Necessidade de garantia para emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa? Breves apontamentos e reflexões.

24/08/2023 às 12:21
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No cenário tributário, a questão da suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a necessidade do oferecimento da garantia do juízo para a emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CEPEN) é alvo de questionamentos e debates entre os juristas e operadores do Direito. A Tese firmada no Tema Repetitivo 237 do STJ suscita ainda mais dúvidas acerca da obrigatoriedade da garantia do juízo para a expedição da CEPEN.

Diante desse contexto, este breve trabalho se propõe a explorar as bases jurídicas, as implicações da legislação e o posicionamento consolidado através dos precedentes jurisprudenciais sobre a questão da obrigatoriedade ou não de oferecimento da garantia de juízo para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, culminando na concessão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa. Para tanto, serão analisados posicionamentos doutrinários e precedentes judiciais, no contexto de um sistema tributário que busca harmonizar os interesses do Fisco e dos contribuintes com o respeito aos valores e Princípios Constitucionais.

O artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece as hipóteses em que a exigibilidade do crédito tributário pode ser suspensa. Essa suspensão ocorre quando situações específicas surgem, suspendendo temporariamente a obrigação do contribuinte de efetuar o pagamento do tributo devido. As hipóteses de suspensão do crédito tributário que se encontram nos incisos do referido dispositivo são:

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

I - moratória;

II - o depósito do seu montante integral;

III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança.

V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

VI – o parcelamento. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.

Segundo o Desembargador Leandro Paulsen,

Se relermos com atenção essas hipóteses suspensivas estabelecidas pelo art. 151, veremos que podem ser assim sintetizadas: a) foi dado prazo para pagamento do tributo ou penalidade, seja por força de moratória ou de parcelamento concedido ao contribuinte (incisos I e VI); b) há incerteza quanto à existência do crédito, colocado em dúvida por impugnação, manifestação de inconformidade ou recurso ainda não definitivamente julgados na esfera administrativa, ou suspenso por decisão judicial que tenha reconhecido a relevância ou verossimilhança dos argumentos do sujeito passivo em ação por este ajuizada (incisos III, IV e V); ou c) o crédito está garantido por depósito em dinheiro (inciso II). (PAULSEN, 2022: 448).

Percebe-se que o uso da conjunção “ou” ao analisar as hipóteses do artigo 151 do CTN indica alternatividade, isto é, ocorre com alternação, se pode escolher uma em vez de outra, não sendo necessária/indispensável a ocorrência de todas as hipóteses cumulativamente para que a exigibilidade do crédito seja suspensa. De acordo com o Doutor Eduardo Sabbag, “O art. 151, I ao VI, do CTN hospeda as seis causas suspensivas do crédito tributário com inafastável apelo taxativo” (SABBAG, 2019: 1051). Além disso, “Vale lembrar que, em todos os casos de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o contribuinte faz jus à certidão positiva de tributos com efeitos de negativa (certidão de regularidade de situação fiscal), em consonância com o art. 206 do CTN” (SABBAG, 2019: 1051).

O Doutor Luís Eduardo Schoueri defende, em idêntica trilha, que “Uma vez constituído o crédito, estará sua exigibilidade suspensa, enquanto presente uma das causas previstas no art. 151 do Código Tributário Nacional.” (SCHOUERI, 2022: 373).

Paralelamente, o Procurador do Distrito Federal Eduardo Muniz Machado Cavalcanti aduz que sobre as hipóteses previstas no artigo 151 do CTN, “Trata-se de um rol taxativo, que prevê, de forma exaustiva, as hipóteses de suspensão da exigibilidade e deve ser interpretado literalmente.” (CAVALCANTI, 2023: 325). Ademais, nas palavras do autor,

Configurada uma causa suspensiva, impõe-se à Fazenda Pública a expedição da certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, quando solicitada pelo contribuinte, conforme disposto no artigo 206 do CTN, que surte os mesmos efeitos práticos de uma certidão negativa de débitos (CAVALCANTI, 2023: 325).

Nesse mesmo sentido também se observa as lições do Professor Luciano Amaro que utiliza o artigo indefinido “uma”, evidenciando que basta a ocorrência de uma das hipóteses do artigo 151 do CTN. Segundo o autor,

Presente uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, fica, portanto, o sujeito ativo impedido de exercitar atos de cobrança. Deve ele aguardar que cesse a eficácia da causa suspensiva; aí diferentes situações poderão ocorrer: a) o pagamento pelo sujeito passivo, extinguindo a obrigação tributária; b) o restabelecimento da exigibilidade, caso o sujeito passivo não efetue o pagamento, exigibilidade essa que dependerá da consecução do lançamento, se este ainda não tiver sido efetuado; c) o advento de causa legal de extinção da pretensão fiscal (por exemplo, decisão que declara a inexistência da obrigação tributária; conversão de depósito em renda etc.). (AMARO, 2023: 159).

A Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Regina Helena Costa estabelece que:

A presença de uma causa de suspensão da exigibilidade acarreta as seguintes consequências: a) o Fisco fica impedido de exercitar atos de cobrança, não podendo ajuizar a execução fiscal até que cesse a eficácia da causa suspensiva; e b) fica suspensa a contagem do prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal, se já iniciado, ou impedida a fluência de tal prazo (COSTA, 2021: 273).

Além disso, segundo a Ministra,

Com efeito, a presença de uma das causas suspensivas de exigibilidade enseja a expedição de certidão de regularidade de situação, vulgarmente denominada “certidão positiva com efeito de negativa”, nos termos do art. 206, CTN. Já a certidão negativa, prevista no art. 205, CTN, somente pode ser expedida na hipótese de ausência de débitos fiscais vencidos e não pagos (COSTA, 2021: 274).

Corroborando os entendimentos doutrinários acima expostos, a jurisprudência pátria também entende pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário ao ocorrer uma das hipóteses do artigo 151 do CTN. Diante disso é desnecessária a cumulação de hipóteses ou a ocorrência de alguma delas em específico para que o crédito tributário seja suspenso, deixando de ser exigível, uma vez que não há hierarquia, tampouco valoração, no rol do artigo 151 do CTN. Logo, é correto concluir que existindo qualquer hipótese prevista no dispositivo, a suspensão da exigibilidade deve ocorrer automaticamente. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça na Tese Firmada no Tema Repetitivo 237 fixou o entendimento de que o oferecimento da garantia para obter a Certidão Positiva com Efeito de Negativa seria uma possibilidade do contribuinte. Segundo a tese,

É possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa (grifo nosso).

Todavia, data máxima vênia, a interpretação do entendimento do STJ não pode ser feita de forma autônoma, sem observar o disposto no Código Tributário Nacional, uma vez que o rol das hipóteses que suspendem a exigibilidade do crédito tributário é taxativo e elas são independentes entre si, ou seja, ocorrendo somente uma delas o crédito já estará com sua exigibilidade suspensa. Além disso, através de uma hermenêutica extensiva, caso fosse indispensável a efetivação da garantia, a Tese firmada poderia ter utilizado outra palavra, de modo a impor a necessidade, obrigatoriedade e imperatividade do ato de garantir o juízo para a emissão. Desse modo, muitas vezes parece equivocado posicionamentos de magistrados que exigem a garantia de juízo para a expedição da CEPEN com fundamento no Tema Repetitivo 237 do STJ.

Nesse sentido, parece mais correto concluir que a suspensão da exigibilidade mediante a existência de uma das hipóteses do rol do artigo 151 do CTN independe do oferecimento de garantia. A título de exemplo, o depósito do valor integral e a concessão de liminar e tutela antecipada pelo juízo são causas diferentes de suspensão da exigibilidade do crédito. Logo, existindo uma liminar ou tutela concedida, a exigibilidade do crédito tributário já se encontra suspensa, sendo desnecessária a existência do oferecimento da garantia do juízo.

Nesse sentido, são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO. FORNECIMENTO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. INSS. LEI 8.212, DE 1991. CTN, ART. 206. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO MEDIANTE GARANTIA. DESNECESSIDADE.

1. O recorrente tem razão quando manifesta-se contrariamente à expedição de certidão negativa de débitos (art. 205 do CTN) quando existente crédito constituído. No entanto, o recurso administrativo possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, III, do CTN, hipótese em que o fisco não poderá negar a expedição de certidão positiva de débitos com efeito de negativa (art. 206 do CTN).

2. A exigência de garantia, prevista em Lei Ordinária (artigo 47, § 3º da lei nº 8.812/91), não pode se sobrepor a dispositivo do Código Tributário Nacional.

3. Esta Corte vem decidindo pela desnecessidade de oferecimento de garantia, na hipótese de suspensão da exigibilidade de crédito tributário, como condição para a expedição de certidão positiva de débito com efeito de negativa.

4. A suposta malversação do art. 97 da Constituição da República vigente deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo o recurso especial via inadequada para suscitá-la 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 647.486/AL, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 10/11/2009, DJe de 19/11/2009, grifo nosso)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ART. 151, II E V, DO CTN. HIPÓTESES INDEPENDENTES DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RECURSO PROVIDO.

1. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos (fl. 449, e-STJ): "Não obstante o inciso V, do aludido artigo 151, do CTN, dispor que a concessão de tutela antecipada em ação judicial é caso de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a meu ver, tal dispositivo deve ser lido à luz dos artigos 16 e 17 da Lei nº 6.830/80, que exigem a garantia do juízo para discussão do débito fiscal. Se assim não o fosse, estaríamos diante do paradoxo de criar a possibilidade de suspender a exigibilidade do crédito fiscal, bem como o respectivo processo de execução, sem a necessária garantia, pelo simples fato de haver ação anulatória em curso".

2. As hipóteses de suspensão de exigibilidade do crédito tributário previstas nos incisos II e V do art. 151 do CTN são independentes, pelo que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pode ser reconhecida com a simples presença da situação constante do último inciso, independentemente da existência ou não do depósito integral em dinheiro. Precedentes: AgInt no REsp 1.447.738/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 19/5/2017; AgRg no AREsp 449.806/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/10/2014; e AgRg no REsp 1.121.313/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJe 9/12/2009.

3. Dessume-se que o acórdão recorrido não está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual merece prosperar a irresignação.

4. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.809.674/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15/8/2019, DJe de 10/9/2019, grifo nosso)

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. RETOMADA DO PRAZO PRESCRICIONAL. DESNECESSIDADE DE AGUARDAR O TRÂNSITO EM JULGADO. 1. A divergência traçada nestes autos envolve a identificação do início da prescrição tributária para o Fisco após a revogação de liminar que anteriormente suspendeu a exigibilidade do crédito tributário, mesmo havendo a parte sucumbente interposto recurso especial e extraordinário desprovidos de eficácia suspensiva. 2. Para o acórdão embargado, “constituído o crédito tributário, mas suspensa a exigibilidade da exação por decisão liminar, não há falar em curso do prazo de prescrição, uma vez que o efeito desse provimento é justamente o de inibir a adoção de qualquer medida de cobrança por parte da Fazenda, de sorte que somente com o trânsito em julgado da decisão contrária ao contribuinte é que se retoma o curso do lapso prescricional”. Os acórdãos paradigmáticos, por sua vez, firmaram compreensão de que, “revogada a liminar pela Corte de apelação e considerando o efeito meramente devolutivo dos recursos especial e extraordinário, nada impede que a Fazenda promova, desde a revogação da liminar, as medidas necessárias tendentes à cobrança dos créditos tributários cuja exigibilidade não mais se encontra suspensa, se não verificada outra causa de suspensão prevista no art. 151 do CTN” (AgRg no REsp 1.375.895/RN, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 20-8-2013). (...) 4. A concessão de liminar em mandado de segurança é causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, IV, do CTN). Conforme destacado em um dos acórdãos paradigmas, “diversamente do recurso administrativo que suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto persiste o contencioso administrativo (inciso III do art. 151 do CTN), não é a mera existência de discussão judicial sobre o crédito tributário que suspende a sua exigibilidade, mas a existência de medida liminar, durante o tempo de sua duração, ou a concessão da ordem, a inibir a adoção de qualquer medida visando à satisfação do crédito por parte da Fazenda Nacional” (EREsp 449.679/RS, rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 1º-2-2011). (...)” (EAREsp 407.940/RS, rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., j. 10-5-2017, DJe 29-5-2017, grifo nosso).

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O Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também possui esse entendimento com diversos acórdãos nesse mesmo sentido:

AGRAVO INTERNO E AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. AUTO DE INFRAÇÃO QUE APLICOU MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS. DEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA PARA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA A DECISÃO QUE INDEFERIU O EFEITO SUSPENSIVO PLEITEADO PELO MUNICÍPIO NA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE QUE A PARTE AUTORA TERIA DEPOSITADO O VALOR DA MULTA, SEM INCLUIR OS JUROS E DEMAIS CONSECTÁRIOS LEAIS, MOTIVO PELO QUAL O DEPÓSITO NÃO SERIA INTEGRAL. O ARTIGO 151 DO CTN APONTA A EXISTÊNCIA DE SEIS CAUSAS DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, SENDO ELAS AUTÔNOMAS INDEPENDENTES ENTRE SI. O INCISO II TRATA DO DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL, O QUAL NÃO SE CONFUNDE COM A HIPÓTESE PREVISTA NO INCISO V, QUAL SEJA A CONCESSÃO DE LIMINAR OU DEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA. TRATANDO-SE DE CAUSAS DE SUSPENSÃO DISTINTAS E AUTÔNOMAS, A CONCESSÃO DE LIMINAR NÃO ESTÁ CONDICIONADA AO DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (0084544-47.2022.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). HUMBERTO DALLA BERNARDINA DE PINHO - Julgamento: 01/03/2023 - VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL, grifo nosso).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO MADURO PARA JULGAMENTO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. TUTELA DE URGÊNCIA ANTECIPADA. ICMS INTERESTADUAL. SUSPENSÃO DO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO INTEGRAL DO DÉBITO. IRRELEVÂNCIA. DECISÃO LIMINAR JUDICIAL QUE CONSTITUI CAUSA AUTÔNOMA DE SUSPENSÃO. MÉRITO. REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA PREENCHIDOS. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE AQUISIÇÃO DE MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. RECURSO REPETITIVO SOBRE O TEMA. PROBABILIDADE DO DIREITO VERIFICADA. PERIGO DA DEMORA. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. REFORMA DA DECISÃO. Agravo Interno. O Agravo interno resta prejudicado, porquanto o Agravo de Instrumento se encontra maduro para julgamento, podendo a questão ser submetida ao colegiado. Logo, em homenagem aos princípios da celeridade processual e instrumentalidade das formas, as questões pertinentes serão analisadas no mérito recursal do próprio agravo de instrumento. Agravo de Instrumento. Recurso contra decisão que indeferiu tutela provisória de urgência para suspensão do crédito tributário de ICMS interestadual, sob argumento de ausência de probabilidade de direito e do depósito integral do débito. Necessidade de depósito integral. Como cediço, cada causa prevista nos incisos do art. 151, do CTN, consiste em modalidade autônoma de suspensão do crédito tributário. O depósito judicial do montante integral do débito fiscal, assim, suspende a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II do CTN) independente da demonstração dos requisitos autorizadores da medida liminar próprios do mandado de segurança e de uma ação judicial ordinária. Por outro lado, poderá o sujeito passivo deixar de efetuar o depósito, e requerer a liminar judicial pela tutela antecipada de urgência (art. 151, V do CTN), submetendo-se a aferição, pelo magistrado, dos requisitos autorizadores da medida liminar pretendida a fim de haver suspenso o crédito até o julgamento final da demanda. Trata-se, então, de causas autônomas de suspensão do crédito tributário. Desse modo, verifica-se que a ausência de depósito integral não afasta, por si só, a possibilidade de concessão da tutela antecipada de suspensão do crédito tributário. Logo, ausente o depósito integral do débito imputado, deve ser analisado o preenchimento dos requisitos da tutela antecipada de urgência: fumus boni iuris e periculum in mora da alegada não incidência do ICMS interestadual sobre aquisição de produtos para emprego no serviço de construção civil. Precedente do STJ. ICMS interestadual sobre material empregado na construção civil. A questão trazida aos autos foi incluída naquela categoria de recurso repetitivo por conter fundamento em idêntica questão de direito com o recurso especial representativo nº. 1.135.489 / AL. Eis o teor da tese de recursos repetitivos STJ nº 261: ¿As empresas de construção civil não estão obrigadas a pagar ICMS sobre mercadorias adquiridas como insumos em operações interestaduais¿. Assentou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a não incidência de ICMS interestadual sobre aquisição de produtos que serão empregados no serviço de construção civil. Isso porque as sociedades prestadoras do serviço de construção civil não são contribuintes habituais de ICMS, ficando o serviço sujeito, via de regra, ao ISS, o que inclui os materiais adquiridos que serão empregados como insumos da construção. Nesse diapasão, por outro lado, a aquisição de mercadorias de uso e consumo próprios estariam expostas à incidência do ICMS interestadual, por não se agregarem fisicamente ao serviço de construção civil. In casu, há fumus boni iuris sobre a não incidência do ICMS. Com efeito, a agravante é sociedade cujo objetivo social é a construção de edifícios, conforme declarado na inscrição na SEFAZ/RJ. Outrossim, a agravante junta o contrato de serviço de construção civil por empreitada, firmado em 28.05.2018. Ademais, as notas fiscais das mercadorias são do período de 20.12.2018 a 13.11.2019, de descrição: ¿CONSTRUCOES PRE-FABRICADAS COM ESTRUTURA DE FERRO E ACO¿. Desse modo, verossímil a alegação de se tratar de produto a ser empregado na construção civil contratada, o que afasta a relação jurídico tributária de ICMS interestadual. Configurada a probabilidade de direito, o perigo da demora é patente, considerando o lançamento tributário pelo auto de infração e iminente inscrição em dívida ativa, o que restringe o nome e crédito da sociedade no mercado. Outrossim, não há periculum in mora inverso, pois a suspensão do crédito, e consequente cobrança da dívida, poderá ser revista na hipótese de não comprovada a utilização das mercadorias adquiridas como insumo do serviço de empreitada. Agravo Interno Prejudicado. Agravo de Instrumento provido. (0008686-10.2022.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). RENATA MACHADO COTTA - Julgamento: 28/03/2022 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, grifo nosso)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA PARA JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. DEFERIMENTO DE SUSPENSÃO LIMINAR DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, MAS CONDICIONADA AO DEPÓSITO.

Ação Anulatória de crédito tributário lançado pelo Município de São Gonçalo. Pedido de suspensão liminar da exigibilidade do crédito em razão da inconstitucional a Lei Municipal nº 719/2017, que teria majorado o valor da taxa de coleta de lixo para patamar confiscatório. Deferimento da tutela de urgência, mas com a condição de depósito integral. É absoluta a competência dos Juizados Especiais Fazendários para as causas de interesse dos Estados até o valor de 60 salários mínimos, nos termos do artigo 2º da Lei nº 12.153/09 e dos artigos 16 e 23 da Lei Estadual nº 5.781/10, sendo essa a hipótese dos autos. As hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário são distintas e independentes entre si, de modo que a presença dos requisitos da tutela de urgência, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil, o que se amolda ao disposto no inciso V do artigo 151, do Código Tributário Nacional, é absolutamente distinta do caso do inciso II, pertinente ao depósito. Depósito do valor integral que suspende a exigibilidade do crédito tributário de forma automática. Artigo 14 da Lei Municipal nº 719/2017 que alterou o artigo 259 da Lei Municipal nº 41/2003, o Código Tributário do Município de São Gonçalo. A Representação de Inconstitucionalidade nº 0044188-49.2018.8.19.0000 pertinente à Lei Municipal nº 719/2017, já teve o pedido de suspensão da eficácia da norma combatida em sede cautelar analisado e indeferido, constando no decisum que a majoração do valor do tributo teve como fundamento a atualização monetária da taxa. As questões quanto a majoração abusiva do tributo, que teria passado a ostentar caráter confiscatório, e sua incompatível com a referibilidade, demandam dilação probatória e o contraditório, o que impede a concessão da tutela de urgência com base no inciso V do artigo 151 do Código Tributário Nacional. Manutenção do decisum. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (0029154-63.2020.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). LEILA MARIA RODRIGUES PINTO DE CARVALHO E ALBUQUERQUE - Julgamento: 07/10/2020 - VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, grifo nosso)

Por fim, vale destacar ainda que o depósito do valor integral ou a garantia da execução não correspondem condição sine qua non para discussão judicial acerca do crédito tributário, uma vez que nenhuma lesão ou ameaça de lesão será afastada da apreciação do Judiciário. Segundo Gustavo Castilho Pereira,

Não pode o legislador condicionar o exercício do direito de ação ao depósito do tributo discutido. Assim, o art. 38 da LEF, que exige depósito preparatório, encontra-se dissonante dos direitos e garantias preservados no texto constitucional. Nesse sentido é a Súmula n. 247 do extinto TFR, segundo a qual não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei n. 6.830/80 (PEREIRA, 2022).

Com isso, destaca-se a Súmula Vinculante n° 28 do Supremo Tribunal Federal:

É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário. (grifo nosso)

Portanto, a análise detalhada desenvolvida ao longo deste estudo ressalta com clareza que as hipóteses delineadas no rol do artigo 151 do Código Tributário Nacional operam de maneira autônoma e independente entre si. A mera configuração de qualquer uma dessas situações é suficiente para que a exigibilidade do crédito tributário seja suspensa de imediato. Nesse sentido, emerge um aspecto de notável importância: a ausência da necessidade compulsória de oferecimento de garantia ao juízo para que seja viabilizada a emissão da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa. A tese 247 do STJ deve ser analisada e interpretada de maneira sistêmica, levando em conta o disposto no Código Tributário Nacional e a situação fática de cada caso especificamente. O Juízo deve interpretar se há uma das hipóteses do artigo 151 do CTN e, com sua ocorrência, deve declarar o crédito suspenso.

Essa conclusão se fundamenta na premissa de que o escopo do artigo 151 do CTN é assegurar um ambiente propício para a defesa dos interesses dos contribuintes, sem prejudicar a capacidade do Fisco de arrecadar os tributos devidos. Nesse ínterim, o entendimento defendido por este trabalho é que, uma vez satisfeitas as condições que ensejam a suspensão da exigibilidade do crédito, é conferido ao contribuinte o direito à obtenção da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, sem que o oferecimento de garantias configure um requisito absoluto.

Referências Bibliográficas:

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. – 25 Ed – São Paulo: SaraivaJur, 2023

CAVALCANTI, Eduardo Muniz Machado. Direito Tributário. – 1 Ed – Rio de Janeiro: Forense, 2023.

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. – 12 Ed – São Paulo: SaraivaJur, 2022.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. – 13 Ed – São Paulo: SaraivaJur, 2022

PEREIRA, Gustavo Castilho. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7030, 30 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100068. Acesso em: 24 ago. 2023.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. – 11 Ed – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. – 12 Ed – São Paulo: SaraivaJur, 2023.

Sobre o autor
Patrick Henriques Gonçalves

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes. Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal Fluminense.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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