COMO SABEMOS a legislação brasileira através do Código Civil admite duas formas de sucessão (que é, nesta senda - muito resumidamente falando - o procedimento para transferência de bens e direitos da "pessoa morta" em favor de seus "destinatários"), sendo elas a Sucessão Legítima (art. 1.829 e seguintes) e a Sucessão Testamentária (art. 1.857 e seguintes). O procedimento que formaliza e regulariza a referida transmissão é o INVENTÁRIO que hodiernamente se admite tanto na forma JUDICIAL (via processo) quanto na forma EXTRAJUDICIAL (via cartório extrajudicial, sem necessidade de processo) - sendo sempre válido lembrar que o Inventário mesmo com testamento pode ser feito em Cartório - diferentemente do que previa originalmente a Lei 11.441/2007.
A Sucessão Testamentária é aquela que é guiada por um Testamento que pode revestir, por sua vez, qualquer das formas admitidas pelo Código Civil - tanto os ORDINÁRIOS (art. 1.862 - o Testamento Público, o Cerrado e o Particular) - quanto os ESPECIAIS, bem menos comuns e quase sempre vistos apenas nos bancos acadêmicos (art. 1.886 - o Testamento Marítimo, o Aeronáutico e o Militar). O Código Civil é claro e categórico:
"Art. 1.887. Não se admitem outros testamentos especiais além dos contemplados neste Código".
Segundo o Mestre DIMAS MESSIAS DE CARVALHO (Direito das Sucessões - Inventário e Partilha. 2023),
"SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA é aquela que se dá em obediência à vontade do falecido, prevalecendo, contudo, as disposições legais naquilo que constitua 'ius cogens', bem como no que for omisso ou silente o instrumento. A vontade do autor da herança é LIMITADA se possuir herdeiros necessários, em razão da proteção à LEGÍTIMA" .
Como se percebe, caso o interessado nada faça, a transmissão dos seus bens, por ocasião do seu falecimento vai seguir a regra legal (que por ser "genérica" pode não ser a melhor solução para todos os casos); dessa forma, desejando dar destinação diferente do que a Lei já prevê como solução para todos os casos, será preciso literalmente AGIR EM VIDA, seja desde já destinando patrimônio dentro do que a Lei permite para já, seja desenhando sua sucessão através de um TESTAMENTO (que transfere o patrimônio apenas após o óbito) - e não restam dúvidas que a melhor forma de fazer isso é devidamente assessorado por um Advogado Especialista.
A grande questão - muito comum inclusive quando se fala em testamento - diz respeito aos limites que a Lei impõe para essa destinação, especialmente quando nem todos os possíveis destinatários são "pessoas queridas" do titular da herança. Trocando em miúdos: pode o testador, tendo diversos parentes escolher beneficiar exclusivamente apenas algum deles, seja lá por qual motivo lhe convier?
Essa resposta é complexa e exige sem sombra de dúvidas o exame detalhado e cuidadoso das peculiaridades de cada caso. Como se viu, o TESTAMENTO não pode infrigir os limites que a Lei impõe, como por exemplo as limitações para que não comprometa a LEGÍTIMA. Segundo a regra do Código Civil, pertence aos herdeiros necessários a legítima. Diz o Código:
"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima".
Não podemos esquecer que também é considerado herdeiro necessário o (a) COMPANHEIRO (A) já que possui equivalência com o CÔNJUGE.
Na hipótese, por exemplo, em que o titular da herança não tenha herdeiros necessários - e é importante notar que NEM IRMÃOS NEM SOBRINHOS SÃO HERDEIROS NECESSÁRIOS - poderá sim o titular dar a destinação que bem entender ao seu patrimônio via testamento - sendo certo que, na forma do art. 1.850 do mesmo Código, poderão os mesmos serem excluídos da sucessão bastando para tanto que o testador disponha da totalidade de seu patrimônio sem os contemplar. Necessário frisar que aqui deve haver o cuidado de dispor sobre a TOTALIDADE já que havendo sobra, esta terá destinação que ditar a sucessão legítima (art. 1.829 e seguintes c/c art. 1.906 do CCB) podendo alcançar os colaterais/facultativos...
A jurisprudência do TJSC com acerto prestigia as regras do CCB, principalmente o citado artigo 1.850:
"TJSC. 50161918920238240000. J. em: 04/07/2023. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. AUTORA DA HERANÇA QUE NÃO DEIXA DESCENDENTES, ASCENDENTES OU CÔNJUGE, MAS SOMENTE DUAS IRMÃS. TESTAMENTO QUE CONTEMPLA APENAS UMA DELAS. DECISÃO QUE EXCLUI A SEGUNDA IRMÃ DO INVENTÁRIO. RECURSO DESTA. ALEGAÇÃO DE QUE A DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE COMPREENDE SOMENTE UM BEM IMÓVEL E, PORTANTO, QUE DEVE CONCORRER NA PARTILHA DO PATRIMÔNIO RESTANTE. INSUBSISTÊNCIA. TESTAMENTO QUE DESTINA TODO O PATRIMÔNIO DA TESTADORA EM FAVOR DE SOMENTE UMA DAS IRMÃS. EXCLUSÃO DA HERDEIRA COLATERAL REMANESCENTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.850 DO CC. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO".