A Ontologia do Tribunal de Contas da União Federal

28/08/2023 às 23:10
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A Ontologia do Tribunal de Contas da União Federal

Palavras-chave: Staatsrecht, Staatspolitik, Filosofia do Estado, Staatsordnung, Instituição orbital, Instituição das instituições.

Resumo: O Tribunal de Contas da União Federal é instituição orbital aos Três Poderes Instituídos do Estado, em especificação ontológica do Staatsrecht e Staatspolitik, configuradas a partir da Filosofia do Estado.

O Tribunal de Contas da União Federal é instituição orbital aos Três Poderes instituídos do Estado, exprimindo a gradação qualitativa de inteligibilidade institucional e evolutiva dele, pois o Estado, na gradação ontológica de Instituição das instituições (Carl Schmitt1), causa e porta o Staatsrecht2 e Staaspolitik, como modal expressional conceitual de-si.

O Estado ordena-se como totalidade-síntese (República Federativa do Brasil), mas também como unidade analítica, apresentando-se a expressão endógena de-si e respectivas Garantias Institucionais (Três Poderes Instituídos p.ex.).

O TCU é expressão mediata da descensão disjuntiva das dimensões Jurídica e Política do Estado (expressão bidimensional do Estado3), em perfectibilização descensional até à Legalidade4 e Legitimidade Institucionais, configurando-se organicamente pela Democracia Institucional e Rechtsstaat5 (formação ontológica composta e complexa de realização bilateral-implicativa biunívoca entre entes) em presença configuradora a partir do Staatsgeist.

Da descensão à configuração institucional há o trespasse determinativo do autogoverno e autonormação democraticamente ordenados6, em formação legitimadora de instituições estatais, que se encontram orbitais aos Três Poderes, sendo esta decisão normada expressão da Staatspolitik, que se assenta na Staatsordnung, a existencialidade normada7.

O autogoverno e autonormação provém da Constituição existencial8, configurada a partir da densificação e complexificação do Volksgeist e Volksordnung, que se formalizará via Poder Constituinte na Lei Fundamental de 1.988.

A Constituição é expressão da Sociedade Política que vive no mundo concreto, gerando a Legitimidade Institucional de se dar e se determinar constiucionalmente.

A Constituição existencial é a realidade concreta do mundo, que se amolda à Sociedade Política e à Ordem racionalizante da Normatividade Institucional, acompanhando o Espírito do Tempo (Zeitgeist), que se puntualiza na qualidade temporária da situação da autora em face da Lei Constitucional de 1.988 – A Constituição formal, na acepção relativa.

Tem-se que a Constituição no sentido absoluto, a Constituição existencial, há de harmonizar-se com a Lei Constitucional no sentido de integração e interrelação dinâmica, buscando a realização e securitização do Rechtsstaat e Staatsrecht (SMEND, Rudolf. Costituzione e Diritto Costituzionale. Milão: Giuffré, 1988, Tradução: F. Fiore e J. Luther, Introdução: Gustavo Zagrebelsky, Collana di Scienza della Política Diretta da Gianfranco Miglio, vol. 16, p. 285 e ss.).

Autogoverno e autonormogênese são expressões institucionais da Soberania Institucional, que se apresenta como fator motriz à realização estatal como ente institucional, em simetria aos Espíritos do Tempo, do Mundo, das instituições, da História Universal9 e da Ordnung10.

O TCU foi construído pelo Espírito da História Universal, na ortotemporalidade histórica-institucional, e Ordnung, visando a perfectibilidade da coesão institucional sistêmica esttal, da sua organicidade substancializante e transparecendo segurança, estabilidade e governança estatal, de forma a ser uma co-extensão e co-experimentação da Tecnoburocracia Institucional.

O TCU é instituição no devir institucional, que tem sua ontologia vinculada à manter o Estado íntegro e em ortossubstancialização equilibrada (substancialização e dessubstancialização dinâmica-tensional no Universo), projetando ao Estado a ordenação pacífica das ações unitárias, da Razão institucional em ato, pondo, impondo e compondo com a Sociedade Civil, Sociedade Política, Mercado e instituições existentes, paradigmas normados, governados e ordenados.

O TCU tem seu núcleo vital sintético, sua ontologia nuclear, vinculada à determinadas realizações, concentrando-se na gradação qualitativa de governabilidade, normatividade e ordenação.

A fase de realização de-si, de seu Eu institucional tem vinculação àquelas atividades que o Poder Constituinte determinou que fosse, formando a essência institucional do TCU, apresentando formalmente a realidade governada e normada nos arts. 70 a 75 da Lei Fundamental de 1.988.

Gerir a qualidade normada atual, a Legalidade Institucional do Estado (parcela do Staatsrecht), é parte constituenda do TCU, é seu núcleo vital sintético, em diferimento minudenciado na Lei Fundamental de 1.988, uma co-extensão normada, que nada mais é que determinação da Staatspolitik existencial.

O Estado tem necessidade imperativa-ordenadora de projetar ao mundo segurança de governo, de realizar-se normativamente, face às intempéries do mundo fático, situação esta que exige a dinâmica ordenadora e decisória rumo à Estabilidade Institucional para o Bem Comum (Politikprinzipien e Rechtprinzipien).

O TCU projeta a metaética estatal-institucional ao devir, pois o Estado, ao se fiscalizar e corrigir, gera a formação axio-deontológica de sua integridade, completude e integridade como instituição, de projetar um horizonte de Fortuna suficientemente concreto e ordenado, como fator de estabilidade e deontológico ao mundo, o fazendo para-consigo e demais entes.

A dinâmica realizadora do TCU é claramente simétrica ao Eu estatal e seu grau evolutivo, viabilizando a permeabilidade dinâmica de interrelacionalmento com a Sociedade Política (etc), em omniconvivência perene, de formação do fluxo e refluxo de ações de conhecimento e controle do Estado.

A distância orbital do TCU lhe permite decisões normativas técnicas, afastando-se da lógica, logística e Espiritualidade da Política, que o rodeia, mantendo-se afastado das instabilidades e flutuações das tentativas de formação do consenso e da convivência humana.

O TCU é uma das instituições orbitais do Estado Nacional, variando em relação a outras o grau de orbitabilidade e da velocidade orbitante, transparecendo uma realidade necessária, pois é-lhe ínsito estar próximo ou remoto dos Três Poderes de acordo com suas qualidades de realização, tal como o faz perante o Poder Judiciário para execução de seus acórdãos.

Da ontologia normada e governada à teleologia vinculada há um trajeto construtor vasto, mas circunscrito pela Legalidade Institucional, que o ordena e torna o TCU instituição orgânica, visível e realizante na Staatsordnung. Este é o modal expressional funcional-operativo do TCU, que parte daquilo que ele é (modal expressional conceitual), para atingimento construtor daquilo que faz (modal expressional decisório) no devir (modal expressional funcional-operativo).

Busca o TCU conhecer, ordenar, governar e normar aquilo que é, a partir da simetria constituenda do Estado, aplicando-se o Staatsrecht, Staatspolitik e Staatsordnung, para confeccionar a densidade e complexidade axio-deontológica de-si, em projeção personalizada e personificada do Estado, em configuração institucional singular e seu modo específico de ser e existir.

Aplica-se a Metaética estatal-institucional, como completude essente do TCU (Rechtprinzipien e Politikprinzipien – Governo e Justiça – Estabilidade Institucional e Bem e Destino Comuns).

A especificação do TCU de ser, estar, pertencer, permanecer e persistir na Staatsordnung, causa e porta-lhe a imperatividade dinâmica de compor-se dialeticamente com o Universo, projetando-lhe a capacidade decisória-operativa de consolidação como instituição orbital, pois exige-lhe a superação de limites críticos evolutivos, formalizando-se na Staatsordnung histórica-concreta a ascensão/elevação construtora de-si, em formalização no mundo, em ato no devir, de uma ação unitária, decidindo o TCU em projetar seu Eu para o futuro, raciociona-se pró-futuro, em ascensão evoluenda de seu Eu, facticizando-se em atos estatais institucionais (decisões normativas concretas). É a Razão institucional no devir, que causa e porta a gradação qualitativa de estatalidade, em performance específica do Staatsrecht e Staatspolitik.

Apesar da tipologia, da estrutura, orbital, o que realmente faz do TCU ser instituição orbital aos Três Poderes é sua simetria categorial ao Estado, como ente institucional querido e determinado pelo Povo, em unidade política consolidada pela Sociedade Política, elevada àquele status e formalizado no Poder Constituinte e Lei Fundamental.

Houve uma premência de constituição de um ente institucional para que a essência estatal apresentasse a coesão orgânica suficiente para realizar o melhor possível, mantendo-se o princípio metafísico da identidade e não-contradição estatais, de forma imediata e, de forma mediata, a razão suficiente e terceiro excluído.

Tem-se a presença do Staatsrecht, Staatspolitik e Staatsordnung em simetria identitária ao Estado, excluindo-se outrem em simultaneidade, dinamicizando seu núcleo vital sintético, de forma não existir terceiro que o faça, em simultaneidade, sendo o TCU instituição estatal orbital aos Três Poderes, com ontologia e teleologia vinculada àquele núcleo vital sintético, definido e identificado desde a Constituição existencial e positivada formalmente na Lei Fundamental de 1.988.

Simultaneamente à constituição/à ontologia do TCU, há a construção ordenante/ordenadora de-si, que o TCU se faz, se dimensiona, pois não é ente estático ou estabelecido no puro pensado, na ficção pressuposta, na transcendência, na psicogênese, contra e fora da História Universal, mas sim é ente institucional dualógico, sendo espiritualidade na existencialidade, formalmente perfectibilizado na Lei Fundamental de 1988. É uma partícula ordenada, normada e governada do Staatsgeist na Staatsordnung, que se constrói, se dinamiciza, em elevação intelectível no presente e pró-futuro, tendo o passado como possibilidade simétrica de referência, de significados do Espírito da História Universal e Ordnung (Staatsordnung).

O TCU traça no seu universo intelectível institucional (Staatsordnung) a dimensão realizadora de seu Eu institucional, governando seu Lebenswelt11 e Lebensraum12, seu espírito substancializante no devir normado e ordenado, estabelecendo e assentando a coordenação de seu realizar no devir13, a ontologia essente em ato, apondo no mundo seu mundo e o estatal por derivação lógica e implicacional.

Questiona-se e busca-se saber o que o TCU é e não só o que faz, sendo este último tópico a leitura da Legitimidade Institucional positivada. Perquire-se pesquisar a essência do ente perguntando-se: o que é, aquilo que é, é ? Qual é a essência do ente, seu essente e lógica do essente.

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Se o TCU é ente institucional orbital pesquisa-se sua ontologia a partir da Filosofia do Estado (Staatsphilosophie), que forma o conceito do Estado, suficiente e necessário, para que ele atinja o estamento qualificativo de institucionalidade, e, a partir desta matricidade constituenda, a formação e desenvolvimento das instituições estatais orbitais dos Três Poderes e das demais Garantias Institucionais do Estado, já este na acepção de totalidade-síntese, de Instituição das instituições, situação esta que confere aporte de institucionalidade governada, normada e ordenada ao Estado. A obra reflete obreiro.

O Espírito estatal (Staatsgeist) acompanha a elevação em densificação e complexificação na Filosofia das instituições, a partir da Filosofia do Estado, concluindo-se da genealogia determinante-vinculativa à constituição ontológica do TCU, em ordenação descensional-configuradora de instituição, que, ao ser formalizada na Lei Fundamental de 1.988, causou e portou sua essência orbital.

A topologia geográfica/cartográfica na positividade normada é indiferente à substância, sendo mera referência distributiva de atribuições, sendo mera medida formal do TCU.

No devir o TCU determina sua espectrosfera institucional de-si, em identidade de proporção da qualidade dinâmica-funcional de-si, da dimensão do realizar de-si na Staatsordnung, em perfectibilidade do Belo estético de-si.

A identidade de proporção de-si projeta à substantividade institucional do TCU, em ordenação modular de sue Eu, pois ser e estar no devir não significa sê-lo na totalidade profunda e densa do Eu institucional, podendo fazê-lo em proporção de-si, sendo a lógica do essente de-si, governável pela Staatspolitik, sendo uma questão de dimensionar o qualitativo essente-institucional realizador da instituição no devir, em avaliação e cálculo político-normando de-si.

Governo e Estabilidade – Justiça e Bem e Destino Comuns formam o plexo implicativo-bilateral biunívoco, para que o TCU seja ético a-si e aos demais entes na Staatsordnung.

Ao proceder a transformação do devir e desenvolvimento realizador nele, o TCU perfectibiliza o condicionamento material da idéia que faz de-si (Gustav Radbruch), (derivação específica do Staatsgeist), governando-se para formar suas decisões normativas concretas, sendo esta uma causalidade transitiva para com o mundo, em interrelação dinâmico-dialética composicional e fator de reação estatal, dentro da dimensão do possível, da finitude existencial objetivada, visível e táctil.


  1. I Ter Tipi di Scienza Giuridica. Torino: Giappichelli Editore, 2002, Jus Publicum Europaeum, Collana diretta da Agostino Carrino, a cura di Giuliana Stella, ps. 49-50.

  2. Cf.: STERN, Klaus. Derecho del Estado de la Republica Federal Alemana. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1987, Tradução parcial do Tomo I: Javier Royo y Perdro Cruz Villalón, Colección “Estudios Constitucionales”, p. 111-113 e 114 e ss: “a) En este sentido el Derecho del Estado podría ser caracterizado como el conjunto de normas jurídicas que hacen referencia al Estado así como a la organización y actividad de los órganos estatales hacia el interior. Esta caracterización servía ya de fundamento al Derecho del Estado del Reich alemán de 1871. (...)” (...) “b) Un concepto tan amplio de Derecho del Estado carece de todo valor de delimitación y desconoce el desarrollo jurídico diferenciado desde hace siglo y medio. Dicho desarrollo há independizado materias jurídicas como el Derecho Penal, el Derecho de Organización de los Tribunales de Justicia, el Derecho Procesal, el Derecho Administrativo, a pesar de que también en ellos se hace referencia a la organización y función del poder del Estado. Del concepto de Derecho del Estado hay que segregar las materias jurídicas que no hacen referencia a los principios supremos de constitución, función y organización, materias que en la actualidad se han constituido ampliamente como disciplinas jurídicas autónomas. (...)” (...) “2. En este sentido existe hoy un acuerdo general sobre el concepto del Derecho del Estado en la ciencia del Derecho del Estado. Se trata por lo general de aquellas normas que de forma idéntica o semejante aprehenden y ordenan el fucionamiento del Estado desarrollado en el interior en sus principios fundamentales, em su organización esencial y en su relación básica com el ciudadano.” (...) “1. De lo expuesto en el apartado II resulta que el Derecho Constitucional es una parte del Derecho del Estado, que el Derecho del Estado abarca más que el Derecho Constitucional, ya que, por ejemplo, no todas las normas jurídicas constitutivas para la organización de los órganos supremos del Estado están incluidas en la Constitución. (...) Por outra parte, el Derecho Constitucional es en todo caso Derecho del Estado, ya que en él se tratan materias que han sido puestas por el pouvoir constituant, por el poder constituyente, es decir, por el pueblo, en una proximidad de la relación entre el Estado y el ciudadano. En este sentido pertenecen en todo caso el Derecho del Estado normas fundamentales, (...)” (Negritos no original e itálicos nossos).

  3. Cf.: Elías de Tejada, Francisco. Derecho Político. Madrid: Marcial Pons, 2008, Coleção Prudentia iuris, ps. 85-86: “Así entendido el derecho-política por momento de la evolución del espíritu universal, el conglomerado indiviso de los iuspolítico tiene una realidade forzosa porque incorpora un tramo ineludible del proceso dialético. Cada ordenación constitucional es la necesaria realización concreta – esto es, histórica, dada en lugar y tiempo determinados – del proceso dialéctico en que todos lo seres se insertan. Puesto que todo lo racional es real y viceversa, cada ordenación constitucional entre en el marco de lo racional lógicamente existente en el mundo, porque caso contrario sería imposible su existencia real, por definición racional.(...)” (itálicos nossos); STERN, Klaus in op. cit. p. 134 e ss e às ps. 128-129: “b) De la misma manera que el Derecho del Estado tiene que guardarse de proscribir lo “político” de su ámbito, así también seria erróneo mantener al derecho alejado de la política, porque sería pura “formalidad”. La política no puede ser conducida simplemente según criterios de oportunidad, sino que está vinculada a parámetros jurídicos, preferentemente del Derecho del Estado, independientemente de su fundamentación moral y ética, de la cual en el derecho sólo se trata en la medida en que valoraciones de tipo moral están incluidas en normas jurídicas. “Moralidad, justicia material y carácter nacional de una política es lo que debería orientar la vida política de un pueblo”, dice R. Smend, si bien la expresión carácter nacional debería ser substituida por la de vinculación al bien común. Normas del Derecho del Estado tienen en gran parte su origen en disputas políticas, por ejemplo, en la lucha entre el Imperio y el Papado en la Idad Media, entre los estados y el poder central en la Monarquia Absoluta y entre el Parlamento y el Monarca en el Constitucionalismo. De nuestra época se podrían citar, por ejemplo, la organización de la defensa en la Ley Fundamental como producto de la lucha en torno a la contribución de la República Federal a la política de defensa o la introducción de la constitución sobre el estado de necesidad. El derecho deja consiguientemente a los órganos políticos su ámbito de actuación política, en especial al Parlamento y al Gobierno. La relación de lo “político” com el Estado, con su organización con sus funciones y con sus órganos, muestra que lo político no puede ser excluido del Derecho del Estado si na inclusión de lo político”. De la misma manera que la Política sin Derecho es como navegar sin brújula, el Derecho del Estado sin Política es como navegar sin agua; pues lo “político” acompaña siempre el Estado, está em una conexión – inmediata – con él. Sería literalmente un Derecho del Estado sin Estado. “Con el concepto de lo político designamos una esfera dentro de la vida del Estado, en la cual se desenvuelven los auténticos procesos esenciales de la lucha por la dirección del país y por la imposición de la propia concepción, así como por la actividad de los agentes y representantes a quienes se confia la dirección del Estado. Esta esfera puede ser definida también como “vida constitucional”...” Así pues, en lo “político” vive la Constitución, es “Constitución viviente”, lo cual ciertamente no puede significar que la política es simplemente ejecución del Derecho Constitucional. La política vive dentro de la Constitución, no contra ella. La “souveranité politique” está ligada a la “legitimidad juridique.” (Itálicos nossos e negritos no original).

  4. “RECURSO EXTRAORDINÁRIO 638.115 CEARÁ

    VOTO: O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Em primeiro lugar, atesto a presença dos requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário e ressalto que a questão nele discutida teve repercussão geral reconhecida por esta Corte (decisão de 27.4.2011). O parecer da Procuradoria-Geral da República sugere que o presente recurso extraordinário não seria cabível contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça que, mantendo o entendimento fixado pelo Tribunal Regional, não debateu questão constitucional nova. Dessa forma, não havendo prequestionamento, a oportunidade para invocar matéria constitucional estaria preclusa, pois não teria sido interposto o recurso extraordinário contra a decisão da Corte regional. Para tanto, cita a consolidada jurisprudência desta Corte sobre o tema (AI-AgR 145.589, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24.6.1994). De fato, a jurisprudência desta Corte é no sentido de ser inadmissível o recurso extraordinário interposto contra decisão do STJ que, em recurso especial, fundamenta-se em matéria constitucional já apreciada e decidida na instância inferior e não impugnada diretamente no STF mediante recurso extraordinário. Assim, não interposto o recurso extraordinário contra a decisão de segunda instância dotada de duplo fundamento (legal e constitucional), fica preclusa a oportunidade processual de questionar a matéria constitucional. Novo recurso extraordinário somente é admissível para suscitar a questão constitucional surgida originariamente no julgamento do recurso especial pelo STJ (AI-AgR 155.502, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27.5.1994; RE-AgR 365.989, rel. Min. Celso de Mello, DJ 10.02.2006). Ocorre, porém, que o caso apresentado nos presentes autos é deveras peculiar. O tema referente à incorporação de quintos, por suscitar a interpretação da legislação aplicável a essa matéria (leis 8.112/90, 8.911/94, 9.624/98 e MP 2.225-45/2001), costuma ser tratado como de índole estritamente infraconstitucional. Assim, ele tem sido enfrentado pelos tribunais e também pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, essa forma de abordar a matéria representa apenas um dos enfoques possíveis quanto à questão da legalidade. Nada impede que a questão debatida em todas as instâncias inferiores, inclusive no âmbito do STJ, seja abordada desde outra perspectiva no Supremo Tribunal Federal, mesmo porque a causa de pedir do recurso extraordinário é aberta (RE 298.695, rel. min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 6-8-2003, Plenário, DJ de 24-10-2003). A mesma questão debatida, devidamente prequestionada, pode ser apreciada desde outro enfoque pelo Supremo Tribunal Federal, o qual poderá enfrentar o tema desde o enfoque constitucional, inegavelmente presente nesta matéria. Nessa hipótese, é cabível o recurso extraordinário, tendo em vista que, apreciada a questão novamente pelo STJ, apenas resta a via do recurso extraordinário para que o STF possa analisá-la sob outra perspectiva, a constitucional. E, no caso, a matéria, apreciada de forma adequada, é visivelmente constitucional. Destarte, não há, aqui, mera questão de ilegalidade, por ofensa ao direito ordinário, mas típica questão constitucional consistente na afronta ao postulado fundamental da legalidade. Embora a doutrina ainda não tenha contemplado a questão com a necessária atenção, é certo que, se de um lado, a transferência para o Superior Tribunal de Justiça da atribuição para conhecer das questões relativas à observância do direito federal acabou por reduzir a competência do Supremo Tribunal Federal às controvérsias de índole constitucional, não subsiste dúvida de que, por outro, essa alteração deu ensejo à Excelsa Corte de redimensionar o conceito de questão constitucional. O próprio significado do princípio da legalidade, positivado no art. 5.º, II, da Constituição, deve ser efetivamente explicitado, para que dele se extraiam relevantes consequências jurídicas já admitidas pela dogmática constitucional. O princípio da legalidade, entendido aqui tanto como princípio da supremacia ou da preeminência da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto como princípio da reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes), contém limites não só para o Legislativo, mas também para o Poder Executivo e para o Poder Judiciário. A ideia de supremacia da Constituição, por outro lado, impõe que os órgãos aplicadores do direito não façam tabula rasa das normas constitucionais, ainda quando estiverem ocupados com a aplicação do direito ordinário. Daí porque se cogita, muitas vezes, sobre a necessidade de utilização da interpretação sistemática sob a modalidade da interpretação conforme à Constituição. É de se perguntar se, nesses casos, tem-se simples questão legal, insuscetível de ser apreciada na via excepcional do recurso extraordinário, ou se o tema pode ter contornos constitucionais e merece, por isso, ser examinado pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda, nessa linha de reflexão, deve-se questionar se a decisão judicial que se ressente de falta de fundamento legal poderia ser considerada contrária à Constituição, suscitando uma legítima questão constitucional. Na mesma linha de raciocínio seria, igualmente, lícito perguntar se a aplicação errônea ou equivocada do direito ordinário poderia dar ensejo a uma questão constitucional. Tal como outras ordens constitucionais, a Constituição brasileira consagra como princípio básico o postulado da legalidade segundo o qual “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5.º, II). O princípio da legalidade contempla, entre nós, tanto a ideia de supremacia da lei (Vorrang des Gesetzes), quanto a de reserva legal (Vorbehalt des Gesetzes). O princípio da reserva legal explicita as matérias que devem ser disciplinadas diretamente pela lei. Este princípio, em sua dimensão negativa, afirma a inadmissibilidade de utilização de qualquer outra fonte de direito diferente da lei. Na dimensão positiva, admite que apenas a lei pode estabelecer eventuais limitações ou restrições (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed., Coimbra, 1992, p. 799). Por seu turno, o princípio da supremacia ou da preeminência da lei submete a Administração e os tribunais ao regime da lei, impondo tanto a exigência de aplicação da lei (dimensão positiva) quanto a proibição de desrespeito ou de violação da lei (dimensão negativa) (CANOTILHO. Direito Constitucional, op. cit., p. 796-795). A propósito, são elucidativas as lições de Canotilho: “Em termos práticos, a articulação de suas dimensões aponta: (I) para a exigência da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais (cf. CRP arts. 206, 266/2), pois o cumprimento concretizador das normas legais não fica à disposição do juiz (a não ser que as ‘julgue’ inconstitucionais) ou dos órgãos e agentes da administração (mesmo na hipótese de serem inconstitucionais); (II) a proibição de a administração e os tribunais actuarem ou decidirem contra lei, dado que esta constitui um limite (‘função limite’, ‘princípio da legalidade negativa’) que impede não só as violações ostensivas das normas legais, mas também os ‘desvios’ ou ‘fraudes’ à lei através da via interpretativa; (III) nulidade ou anulabilidade dos actos da administração e das medidas judiciais ilegais; (VI) inadmissibilidade da ‘rejeição’ por parte dos órgãos e agentes da administração (mas já não por parte dos juízes), de leis por motivo de inconstitucionalidade. Neste sentido pôde um autor afirmar recentemente que o princípio da legalidade era um ‘verdadeiro polícia na ordem jurídica’ (J. Chevallier).” Problema igualmente relevante coloca-se em relação às decisões de única ou de última instância que, por falta de fundamento legal, acabam por lesar relevantes princípios da ordem constitucional. Uma decisão judicial que, sem fundamento legal, afete situação individual revela-se igualmente contrária à ordem constitucional, pelo menos ao direito subsidiário da liberdade de ação (Auffanggrundrecht) (SCHLAICH, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, Munique, 1985, p. 108). Se se admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculam todos os poderes e que a decisão judicial deve observar a Constituição e a lei, não é difícil compreender que a decisão judicial que se revele desprovida de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos o princípio da legalidade. A propósito, assinalou a Corte Constitucional alemã: “Na interpretação do direito ordinário, especialmente dos conceitos gerais indeterminados (Generalklausel) devem os tribunais levar em conta os parâmetros fixados na Lei Fundamental. Se o tribunal não observa esses parâmetros, então ele acaba por ferir a norma fundamental que deixou de observar; nesse caso, o julgado deve ser cassado no processo de recurso constitucional” (Verfassungsbeschwerde) (BverfGE 7, 198 (207); 12, 113 (124); 13, 318 (325) ( BverfGE 18, 85 (92 s.); cf., também, ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerde. 2ª ed., Munique, 1988, p. 220). Não há dúvida de que essa orientação prepara algumas dificuldades, podendo converter a Corte Constitucional em autêntico Tribunal de revisão. É que, se a lei deve ser aferida em face de toda a Constituição, as decisões hão de ter sua legitimidade verificada em face da Constituição e de toda a ordem jurídica. Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal (SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, op. cit., p. 109). Enquanto essa orientação prevalece em relação a leis inconstitucionais, não se adota o mesmo entendimento no que concerne às decisões judiciais. Por essas razões, procura o Tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. Sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial (Cf., sobre o assunto, SCHLAICH. Das Bundesverfassungsgericht, op. cit., p. 109). Não raras vezes, observa a Corte Constitucional que determinada decisão judicial afigura-se insustentável, porque assente numa interpretação objetivamente arbitrária da norma legal (Sie beruth vielmehr auf schlechthin unhaltbarer und damit objektivwillkürlicher Auslegung der angewenderen Norm) [BverfGE 64, 389 (394)]. Assim, uma decisão que, v.g., amplia o sentido de um texto normativo penal para abranger uma dada conduta é considerada inconstitucional, por afronta ao princípio do nullum crimen nulla poena sine lege (LF, art. 103, II). Essa concepção da Corte Constitucional levou à formulação de uma teoria sobre os graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos fundamentais (Stufentheorie), que admite uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior for o grau de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais (ZUCK, Rüdiger. Das Recht der Verfassungsbeschwerd. 2.ª ed., Munique, 1968, p. 221). Embora o modelo de controle de constitucionalidade exercido pelo Bundesverfassungsgericht revele especificidades decorrentes sobretudo do sistema concentrado, é certo que a ideia de que a não observância do direito ordinário pode configurar uma afronta ao próprio direito constitucional tem aplicação também entre nós. Essa conclusão revela-se tanto mais plausível se se considera que, tal como a Administração, o Poder Judiciário está vinculado à Constituição e às leis (CF, art. 5.º, § 1.º). Enfim, é possível aferir uma questão constitucional na violação da lei pela decisão ou ato dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário. A decisão ou ato sem fundamento legal ou contrário ao direito ordinário viola, dessa forma, o princípio da legalidade. No caso, a decisão judicial que determina a incorporação dos quintos carece de fundamento legal e, portanto, viola o princípio da legalidade. (...)” (negritos e itálicos no original e nossos).

  5. “El concepto de ley tiene un significado central para la conformación y concreción ulterior de este concepto de Estado de Derecho. Es el eje de la constitución del Estado de Derecho. Y el concepto de ley próprio del Estado de Derecho tampoco permite diferenciar entre un concepto material o formal de ley, sino que es una categoria unitária. En ella se vincula un aspecto material o de contenido con um aspecto formal o procedimental en uma unidad inseparable: la ley es una regla general (norma general) que surge con el asentimiento de la representación del pueblo en um procedimiento caracterizado por la discusión y la publicidad. Todos los principios esenciales para el Estado de Derecho están incluidos institucionalmente en este concepto de ley, y en él reciben su forma. El asentimiento de la representación del pueblo garantiza el principio de la liberdad y la posición de sujeto del ciudadano; la generalidad de la ley impide ingerencias en el ámbito de la liberdad civil y de la sociedad más allá de sus limitaciones o delimitaciones de caráter general, esto es, válidas para todos por igual; el procedimiento determinado por la discusión y la publicidad garantiza la medida de racionalidade que el contenido de la ley puede humanamente alcanzar.” (BÖCKENFÖRDE, Ernest Wolfgang. Estudios sobre el Estado de Derecho y democracia. Madrid: Trotta, 2000, Tradução: Rafael de Agapito Serrano, Colección: Estructuras y Procesos, Serie: Derecho, ps. 17-34)”.

  6. Cf.: BÖCKENFÖRDE, Ernest Wolfgang in op. cit. p. 48: “(...) La ordenación de la vida en común de un pueblo tiene que poder retrotraerse al reconocimiento de aquellos que viven bajo ella, tiene que ser expresión de la liberdad y la autodeterminación del pueblo.”

  7. Cf.: KAUFMANN, Arthur. Derecho, Moral e Historicidad. Madrid. Ed. Marcial Pons, 2000, Tradução: Emilio Eiranova Encinas, ps. 39 e 42-43.

  8. “La Constitución no es, pues, cosa absoluta, por quanto que no surge de sí misma. Tampoco vale por virtud de su justicia normativa o por virtud de su cerrada sistemática. No se dá a sí misma, sino que es dada por uma unidad política concreta. Al hablar, es tal vez posible decir que una Constitución se establece por sí misma sin que la rareza de esta expresión choque en seguida. Pero que una Constitución se dé a sí misma es un absurdo manifiesto. La Constitución vale por virtud de la voluntad política existencial de aquel que la da. Toda especie de normación jurídica y también la normatición constitucional, presupone una tal voluntad como existente. Las leyes constitucionales valen, por el contrario, a base de la Constitución y presuponen una Constitución. Toda ley, como regulación normativa, y también la ley constitucional, necesita para su validez en último término una decisión política previa, adoptada por un poder o autoridad políticamente existente. Toda unidad política existente tiene su valor y su “razón de existencia”, no en la justicia o conveniencia de normas, sino en su existencia misma. Lo que existe como magnitud política, es, jurídicamente considerado, digno de existir. Por eso su “derecho a sostenerse y subsistir” es el supuesto de toda discusión ulterior; busca ante todo subsistir en su existencia, in suo ese perseverare (Spinoza); defiende “su existencia, su integridad, su seguridad y su Constitución” – todo valor existencial.” (Itálicos no original e nossos). (SCHMITT, Carl. Teoría de la Constitución. 5ª reimpressão. Madrid: Alianza Editorial. 2006, Apresentação e Versão espanhola: Francisco Ayala, Epílogo: Manuel García-Pelayo, Alianza Universidad – Textos, p. 46.)

  9. Cf.: KAUFMANN, Fritz, Filosofia da História in A Filosofia no século XX. KAUFMANN, Fritz (org). 4ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Goubenkian, Tradução e Prefácio: Alexandre F. Morujão, p. 476-477 e ss: “Mesmo o domínio técnico crescente do homem sobre a natureza pode incluir uma tal sanção. Significa este domínio, neste caso, uma liberdad que foi oferecida e confiada aos “filhos de Deus”. De modo algum necessita, mesmo precisamente nas formas de vida e de trabalho, quase insuspeitadas em signo de automação, de cair na automatização que ameaça a actual indústria fabril. Pode ser compreendido como vocação, início da Bíblia e de facto assim foi ao princípio entendido. No captar dessa determinação não se gasta apenas a obstinação do homem. Porém, a relação do homem à natureza não se encontra, de modo algum, limitada a adquirir, pelo esforço, esse poder sobre ela. Tem a sua profundeza originária e sua historicidade interna em que tudo o que é terreno “estranhamente nos diz respeito”, se nos oferece à apercepção e conservação e ganha em nós uma presença nova, explícita e uma forma bem esboçada. A ciência do Homem não se realiza apenas na ação exterior, na intervenção de facto no mundo real que ele mesmo forma, mas já na captação espiritual, numa espécie de movimento ontológico, na realização de um encargo da natureza que dele necessita como ele dela. A natureza regressa ao homem como se sai dela; ela encontra-se estabelecida nele e é próprio dele ouvir-lhe as solicitações. Da concepção da sensibilidade até à visão artística e entendimento do conceito científico realiza-se um processo multiforme, cuja história não é um simples sucesso natural, mas uma acção formadora em nós, na qual a natureza, permanentemente, ganha a sua forma histórica. A consciência e a consciencialização humanas têm, assim entendidas, uma função produtiva e teleológica que – para o domínio da nossa experiência – dá razão “no fim”, não no princípio, ao idealismo: trazemos no espírito algo acabado que está confiado à nossa habilidade. A ordenação de que damos conta, nesta correlação entre homem e cultura, remete também para um princípio primário de ordem que apenas tacteamos como um a priori de toda a experiência. Revela-nos um ser em que – para além de nós próprios – podemos participar. Possibilita o encontro com as coisas, num contacto que nos pode arrancar à indiferença e captar e formar a nossa natureza inteira; reciprocamente, também as coisas, neste encontro, adquirem a forma da aparência, percebemos o que lhes diz respeito e o significado e abordamo-las a partir desse último. A unidade do perceber e do aparecer (o mais maravilhoso de todos os fenómenos, no dizer de Hobbes) remete para uma origem a que corresponde todo o ente – o ser comum, de cuja distribuição participamos, com todos os outros e dá base e ressonância a toda a participação. Respeitamos esta unidade originária do ser participado, também e sobretudo na dualidade da natureza e da história do próprio homem, se bem que ambas se tornem válidas em nós, segundo aspectos e relações contrárias – em constância regular, por um lado, em suplemento a si próprio [...], por outro. São diferentes como raiz e copa da árvore que se orientam em sentidos opostos embora pertençam a um só tronco e um só desenvolvimento; ou como os rios que, provenientes da mesma nascente, correm cada um para seu lado.” (...) “A vida histórica – pode-se afirmar – cresce em contradição com a vida natural, sem nunca de todo a superar. Necessita de um enraizamento primitivo natural assim com forma uma base, històricamente originária. Recìprocamente, depende da natureza, a quem deve a sua existência, na medida em que apresenta à natureza uma profunda presença de si mesma e a transforma na paisagem do mundo histórico.”

  10. A Ordem tem a acepção de coexistência e convivência harmônica e possível da Sociedade, dentro da evolução histórico-cultural de uma Nação. Ordem pode ter a acepção diretividade das condutas humanas no sentido coexistencial possível da vida em agregação e aceitação social pela maioria daquele corpo social. A Ordem também pode ser vista como fator estruturante dinâmico da Sociedade, no sentido de mantê-la coesa como um todo e propiciar que os plúrimos estratos sociopolíticos possam conviver em uma harmonia possível. É uma existencialidade limitante já instituída, tendo o mínimo de coerência e coesão sistêmicas. É uma conjunção de conglobalidades sistêmicas entre a Sociedade e a Política (é a soberania política do Estado no sentido de momento de encerramento do sistema político (N. Bobbio in op. cit ps. 250-251), tal como a norma fundamental kelseniana. Há o sistema social coeso (Niklas Luhumann) e sobre ele aderido institucionalmente a soberania política – a auctoritas estatal, daí a coesão e a coerência, que ambos devem ser compreendidos como uma fenomenologia unificada que congloba áreas do conhecimento humano diversas. Não há em hipótese alguma submissão de uma por outra, mas metodologia de análise pertinente ao objeto do estudo. Daí é possível observar a governança e a governabilidade estatais da unidade política do povo. Cf.: CENZANO, José Carlos de Bartolomé. El orden público como límite al ejercicio de los derechos y libertades. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constiucionales, 2002, p. 95 e ss; DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, ps. 54 e ss; SALDANHA, Nelson. Ordem e Hermenêutica. 2ª Edição Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo – Parte Introdutória, Parte Geral e Parte Especial. 13ª edição, totalmente revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 400.

  11. Cf.: HEIMSOET, Heinz in op. cit. ps. 66-67: “A “espontaneidade” da vida é pois o princípio directivo e a característica essencial que, tanto a respeito do organismo individual como da evolução das espécies, se destaca hoje cada vez mais, de novo, na crítica do Darwinismo e do seus conceitos fundamentais. Às simples relações de “reacção e estímulo” e de “adaptação ao meio”, opõe, por exemplo, a doutrina de Uexküll sobre os “ambientes” (como um todo articulado) e quem constrói para si, em harmonia com as suas particulares características, o seu próprio pequeno mundo e o “espaço vital” em que há-de mover-se. Assim, a grande diversidade que de facto se nota entre os vários “ambientes” vem a ser explicada pela espontaneidade da vida e das suas direcções endogénicas e deixa de ser por quaisquer considerações físico-fisiológicas, como até aqui acontecia. A idéia kantiana da condicionalidade subjectiva da realidade empírica, particularmente do mundo externo, no meio do qual o homem se encontra, vem também deste modo a achar-se ampliada ao domínio da Biologia. – De resto, não deixam de alcançar também uma extraordinária importância para a determinação fundamental do novo conceito da vida as investigações biopsíquicas, recentemente retomadas, sobre o problema do instinto, sobre os actos instintivos e de inteligência dos animais, sobre a vida e a experiência, a vida e a memória, movimento, acção e jogo destes. É sobretudo aqui que se abrem para a concepção autonómica da vida e das específicas categorias da região biológica novos horizontes e se patenteia a absoluta insuficiência das explicações mecanicistas de outros tempos. E assim se vai, numa palavra, preparando de novo o terreno para a profunda convicção de que a vida tem de ser compreendida e interpretada de dentro para fora, e não de fora para dentro, segundo caracteres que nós, os homens, aliás podemos muito bem compreender sem sairmos de nós próprios, embora possamos correr assim o risco de cairmos numa falsa interpretação exclusivamente humana das coisas.” (Itálico no original e nossos).

  12. Cf.: NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito – do Estado Liberal ao Estado social e democrático de Direito. Coimbra: Almedina, 2006, ps. 184-185 e nota de rodapé nº 455 à p. 185: “Como vimos, tratava-se, agora, não de actuar sobre aspectos parcelares da sociedade civil, mas de desenvolver uma actuação global, da qual a política económica constituía um instrumento basilar, tendente à conformação ou estruturação da sociedade pelo Estado e não apenas à mera correcção das deficiências marginais de um sistema auto-regulado. Este projecto, orientado para a prossecução de uma justiça social generalizada, desenvolve-se, não apenas numa política económica com o sentido referido, mas também na providência estadual das condições de existência vital dos cidadãos, na prestação de bens, serviços e infra-estruturas materiais, sem os quais o exercício dos direitos fundamentais não passa de uma possibilidade teórica e a liberdade de uma ficção; o Estado social é, fundamentalmente, um Estado que garante a integração existencial, que se responsabiliza pelo que a publicística alemã – sob influência de Forsthoff – designa por Daseisvorsorge.” (...) “Caracterizando como espaço vital (“Lebensraum”) o conjunto de bens, serviços, relações e situações materiais ou culturais em cujo âmbito o homem desenvolve a sua existência, Forsthoff distingue, dentro dele, o espaço vital dominado (“der beherschte Lebensraum”) do espaço vital efectivo (“der effektive Lebensraum”). O primeiro é integrado por tudo que lhe é atribuído – independentemente da condição de proprietário – de forma tão íntima ou intensa que o homem concreto pode permanentemente dispor e utilizar numa relação de senhorio ou predomínio (é, assim, o caso de sua propriedade, do seu poço, da sua casa, da sua oficina ou do seu posto de trabalho na fábrica); o espaço vital efectivo é constituído, por sua vez, por todos os bens e serviços que o homem não domina, que lhe são alheios, mas em cujo âmbito decorre efectivamente a sua existência concreta (o sistema de transportes e telecomunicações, os serviços de água, electricidade, gás, o ordenamento urbanístico). Ora, analisando as alterações produzidas no espaço vital a partir do século passado, Forsthoff conclui pela constatação de duas tendências irreversíveis: por um lado, as grandes concentrações urbanas e as deslocações das populações dos seus locais de origem provacam uma redução decisiva do âmbito do espaço vital dominado; paralelamente, o progresso tecnológico compensa aquela redução através do alargamento constante do espaço vital efectivo. Esta transformação nas condições de desenvolvimento da existência – em que tendencialmente o homem perde o domínio e controle sobre um cada vez mais amplo conjunto de bens e serviços que utiliza para viver – repercute-se decisivamente no plano das funções do Estado, na medida em que a diminuição progressiva da auto-suficiência (relativamente à qual não se pode fazer uma valoração negativa, pois este processo pode ir a par e ser sentido como um instrumento da liberdade perante o Estado e da felicidade individual) deve necessariamente ser compensada por uma actividade do Estado dirigida a assegurar as condições vitais de existência de que o homem carece, ou seja, pelo Daseinsvororge.” (Itálicos no original e nossos).

  13. Cf.: QUINTAS, Fátima. Humanismo e Historicismo em Nelson Saldanha. In: Direito e Poder – Nas Instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos, ps. 700, 700-701 e 703, respectivamente: “O homem será sempre o protagonista da vida, desde que internalize capacidades criativas. Homem criador de si e de História. Afeito às proposições que desenvolvam potencialidades para além da sua permanência – desejo de Eros, negação de Thanatos. Travesia temporal com marcas e carimbos de hominização. As contradições fazem parte do espírito e, sem o aparato quase épico das dualidades, não se poderia entender o núcleo existencial de cada um. Platão interroga: É necessário que tudo quanto tem um contrário seja gerado unicamente do seu contrário ? Assim, quando algo se torna maior não é, sem dúvida, necessário que tenha nascido de algo que era antes menor e logo depois se faça maior ?” (...) “Com base nos dualismos constitutivos, gostaria de altear o cenáculo das metáforas. Ortega enfatiza que “el hombre no tiene naturaleza sino que tiene historia”; assim, ele incursiona nas constantes antropológicas que referenciam comunidades e grupos em tempos e espaços correlatos. Não é demais lembrar que os universais da cultura inscrevem-se na lápide primeva da representação humana – assinale-se que Jung se debruça sobre as representações fundamentais, semelhando-as a idéias gerais e imagens sensíveis. O ser e o estar no mundo se dialogicizam em constâncias e inconstâncias. Pactos unívocos mediante sinuosidade perenes. Por conseguinte, o homem está sempre ancorado em oposições, em surtos constrativos, em antinomias pontuais: o nascer e o morrer, o princípio e o fim, as fraquezas e as coragens, o passado e o futuro... Há que se ressaltar a vivência entre. E entre a casa e o mundo, entre o sagrado e o profano, germinam as sementes do espírito e da alma. Entre o jardim e a praça, entre o côncavo e o convexo, entre as similitudes e as diferenças, giram variâncias e invariâncias. O jardim sendo fechado é lírico, e a praça sendo aberta é épica. O jardim é côncavo, a praça é convexa. O jardim encerra a biografia, a praça a história; um é introvertido, a outra extrovertida. Dois momentos, duas dimensões do humano e da sua projeção na (ou sobre) as coisas. O homem moderno dessacralizou o mundo e assumiu uma existência profana. Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, portanto, existe um espaço sagrado, que é forte e significativo, enquanto dominam também espaços não sagrados, esses sem estrutura nem consistência. Em suma: amorfos. Para o homem religioso, esta não-homogeneidade espacial traduz-se pela experiência de uma oposição entre o espaço sagrado – único que é real, que existe realmente – e todo o resto, a extensão informe que o cerca.” (...) “Nelson [Saldanha], orteguianamente Nelson, lida com a angústia do tempo associando-a ao espaço e, de uma maneira ou de outra, sem posições ortodoxas; quase um anacoreta em desertos contemplativos, desemboca na concepção triádica – a trindade como lastro de sustentação do cosmos, talvez até mesmo em Hegel – do verdadeiro humanismo. Homem, tempo e espaço. Estar no mundo pressupõe uma epígrafe de tempo e de contexto. A consciência do viver invoca valores abstratos e concretos que materializam as representações do eu. A idéia da circunstância, tão do agrado de Ortega, não irrompe como uma abstração isolada, mas, sim, como uma convergência de situações que incidem em pesos que se quer em equilíbrio. As relações humanas lutam por essa harmonia nem sempre alcançável, embora invariavelmente perseguida.” (Itálicos no original e nossos); SALDANHA, Nelson. Filosofia, Povos, Ruínas, p. 131: “2 – A noção de “mundo” e sua evolução. Do oikos grego, e do kosmos, passando pelo orbis terrarum, chegou-se ao “mundo” e à “consciência planetária”: a fenomenologia husserliana falava em Lebenswelt (mundo-da-vida), Heidegger definiu o homem como um ser que está no mundo (ser ou estar no mundo, in der Welt sein). Tivemos então a humanização do conceito de mundo, dentro da filosofia e a partir destas referências.” (Itálicos no original e nossos); HEISOETH, Heinz. A Filosofia no século xx. 5ª edição. Coimbra: Arménio Amado Editora, Tradução: Cabral de Moncada, Coleção Stvdium, ps. 49-50: “(...) A reflexão transcendental da consciência tenta assim aprofundar-se cada vez mais, procurando converter-se numa “Filosofia da Vida”. É o que se vê no movimento que começa com Dilthey e vem até Heidegger. As preocupações humanas em torno do “cogito” voltam-se radicalmente, de todos os lados, para o “vivo”. O enquadrinhamento dos modos possíveis da nossa conduta e da organização fundamental a dar à vida humana, domina decisivamente a reflexão filosófica. A problemática desta impele-nos, por sobre a idealidade abstracta duma “consciência” sem mais nada – duma Bewusstein überhaupt – para encaramos directamente o sujeito real da experiência, da vivência e da vontade. O homem inteiro, olhado em todas as suas relações e pontos de referência (activos e de sofrimento inclusivamente), com os seus mundos ambiente e concomitante, não só na sua vida actual como na sua vida histórica, vai pois caindo, com todo um mundo de novos problemas, para fora do quadro duma simples Teoria do conhecimento. A simples contraposição entre os conceitos de Ideal-volente e Real-psíquico tornou-se insuficiente. Do que se trata é de apreender as estruturas fundamentais do conhecimento; não só as categorias da razão e do “perceber”, como as formas do “compreender”, como estas se constituem e nascem no seio das forças reais da vida, no seu condicionamento e na sua permanente mutação histórica. A Psicologia e a Sociologia do conhecimento, como tema parcial dentro da problemática da vida e do conhecimento, tornaram-se, enfim, um tema positivo capital para o estudo filosófico moderno, depois de terem sido abandonados o Psicologismo e o Sociologismo do século xix.” (Itálicos no original e nossos); HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento, p. 101.

Sobre o autor
Marcelo Elias Sanches

Especialista em Direito Tributário, Direito Processual Civil e Direito Público; Mestre em Direito Político e Econômico.Advogado da União Federal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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