Consequentemente, esta Nobre Comissão exigiu, através da alínea “b” do item 8.8.4 do Edital ora analisado, que as empresas interessadas em participar do certame comprovassem a sua qualificação técnica através da apresentação de atestado de capacidade técnica que comprove a execução de atividade pertinente e compatível com os índices de maior relevância, senão vejamos:

EDITAL

8.8.4 - DOCUMENTAÇÃO ESPECÍFICA/QUALIFICAÇÃO TÉCNICA

b) Comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível com as características e as quantidades do objeto licitado por meio da apresentação de:

b.1) Prova de que a empresa licitante possui em seu quadro permanente (não temporário), na data prevista para entrega dos envelopes, profissional(is) detentor(es) de 01(um) ou mais ATESTADO(s), de responsabilidade técnica, fornecido(s) por pessoa(s) jurídica(s) de direito público ou privado, devidamente registrado(s) na entidade profissional competente, na região onde os serviços foram executados, acompanhado(s) da(s) respectiva(s) Certidão(ões) de Acervo Técnico - CAT, expedida(s) por esse conselho, que comprove(m) ter o profissional responsável executado obra de características semelhantes e compatíveis com o objeto desta licitação nos índices de maior relevância conforme segue:

b.1.1 - estaca Strauss.

b.1.2 - estrutura de madeira em lei, tipo paraju, peroba, mica, angelim em pedra ou equivalente.

b.1.3 - cobertura de telhas cerâmicas tipo capa e canal.

Como é sabido o atestado de capacidade técnica deve estar relacionado ao objeto da licitação; ser exigido proporcionalmente ao item, etapa ou parcela ou conforme se dispuser a divisão do objeto; ser fornecido por pessoa jurídica de direito público ou privado, com identificação do emissor; ser emitido sem rasuras, acréscimos ou entrelinhas; ser assinado por quem tenha competência para expedi-los; e ser registrado na entidade profissional competente, quando for o caso.

Deve, também, conter todas as informações necessárias e suficientes para que se possa, mediante comparação entre a obra ou o serviço objeto do atestado e a obra ou o serviço objeto da licitação, inferir a aptidão da proponente para a execução do contrato nos termos em que se propõe. Esse cotejo entre o conteúdo do atestado e o conteúdo do contrato não poderá admitir por critério de comparação exclusivamente a igualdade ou equivalência entre ambos, mas deverá admitir também a similaridade ou analogia dos objetos.

E foi exatamente o que fez a empresa Recorrente, uma vez que apresentou Atestado de Capacidade Técnica emitido pelo Município de ......................-UF em consonância com o que foi exigido no edital, demonstrando aptidão para executar os serviços almejados através do presente processado.

Os documentos de qualificação técnica apresentados pela empresa Recorrente comprovam não só a capacidade da mesma para executar objeto igual ao perseguido por esta Administração (Estaca Strauss) como também para executar objeto de complexidade superior, uma vez que comprovou que já prestou serviços de Infraestrutura com Estaca Raiz Perfurada em Rocha (item 2.2 do Atestado).

Isso porque a Estaca Strauss exigida no edital é um sistema de execução já ultrapassado que utiliza equipamentos e métodos executivos também já ultrapassados. Nesse sistema a perfuração se inicia através de um soquete manual (peso) e um guincho que movimenta verticalmente o tubo de percussão ou martelo, produzindo impactos verticais que escavam o solo, aumentando a profundidade da perfuração conforme ocorre a descida do tubo metálico. O resultado disso é a criação de um poço, onde ao final da escavação é lançado concreto no poço e removido a tubulação metálica gerando uma Estaca Strauss.

Relação de equipamentos utilizados na Estaca Strauss: Tripé; Tubo/martelo de aço; e Guincho com cabo de aço.

Já a Estaca Raiz em Rocha é uma estaca de alta complexidade de execução e de altíssima resistência de carga. Nesse sistema a perfuração inicia-se no solo (até encontrar a rocha) através de broca rotativa helicoidal acionada por equipamento autopropulsado. Assim que encontrar a rocha, instala-se as camisas (tubos de aço) até a mesma, iniciando-se a perfuração na rocha que consiste em utilizar uma perfuratriz rotativa motorizada com o processo de rotopercussão para perfuração em rocha. O martelo de fundo DTH (“down the hole”) é um equipamento de perfuração acionado por ar comprimido que é introduzido pelo tubo de revestimento previamente instalado, onde executará a perfuração na rocha através de movimentos rotopercussivos. A concretagem da estaca ocorre após a lavagem da mesma do fundo para cima através de bomba de alta pressão, onde após a conclusão da lavagem instala-se as armadoras de aço, posiciona no interior da estaca o mangote do concreto e inicia-se a concretagem, sendo o concreto/argamassa lançado através de bomba de alta pressão no fundo da estaca. Assim a concretagem ocorre de baixo para cima eliminando impurezas que ainda estejam ali após a lavagem do furo, sendo que após a concretagem retira-se as camisas do furo.

Relação de equipamentos utilizados na Estaca Raiz em Rocha: Perfuratriz autopropulsada equipada com broca trado e martelo DTH; Compressor de ar de 900pcm; Grupo gerador de energia 46KVA; e Moto bomba (alta pressão) 10cv.

Tanto no original da Lei Federal nº 8.666/93, quanto no texto modificado pela Lei Federal nº 8.883/94, o § 3o do art. 30 proíbe a recusa da aptidão por similaridade, estipulando que "será sempre admitida a comprovação de aptidão através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou SUPERIOR."

O legislador tornou imperativa essa admissão de similares para evitar discriminações consistentes na exigência de haver o proponente realizado obras ou serviços iguais, o que afastaria competidores que, mesmo não tendo ainda executado obra ou serviço igual ao objeto da licitação, podem executá-lo, por já haver executado similares (imagine então se a concorrente já tenha executado objeto de complexidade superior, assim como vem ocorrendo no presente caso).

Assegurando os detentores de certidões ou atestados fundados na similitude, tratou de defender a isonomia do acesso e a competitividade do certame, princípios basilares da licitação, cuja inobservância a torna irremediavelmente viciosa. Mas, exatamente para não pôr em risco a isonomia e a competitividade, teve a prudência de, no inciso II do caput do mesmo art. 30, exigir que a aptidão, à vista de contratos anteriores, seja comprovada pelo desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação.

Como o caput domina o parágrafo, desde que este não seja excepcionante daquele, e como o § 3o não excepciona, mas complementa o inciso II do caput do art. 30, conforme evidencia a própria redação de ambos, nos quais aparece a mesma expressão – "comprovação de aptidão" – que os correlaciona, resulta daí que a exigência de "comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação" se aplica a todo e qualquer atestado ou certidão de desempenho, seja baseado na igualdade ou equivalência, seja baseado na similitude ou analogia das obras ou serviços.

Isto posto, fica bem claro e não resta nenhuma dúvida que a comprovação de aptidão será feita através de certidões ou atestados de obras ou serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, e não através de documentos comprobatório de execução de serviços como a mesma NOMENCLATURA, como aconteceu no julgamento técnico de habilitação, uma vez que a execução de Estaca Raiz em Rocha tem complexidade tecnológica e operacional superior em relação à técnica de execução da Estaca Strauss.

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Corroborando com esta tese, o Tribunal de Contas da União - TCU entendeu que:

... a exigência de que a licitante tenha executado serviço no mínimo igual ao do objeto contraria esse entendimento, por impor às interessadas condição que extrapola os critérios razoáveis de seleção, invadindo e ferindo a competitividade do certame. (TCU, Acórdão nº 410/2006, Plenário, Rel. Min. Marcos Vinícius Vilaça, julgado em 29.03.2006.) (Grifo nosso)

Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, senão vejamos:

Dessa forma, o § 3º do art. 30 da Lei 8.666/1993 estatui que existe a possibilidade de que a comprovação de qualificação técnica se dê por meio de serviços similares, com complexidade técnica e operacional idêntica ou superior. Ainda, o § 10 do art. 30 da mesma lei frisa ser a indicação dos profissionais técnicos responsáveis pelos serviços de engenharia uma garantia da administração (STJ - RMS 39.883-MT, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/12/2013).

Logo, caso esta honrada Comissão decida manter a inabilitação da empresa Recorrente pelos motivos em questão, certamente haverá prejuízo ao interesse público envolvido e ao caráter competitivo da licitação, uma vez que a mesma preenche todos os requisitos exigidos no instrumento convocatório ora analisado e comprovou ter condições de executar serviços com complexidade superior aos almejados por esta Administração através do presente processado, conforme amplamente demonstrado acima e poderá ser a portadora da melhor proposta.

2.2 – DO EXCESSIVO RIGOR FORMAL X O INTERESSE PÚBLICO NA BUSCA DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

É cediço que a exigência de apresentação de Atestado de Capacidade Técnica comprova que o licitante tem capacidade técnico-operacional e técnico-profissional de executar os serviços licitados. A respeito da matéria vale a transcrição dos ensinamentos do Mestre Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª edição, Dialética, São Paulo:

Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade acarretam a impossibilidade de impor consequências de severidade incompatível com a irrelevância de efeitos. Sob esse ângulo, as exigências da Lei ou edital devem ser interpretadas como instrumentais. Daí a advertência de Adilson Dallari, para quem, existem claras manifestações doutrinárias e já existe jurisprudência no sentido de que, na fase de habilitação deve-se verificar se o proponente tem concretamente idoneidade. Se houver um defeito mínimo, irrelevante para essa comprovação, isto não pode ser colocado como excludente do licitante. (...) Não basta comprovar a existência de defeitos. É imperioso verificar se a gravidade do vício é suficientemente séria, especialmente em face da dimensão do interesse público.

Não é demais lembrar que o Poder Judiciário já firmou jurisprudência no sentido de entender descabida exigências meramente formais, conforme se infere do julgado abaixo transcrito, que trata de questão idêntica ao fato ocorrido durante a análise dos documentos de habilitação apresentados na licitação em questão, nestes termos:

APELAÇÃO CÍVEL. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INABILITAÇÃO LICITANTE. ILEGALIDADE CONFIGURADA. PROVA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. EDITAL. CAPACIDADE TÉCNICA SUPERIOR OU IGUAL AO OBJETO LICITADO. COMPROVADA. RIGORISMOS MERAMENTE FORMAIS. AFASTAMENTO. Tendo sido preenchidos os requisitos para a habilitação, uma vez que apresentado atestado com qualificação superior à exigida, deve a Impetrante ser considerada habilitada no certame licitatório, até porque, como visto, deve a Administração Pública prezar pelo interesse público acima do privado, razão porque deve garantir ao máximo a competitividade no certame, afastando rigorismos meramente formais. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 7003415948-3).

3.0. DA DILIGÊNCIA

Ademais disso, havendo dúvida quanto a capacidade técnica da empresa Recorrente para executar o objeto licitado, o que se admite apenas para argumentar, poderá esta Administração Pública licitante valer-se da possibilidade de realização de diligência para comprovar a veracidade das informações descritas no Atestado de Capacidade Técnica apresentado, nos moldes estabelecidos pelo §3º do art. 43 da Lei Federal nº 8.666/93, in verbis:

Art. 43. Omissis.

§3º É facultada à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da proposta.

Neste sentido, vejamos a lição do mestre Marçal Justen Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14ª ed., Dialética, São Paulo, 2010, p. 599:

Suponha-se que o particular apresentou um certo atestado para comprovar o preenchimento de experiência anterior. Há dúvidas, no entanto, sobre a compatibilidade da contratação referida no atestado e o objeto licitado. Será obrigatório que a Comissão convoque o interessado a esclarecer a natureza de sua experiência anterior. Para tanto, será muito mais relevante a exibição de documentação do que as meras palavras do licitante. Logo, será facultado ao interessado apresentar a documentação atinente à contratação de que resultou o atestado.

4.0. CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que sob todos os ângulos que se queira analisar a quaestio júris ora em debate, não se chega a outra conclusão, senão da oportunidade e necessidade de reforma da decisão que inabilitou a empresa Recorrente da competição, decisão que, se mantida, desafiará a sua correção via mandado judicial, o que, face à zelosa atuação desta Comissão, certamente, não permitirá que adentremos a tão espinhosa e desgastante - tanto para a Recorrente quanto para a Administração Pública – medida para ver preservada a legalidade do respectivo procedimento licitatório.

5.0. DO PEDIDO

ANTE O EXPOSTO, respeitosamente requer a essa Nobre Comissão que, acolhendo os argumentos articulados no presente Recurso Administrativo, seja reformada a decisão que inabilitou a empresa FULANA CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS EIRELI-ME, suspendendo-se o respectivo procedimento licitatório até ulterior decisão do presente recurso, na forma do art. 109, § 2º, da Lei Federal nº 8.666/93, de tudo cientificando os interessados, por ser imperativo de direito e da mais lídima JUSTIÇA!

Termos em que,

Pede deferimento.

.......................-uf, .... de ............... de 2023.

Sobre o autor
Guilherme Flaminio da Maia Targueta

Pós-graduado em Direito Público pela FDV, Pós-graduado em Licitações e Contratos sob o Viés da Lei 14.133/2021 pela Faculdade Pólis Civitas, Consultor Técnico e Jurídico na área de Licitações e Contratos tanto para órgãos públicos quanto para empresas privadas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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