"Vender" a posse que exerço há muitos anos sobre meu imóvel (que não tem Escritura nem Registro) pode ser um bom negócio?

01/09/2023 às 12:18
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"DEPENDE" nem sempre é uma resposta satisfatória e agradável mas em se tratando de casos jurídicos muitas vezes é a resposta que melhor veste as questões que nos são apresentadas... a experiência nos reafirma diariamente que não podemos garantir RESULTADO em nenhuma demanda, por mais que ela esteja muito bem aparelhada, baseada em provas que demonstrem e sinalizem hipoteticamente a "procedência" da pretensão do cliente. Nesse sentido a primeira parte do artigo 9º do Código de Ética da OAB é cristalino:

"Art. 9º O advogado deve informar o cliente, de modo claro e inequívoco, quanto a eventuais RISCOS da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda. (...)"

Da mesma forma o mais recente Provimento 205/2021 do CFOAB que veda a "promessa de resultados" - e aqui posso acrescentar - regra plenamente válida tanto para a atuação judicial quanto extrajudicial.

No que diz respeito a questões imobiliárias não podemos deixar de destacar que a complexidade desse tipo de causa requer a especialização e experiência do profissional que conduzirá a demanda, muitas vezes não só no ramo do direito imobiliário mas também no importante DIREITO NOTARIAL e REGISTRAL, especialmente no cenário atual onde muitos problemas imobiliários já podem encontrar solução pela VIA EXTRAJUDICIAL. Sabemos que a regularização de imóveis para alcançar o RGI em nome do possuidor através da Usucapião hoje em dia pode se dar pela via Extrajudicial, nos moldes do Provimento CNJ 65/2017, sem processo judicial, todavia, diferentemente do que alguns colegas (desavisados ou não) colocam, o fato de inexistir processo judicial não significa necessariamente que o caminho será FÁCIL e RÁPIDO... Nem sempre extrajudicial significa celeridade e facilidade e é muito importante que o usuário/cliente saiba disso, tenha ciência desses RISCOS e inclusive da possibilidade de INSUCESSO da sua demanda.

Como sabemos, o exercício da posse qualificada (com ânimo de dono) por determinado período de tempo sobre bem (móvel ou imóvel) hábil pode conduzir à consolidação da PRESCRIÇÃO AQUISITIVA e com ela a possibilidade do reconhecimento da USUCAPIÃO em favor do interessado. A partir do momento em que o VÉU dos requisitos da Usucapião repousam sobre a situação fática temos que o estabelecimento da nova titularidade sobre o bem imóvel exsurge - mas ele não é suficiente: a SEGURANÇA oriunda da oponibilidade e da publicidade da nova titularidade do bem só virão com o REGISTRO gravado nos assentos registrais e isso só acontece com o reconhecimento sendo feito de forma JUDICIAL ou EXTRAJUDICIAL, com a obrigatória participação de Advogado, bom sempre recordar. Nada impede, todavia, que preenchidos ou não os requisitos para a USUCAPIÃO em favor do posseiro este possa CEDER seus direitos em favor de terceiros, seja graciosamente (por "doação") seja onerosamente (por "venda"). Na situação aventada não devemos titularizar a operação como "venda" ou "doação" já que em se tratando de "direitos possessórios" e não "propriedade" haverá "Cessão dos direitos". O polêmico e inovador Novo Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro em passagem louvável mantém regra já existente no Código anterior acerca da possibilidade da transação dos direitos possessórios por ESCRITURA PÚBLICA - que é nossa primeira opção nesse tipo de negociação que admite a Cessão também por Instrumento Particular. Reza o atual artigo 384:

"Art. 384. Nas escrituras públicas DECLARATÓRIAS de posse e de CESSÃO DE DIREITOS possessórios, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que o ato não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, apenas à instrução de ação própria, podendo o tabelião, ao seu prudente arbítrio, exigir a presença de testemunhas ou outros dados objetivos da posse".

O referido instrumento - como sugere a disposição - é apenas um dos documentos que juntamente com demais provas permitirá futura regularização por"ação própria" - que deve ser entendida como a Usucapião Judicial ou a Usucapião Extrajudicial - essa última a cargo dos próprios Cartórios. Não há que se confundir a [Escritura de] Cessão de Posse ou a Declaratória de Posse com a ATA NOTARIAL, como já dissemos outrora, já que são instrumentos distintos ainda que egressos da lavratura notarial.

A Cessão da Posse (seja onerosa, seja graciosamente) deverá atrair também as regras respectivas do Código Civil para Venda e Doação (art. 481 e seguintes e art. 538 e seguintes) conforme o caso e, a depender de vários aspectos analisados no caso concreto, pode sim ser um negócio vantajoso tanto para quem transfere quanto para quem recepciona tais direitos, sendo certo que o Código Reale legitima a referida transação:

"Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado UNIR SUA POSSE à do antecessor, para os efeitos legais.

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, ACRESCENTAR À SUA POSSE a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé".

Não se deve deixar de ponderar que quem transfere a posse pode vantajosamente estar se livrando de um longo e exaustivo processo/procedimento de regularização imobiliária e recebendo quantia em dinheiro que poderá dar outra destinação (inclusive adquirindo um imóvel regularmente com Escritura e Registro) e, doutro turno, quem está adquirindo a posse pode estar também realizando uma vantajosa aquisição - tudo a depender dos detalhes do caso que precisam ser sempre analisados.

POR FIM, a lúcida jurisprudência do TJRS que admite - com acerto - a Escritura de Cessão de Direitos de Posse como instrumento hábil a legitimar a substituição processual para que o adquirente possar dar continuidade na Ação de Usucapião que busca a regularização imobiliária:

"TJRS. 70046328878 RS. J. em: 09/04/2013. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SUBSTITUIÇÃO DO PÓLO ATIVO. TRANSMISSÃO DOS DIREITOS POSSESSÓRIOS. POSSIBILIDADE. Sendo realizada Escritura Pública de Cessão de Direitos de Posse, cedendo a posse do terreno em questão, é possível a substituição processual, para que a cessionária passe a integrar o pólo ativo, substituindo o autor. Artigo 42, e parágrafo único, do CPC. Recurso provido. Sentença desconstituída. APELAÇÃO PROVIDA".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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