DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Tatiana Conceição Fiore de Almeida1
Resumo: Nesse artigo trago elucubrações sobre a natureza jurídica da Dignidade Humana com fundamento do Estado Democrático de Direito, constitucionalizado e argumentativo relevante, para a concretude no processo decisório e não apenas ornamento retórico de raciocínio jurídico vago e inconsistente para problemas complexos que envolvem direitos sociais materialmente fundamentais, em cujo domínio merece destaque de mínimo existencial, com a preservação do núcleo essencial, de eficácia direta e imediata, que não fica ao arbítrio estatal.
Palavras-Chaves: Dignidade da Pessoa Humana; Fundamento Constitucional; Estado Democrático de Direito; Mínimo Existencial; Núcleo Essencial; Eficácia.
INTRODUÇÃO
Já dizia Machado de Assis, in Diário do Rio de Janeiro, de 29/12/1861 “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”, e enseja uma reflexão ao ponto nevrálgico da formulação engendrada por Ferdinand Lassale, que resumidamente lecionava que no país existem a Constituição Real/Efetiva abrangida numa concepção sociológica como o somatório dos fatores reais de poder e a Constituição Escrita/Jurídica; e tomando como exemplo a Prússia da segunda metade do século XIX explica a prevalência da Constituição Efetiva existente na Civilização desde a Idade Média como reflexo da dominação de grupos empoderados no domínio político-econômico-social; a Aristocracia, a grande Burguesia, os Banqueiros; e, enquanto "Poder inorgânico"- poderoso mas desorganizado- a Classe Operária e a Pequena Burguesia, partículas menores que se tornariam realmente partícipes da Constituição nos 'casos extremos e desesperados'. Demonstrando que as Constituições só lograrão êxito se estiverem em consonância, pois, em um eventual conflito as forças de Poder adquirem supremacia em relação à folha de papel.
Adotando como base este socialdemocrata contemporâneo de Karl Marx, em notória subordinação da normatividade constitucional ao jogo político, podemos dizer que esse movimento ideológico e político, que sobeja um ponto de vista jurídico e sociológico, para conceber normas racionais e obrigatórias, para governantes e governados, concebendo um movimento social o constitucionalismo moderno de caráter meramente retórico, que apenas limita o poder; e o neoconstitucionalismo, de caráter ideológico que dá efetividade aos direitos fundamentais.
Abram parênteses, sob a aparência de ruptura, a despeito de sua relativa proeminência na história das idéias, somente no final da segunda década do século XX é que a dignidade da pessoa humana passou a figurar nos ordenamentos jurídicos, e antes de viver sua apoteose como símbolo humanista, esteve presente em textos com pouco pedigree democrático, como o Projeto da Constituição francesa, de 1940, do Marechal Pétain, durante o período de colaboração com os nazistas2, e em Lei Constitucional decretada por Francisco Franco (1945), durante a longa ditadura espanhola3.
Após a Segunda Guerra Mundial, a dignidade humana foi incorporada aos principais documentos internacionais, como a Carta da ONU (1945), a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e inúmera outros tratados e pactos internacionais, passando a desempenhar um papel central no discurso sobre direitos humanos.
Na esfera do direito constitucional, a datar do segundo pós-guerra, inúmeras Constituições incluíram referência expressa à proteção da dignidade humana em seus textos ou nos preâmbulos, e mesmo em países nos quais não há qualquer menção, a jurisprudência invoca seu alento jurídico e argumentativo, em decisões importantes, dando início a um diálogo transnacional.
No plano do direito comparado, dignidade humana sempre esteve no centro das discussões de inúmeros casos representativos, nenhuma Corte Constitucional fica alheia a tais fatos, e nessa contextualização cabe em analogia a célebre frase de Norberto Bobbio “o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos humanos, não é mais o de fundamentá-los e sim protege-los.”.
Nesse aspecto, entender o processo político e de organização é compreender a fragilidade do Estado, e que as conquistas inseridas na Constituição Federal de 1988 não impediram dada a sua enunciação, por preceito de eficácia e não direi contida, mas redutível, que a gente viva essa constante busca de integração entre o texto regulamentado e suas garantias.
Considerando o conteúdo Ideológico da Constituição Federal vigente, a necessidade a atuação estatal, a consagração da igualdade substancial, bem como os direitos sociais de 2ª dimensão, nos posiciona frente ao dirigismo estatal; e retirar esses direitos fundamentais da Lei Maior é impor mais desigualdades de oportunidades, fragilizar ainda mais o Estado em sua materialização de “DEVER”, que necessitaria ser proporcional – saúde a todos, proteção a eventuais riscos e dar segurança ao povo, visto que o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito.
NATUREZA JURÍDICA DA DIGNIDADE HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana é um conceito filosófico e abstrato que determina o valor inerente da moralidade, espiritualidade e honra de todo o ser humano, independente da sua condição perante a circunstância dada.
A doutrina jurídica estabelece duas correntes: (a) como o principal guia do direito, que tem como propósito a efetiva e completa análise e ponderação do ser humano enquanto tal dentro da esfera jurídica; (b) e aqueles que compreendem que seu significado, por ser abstrato e filosófico, é vazio de aplicação prática e material.
No entanto, o ordenamento jurídico não conta com uma definição específica, restando a inúmeros autores a busca pela identificação e conceituação, e partem quase sempre de um conceito axiológico que têm por base a ideia de bom; agregando outros valores centrais para o Direito, como justiça, segurança e solidariedade.
Segundo Ana Paula de Barcellos, quatro foram os momentos históricos fundamentais para a construção do que temos hoje como dignidade da pessoa humana. São eles: (a) Cristianismo, que revelou um sentimento de solidariedade que será refletido nas noções de direitos sociais e mínimo existencial; (b) Iluminismo humanista, que põem fim a visão religiosa em detrimento da razão humana, lançando luzes para direitos individuais e a democracia, além de buscar a igualdade entre os homens no âmbito político; (c) Immanuel Kant, que oferece o que até hoje se percebe como a formulação mais consistente e complexa da natureza do homem e suas relações - dispõe de uma dignidade ontológica e somou-se a ideia de separação dos poderes e direitos individuais e, a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, os direitos sociais; e (d) Segunda Guerra Mundial, como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos organismos internacionais.
Abrindo parênteses, ouso a refletir sobre os elementos históricos, senão vejamos:
(a) o Cristianismo a meu ver desponta muito mais irmandade, pois permite a formação de uma força pública capaz de criar a unidade entre os cidadãos de promoverem a sociedade como um novo sujeito de direito, com a necessidade de se criarem e aperfeiçoarem os sistemas de exercício e tutela dos direitos na contemporaneidade. Que contempla o resgate do princípio da fraternidade residente na visão de que a concretização de direitos perpassa as categorias política e jurídica, permitindo que enxerguemos deveres ao lado de direitos individuais de modo a harmonizar os diferentes pontos de vista de cada ser humano em uma sociedade plural e solidária, Após a superação de obstáculos econômico, cultural e organizacional, aí sim, alcança a solidariedade que serve como meio de realização da dignidade da pessoa humana, de modo a atender aos fins da justiça social, equitativamente.
(b) Nesse aspecto a idéia do iluminismo humanista de equivalência, equidade que advém da democracia, de ser livre, igual, e capaz de exercer cidadania, e detentor de direitos que pode ser satisfeito quer pelo atendimento individual, quer pela oferta de serviços públicos adequados. O mínimo existencial constitui um núcleo essencial do direitos fundamentais em geral e seu conteúdo corresponde às pré-condições para o exercício dos direitos individuais e políticos, da autonomia privada e pública.
(c) Há uma nítida distância – para não dizer incompatibilidade – entre a enunciação teórica da dignidade da pessoa humana em Kant e a sua aplicação no campo do direito. Em que pese dispor sobre a dignidade ontológica como um processo de auto edificação que não se dá de forma vertical e sim como horizonte, o reconhecimento constitui a regra ético-jurídica fundamental, que estabelece a cada homem o direito ao respeito. Ainda, no pensamento de Kant, a conceituação de dignidade como sendo a qualidade daquilo que não tem preço e a sua atribuição ao ser humano, justamente porque não é instrumento, senão um fim em si mesmo. E não descuidou de demonstrar que a tal prerrogativa do ser humano racional no sentido de ser "legislador universal" não o exime de submeter-se a esta mesma legislação. No entanto, é preciso destacar que Kant se limitou a tratar do direito à liberdade, e no que concerne ao que titulava de "Direito Privado" e, discorrendo acerca do apossamento jurídico das coisas, manifestou posicionamento incompatível com a idéia de dignidade de pessoa humana que se tem atualmente, na medida em que admitia que seres humanos pudesse ser objeto de posse jurídica exercida por outra pessoa. Outro ponto a ser destacado é a visão da legalidade e separação dos poderes, que para Kant é capaz de garantir a liberdade individual, finalidade principal do Estado. E decorre das premissas, onde a lei é fruto da vontade geral e racional dos indivíduos, que agem movidos pelo imperativo categórico universal, que vincula inclusive o governo, assumindo a forma de princípio da legalidade4. A formulação kantiana da situação dos três poderes fornece o ponto de partida para a afirmativa de que a existência da jurisdição constitucional é incompatível com o princípio de soberania popular, na medida em que o poder que representa a vontade coletiva se vê limitado pelas decisões de um tribunal constitucional, se constata a inversão da superioridade da vontade coletiva. O Poder Legislativo comprova a invalidação de suas decisões por uma corte que não enfrentou a vontade popular. Ainda que tais cortes sejam formadas por membros indicados pelo Poder Legislativo, o vício da legitimidade não está sanado: estes membros irão controlar a constituição, e no desempenho desta tarefa a possibilidade de ultrapassagem dos limites traçados pelo constituinte é inevitável. Assim, a conclusão para natureza jurídica da Dignidade Humana com fundamento do Estado Democrático de Direito, constitucionalizado e argumentativo relevante, e não apenas ornamento retórico de raciocínio jurídico, equivaleria a admitir que o poder deliberativo último não emana do povo, mas, da Suprema Corte. Significaria, ademais, preconizar que o poder de estabelecer as opções políticas da nação, bem como as regras do jogo democrático, não é exercido por meio de representantes eleitos, mas, sim, por integrantes do órgão de cúpula do Poder Judiciário. E o acesso a justiça, como intuitivo, o instrumento à obtenção das prestações correspondentes ao mínimo existencial quando não tenham sido entregues espontaneamente.
(d) Não subsiste ao princípio democrático nenhuma manifestação autocrática de poder, invocada como prerrogativa exclusiva e inderrogável de uma pessoa ou instituição. Como tratar então de valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação estatal e dos organismos internacionais. A dignidade da pessoa humana para se aproximar do Direito, tornando-se um conceito jurídico, deontológico – expressão de um dever-ser normativo, e não apenas moral ou politico. Afigura-se legítimo, pois, que os cidadãos exijam uma postura republicana de respeito mútuo e cooperação recíproca, sem que uma instância se arrogue como proprietária da verdadeira e última interpretação do sentido e do alcance das normas constitucionais. Nesse viés, a dignidade da pessoa humana, sem deixar de ser um valor moral fundamental, ganhará também status de princípio jurídico. É bem de ver que, embora valor e princípio sejam categorias distintas no plano teórico, como apontado, eles estão intimamente relacionados e não se diferenciam de maneira relevante do ponto de vista prático, bastando que se reconheça a comunicação entre o plano axiológico e o deontológico, isto é, entre a moral e o direito. Fechamos parênteses.
Ainda pensando na natureza jurídica, a Constituição Federal de 1988, não inseriu a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos fundamentais, apenas considera o princípio como fundamentos da República Federativa do Brasil. Assim é, segundo Jorge Miranda, “fundamento e fim da sociedade”.
Entretanto, é inegável, que o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana se relaciona com os direitos fundamentais, e por esse motivo, justamente a partir da ‘Grundgesetz’ de 1949 que foi considerado não unicamente um direito fundamental, mas a própria base conceptual-normativa dos direitos fundamentais e, consequentemente, de todos os outros direitos, sendo que a sua “conceptualização” encontra raízes teológicas e filosóficas antes que jurídicas.
O CONCEITO DO PRINCÍPIO DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A identificação da dignidade humana como um princípio jurídico produz consequências relevantes no que diz respeito à determinação de seu conteúdo e estrutura normativa, seu modo de aplicação e seu papel no sistema constitucional.
Princípios são normas jurídicas com certa carga axiológica, que consagram valores ou indicam fins a serem realizados, sem explicitar comportamentos específicos. Sua aplicação poderá se dar por subsunção, mediante extração de uma regra concreta de seu enunciado abstrato, mas também mediante ponderação, em caso de colisão com outras normas de igual hierarquia.
Além disso, seu papel no sistema jurídico difere do das regras, na medida em que eles se irradiam por outras normas, condicionando seu sentido e alcance.
André Ramos Tavares para conceituar a dignidade da pessoa humana, aponta a explicação de tal princípio nas palavras de Werner Maihofer:
“A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total auto disponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação (Selbstbestimmung des Menschen) que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que de uma predeterminação dada pela natureza”.
Ana Paula de Barcellos, explica que:
“A dignidade humana pode ser descrita como um fenômeno cuja existência é anterior e externa à ordem jurídica, havendo sido por ela incorporado. De forma bastante geral, trata-se da ideia que reconhece aos seres humanos um status diferenciado na natureza, um valor intrínseco e a titularidade de direitos independentemente de atribuição por qualquer ordem jurídica”.
Penso que a dignidade deve ser pensada como um conceito aberto, plástico, plural, e para esse fim é preciso compreender se 'dignidade da pessoa humana' conteria um pleonasmo vicioso, de reforço ou estilístico? Não vislumbro como uma redundância desnecessária, descartando o pleonasmo vicioso. Quando não usado intencionalmente seria o pleonasmo de reforço ou estilístico.
Percebo que a intenção, um propósito, uma vez que a dignidade é intransponível, garantindo (obrigando) que o Estado possa agir de forma que proteja e tutele, in primis, a Pessoa Humana, pelo fato de serem direitos não patrimoniais, absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis e imprescritíveis.
Há que se considerar que as pessoas, assim como as próprias instituições públicas e privadas, não podem ou pelo menos, não deveriam dispor desses direitos de forma a desrespeitar a condição humana do indivíduo ou expor o ser humano, enquanto tal, em posição de desigualdade perante os demais, desconsiderando e reduzindo a sua pessoa à condição de bem ou coisa.
E dessa forma, o Estado é obrigado a agir para garantir um conteúdo mínimo e igualitário à esfera jurídica de cada pessoa.
Nesse sentido, inspirada na passagem de Jürgen Habermas, que diz: ″Em razão da promessa moral de igual respeito por todos dever ser descontada em moeda legal, os direitos humanos exibem uma face de Janus, voltada simultaneamente para a moralidade e para o Direito. Nada obstante seu conteúdo exclusivamente moral, eles têm a forma de um direito subjetivo exigívelʺ, em face das mudanças e transições que enfrenta o Estado Democrático de Direito, é que o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser entendido como a garantia das necessidades vitais de cada indivíduo.
A EFICÁCIA DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A dignidade da pessoa humana possui efeitos capazes de influenciar decisivamente a solução de casos concretos.
Há teorias sobre a eficácia puramente vertical, atinente às relações entre Estado e indivíduos; e outras sobre a possibilidade de conferir eficácia também às relações intersubjetivas, de que os direitos fundamentais também vinculam as ações dos particulares nas relações com outros indivíduos.
A eficácia vertical é aquela dirigida exclusivamente ao Estado, quando este se relaciona com os indivíduos, significa dizer que o Estado deve, ao exercer a atividade administrativa ou legislativa, respeitar os direitos fundamentais.
No que se refere à eficácia horizontal, sugere que os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma direta às relações entre particulares, da mesma forma como são aplicados na relação entre o Estado e os indivíduos, ainda que com temperamentos.
É possível sistematizar as modalidades de eficácia dos princípios em geral, e da dignidade da pessoa humana em particular, em três grandes categorias: (a) a eficácia direta denota a possibilidade de se extrair uma regra do núcleo essencial do princípio, permitindo a sua aplicação mediante subsunção; (b) a eficácia interpretativa significa que as normas jurídicas devem ter o seu sentido e alcance determinados da maneira que melhor realize a dignidade humana, que servirá, ademais, como critério de ponderação na hipótese de colisão de normas; e (c) a eficácia negativa paralisa, em caráter geral ou particular, a incidência de regra jurídica que seja incompatível – ou produza, no caso concreto, resultado incompatível – com a dignidade humana.
Existem outras teorias, mas essas bastam para finalidade almejada, uma vez que a Constituição Federal de 1988, quando trata do núcleo essencial, que compõem mínimo existencial dos direitos fundamentais, este implementa ações afirmativas da dignidade da pessoa humana, é preconiza a eficácia horizontal direta.
Importante ressaltar que diante da ação afirmativa que preconiza a eficácia horizontal direta, impõem-se também a eficácia vedativa do retrocesso decorre justamente do princípio do Estado Democrático e Social de Direito; do princípio da dignidade da pessoa humana; do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais; do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo essencial.
O MÍNIMO EXISTENCIAL COMO NÚCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A dignidade está subentendido nos direitos sociais materialmente fundamentais, em cujo domínio merece destaque o conceito de mínimo existencial.
O Estado deve compreender que os direitos sociais, tem efeito catraca, ou ‘efeito cliquet’5, o comportamento positivo que se fundamenta no âmbito do Estado Social de Direito com vistas à implementação dos direitos sociais, provoca efeitos na atuação do legislador, do administrador público e do julgador, atrela o legislador no dever de respeitar o núcleo essencial ao regulamentar os direitos; e o administrador no dever de realizar as políticas públicas dentro no mínimo essencial, à ideia contida no núcleo essencial é fazer com que o Estado sempre atue no sentido de melhorar progressivamente as condições de vida da população, no sentido de que não é possível a revogação de uma lei que protege direitos fundamentais sem a substituição por outra que ofereça garantias com eficácia equivalente.
Por integrar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, o mínimo existencial tem eficácia direta e imediata, operando tal qual uma regra, não dependendo de prévio desenvolvimento pelo legislador.
Qualquer medida estatal que tenha por desígnio eliminar garantias essenciais já praticadas para a plena realização da dignidade humana deve ser vista com receio e somente pode ser acolhida se outras medidas mais eficazes para obter o mesmo desiderato forem adotados.
A garantia de intangibilidade desse núcleo essencial de matérias, inserido no ordenamento constitucional como cláusulas pétreas, além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, sobretudo o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares, evitando por meio de uma proibição, que normas de cunho eminentemente social, em especial de cunho fundamental, sofram reduções ou supressões dos níveis de efetividade e eficácia, por meio de reformas constitucionais, legislativas e até mesmo administrativas, cuja garantia se dá com a efetiva estabilidade disposta pela segurança jurídica.
Ocorre que o Estado faz mal uso da sua atribuição, e tenta valer-se da jurisprudência da crise, para esvaziar a importância da Dignidade Pessoa Humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, constitucionalizado e argumentativo relevante e criar embaraços técnicos e práticos, sob pretexto de não ter condições de fornecer o mínimo existencial, para promover o bem estar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tecemos conjecturas para estabelecer critérios para aplicação efetiva e eficaz da Dignidade da Pessoa Humana, e não apenas como mero reforço argumentativo de algum outro fundamento ou como ornamento retórico.
Considerando a ideia da dignidade da pessoa humana, sua natureza jurídica, seus conteúdos mínimos, e fazer parte da estrutura fundante do Estado Democrático de Direito, a Justiça Social, como o próprio nome indica, refere-se àquela espécie de justiça que busca restabelecer aos necessitados seus anseios mais prementes, sendo certo que esta deve seguir o critério de conformidade às necessidades de cada indivíduo, tendo mesmo ou não, contribuição a oferecer em contrapartida, na medida em que é por intermédio das normas que realiza o bem comum na coletividade.
A dignidade da pessoa humana é um valor moral, que constitui o núcleo essencial do mínimo existencial, permitindo a sua aplicação como ação concreta.
Não é preciso subsumir, enquadrar à norma legal em abstrato, ou adequar a conduta, situação ou fato concreto (norma-fato) à lei (norma-tipo), para legitimar soluções contraditórias para problemas concretos.
A dignidade da pessoa humana não é uma idéia vaga, inconsistente como vem sendo aplicado no raciocínio jurídico dos processos decisórios, para ponderar consensos éticos quando necessário.
Por fim, e não menos importante a ser mencionado a respeito da dignidade da pessoa humana é que por constituir um dos elementos que compõe o mínimo existencial, obriga o intérprete da norma a aplicá-la de forma mais favorável à proteção dos direitos humanos.
E notem que a dignidade da pessoa humana vem embutindo um dever de observância e realização material, pela orientação hermenêutica emanada no fundamento da Constituição que institui um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais.
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Advogada, Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires - UBA, Professora, Autora, Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano de Investigación Y Capacitación Jurídica); Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coautora em diversas Obras Coletivas; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎
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Lei Constitucional de 10 de julho de 1940. In: Les Constitutions de France depuis 1789,1995. V. tb. Véronique Gimeno-Cabrera, Le traitment jurisprudentiel du príncipe de dignité de la pernonne humaine dans la jurispridence du Consell Constitutionnel Français et du Tribunal Constitutionnel Espagnol, 2004, p. 34︎
Trata-se do “Fuero de los Españoles”, uma das leis fundamentais aprovadas ao longo do governo franquista. V. http://www.e-torredebabel.com/leyes/constituciones/fuero-espanoles-1945.htm. Sobre este e outros aspectos da experiência constitucional espanhola, v. Francisco Fernandez Segado, El sistema constitucional español, 1992, p. 39 e s. No Brasil, o Ato Institucional nº 5, de 13.12.1968, outorgado pelo Presidente Costa e Silva, que deu início à escalada ditatorial e à violência estatal contra os adversários políticos, fez referência expressa à dignidade da pessoa humana.︎
Norberto Bobbio, na obra Direito e Estado no Pensamento de Emmanuel Kant, 4ª ed. Tradução de Alfredo Fait, Brasília, UNB, 1997, p. 31: “como o cidadão não pode ser prejudicado por aquilo que não decidiu, a vontade coletiva é que deve exercer o poder legislativo. Ao lado do legislativo, figuram os demais poderes com suas funções privativas: o Executivo – que governa em conformidade com as leis – e o judiciário – que determina para cada um o que é ser segundo a Lei.︎
A expressão de origem francesa, surge na jurisprudência do Conselho Constitucional.︎